Por Maria Cristina Fernandes | Valor Econômico
SÃO PAULO - O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa levou 30 dias, desde a filiação ao PSB, para concluir que o sistema político bloqueia mudanças. A decisão - estritamente pessoal - de desistir da candidatura à Presidência foi anunciada ontem.
Em entrevista ao Valor, Barbosa negou desentendimentos com seu partido, o PSB, no qual permanecerá, mas reiterou crítica ao sistema partidário como um todo: "Os políticos criaram um sistema aferrolhado, de maneira a beneficiar a eles mesmos. Não há válvula de escape. O cidadão brasileiro vai ser constantemente refém desse sistema".
Sem antecipar seu rumo em outubro, Barbosa não esconde o pessimismo com a força daqueles que, em sua opinião, vão bloquear o debate sobre o combate à desigualdade. E manda um recado aos simpatizantes: "Que prestem atenção para a maneira como funciona a política no Brasil. Somos reféns. Nosso direito de escolha é limitado".
"Esta eleição não vai mudar o Brasil"
O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa levou 30 dias, desde a filiação ao PSB, para concluir que o sistema político bloqueia mudanças. A decisão de desistir da candidatura à Presidência da República foi anunciada ontem, em rede social: "Está decidido. Depois de muitas semanas de reflexão, finalmente, cheguei a uma conclusão. Não pretendo ser candidato a presidente da República. Decisão estritamente pessoal".
O ex-ministro nega desentendimentos com seu partido, o PSB, do qual não se desfiliará, mas reitera a crítica ao sistema partidário como um todo: "Os políticos criaram um sistema politico aferrolhado de maneira a beneficiar a eles mesmos. O sistema não tem válvula de escape. O cidadão brasileiro vai ser constantemente refém desse sistema. Você não tem como mudá-lo. Esse sistema contém mecanismos de bloqueio que servem para cercear as escolhas do cidadão".
Barbosa, que resiste a comentar publicamente a atuação do Supremo e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também nega que a onipresença do conflito da política com o Judiciário o tenha desmotivado: "Quem se candidata e tem o nome limpo não deve se preocupar com o problema judiciário de outrem. É um equívoco nacional achar que o futuro da nação está vinculado a este ou aquele processo judicial".
Sem antecipar seu rumo em outubro, o ex-ministro não esconde o pessimismo com a força daqueles que, em sua opinião, vão bloquear o debate sobre o combate à desigualdade. Aos órfãos de sua candidatura, manda um recado: "Que prestem atenção para a maneira como funciona a política no Brasil. Somos reféns. Nosso direito de escolha é limitado".
A seguir, a entrevista concedida na tarde de ontem, ao Valor, por telefone, de seu apartamento no Rio:
Valor: Por que o senhor desistiu?
Joaquim Barbosa: Quem me conhece já esperava essa decisão. A previsão de que eu já estava mergulhado na campanha vinha de gente que não falava comigo. Minha disposição para disputar era pequena. Não tenho, nunca tive essa ambição por poder. Não morro de amores pelo poder. Não vejo glamour na vida dos poderosos. Nem apego aos palácios do poder. Tudo aquilo que leva os políticos a conquistar o poder, nunca me atraiu.
Valor: Nem a perspectiva de poder mudar o país?
Barbosa: Não acredito que esta eleição vá mudar o país. O Brasil tem problemas estruturais gravíssimos, sociológicos, históricos, culturais, econômicos. É um país que tem um histórico de dificuldades imensas para assimilar relações econômicas saudáveis.
Valor: O senhor temeu que, uma vez eleito, poderia ficar refém do Congresso Nacional?
Barbosa: Os políticos criaram um sistema político aferrolhado de maneira a beneficiar a eles mesmos. O sistema não tem válvula de escape. O cidadão brasileiro vai ser constantemente refém desse sistema. Você não tem como mudá-lo. Esse sistema contém mecanismos de bloqueio que servem para cercear as escolhas do cidadão.
Valor: O senhor enfrentou problemas no PSB?
Barbosa: Nenhum. Fui muito bem acolhido no partido. A perspectiva de uma candidatura também teve boa aceitação popular.
Valor: O senhor temeu ter que assumir compromissos com pessoas físicas com interesse em doar para sua campanha?
Barbosa: Não cheguei nem a cogitar isso. O problema não foi de dinheiro. A hipótese de não concorrer sempre esteve presente.
Valor: Por que então se filiou ao PSB se já cogitava tão concretamente não disputar?
Barbosa: O sistema foi feito para cercear escolhas. Por que um cidadão tem que se filiar seis meses antes? Foi isso que me levou a me filiar. Me filiei quando ainda tinha muitas dúvidas. Sou abordado há muito tempo por pessoas que dizem que tenho potencial. Se não me filiasse tiraria a possibilidade das minhas cogitações. É um absurdo que país não permita candidaturas avulsas. Deixa de fora uma grande quantidade de pessoas.
Valor: O que esperar da sucessão presidencial?
Barbosa: Temo que se aprofundem as desigualdades. O Brasil já tem precariedades muito grandes. Esse processo de precarização, de miserabilidade, não está sendo abordado por ninguém. Meu temor é que os grupos que são indiferentes ao aprofundamento da desigualdade vão se unir para dominar esse processo eleitoral. Se uniriam contra mim, não tenho dúvidas.
Valor: Muitos já estão comemorando....
Barbosa: Não tenho dúvidas
Valor: Aconteceu algo de determinante para a decisão?
Barbosa: Não consultei ninguém, mas minha família está aliviada.
Valor: O senhor temia ser pressionado a se posicionar sobre temas que o senhor tem evitado, como a atuação do Judiciário e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Barbosa: Não falo do Judiciário. O Supremo saiu da minha vida. Essa é uma falsa questão no Brasil. É um equívoco tanto debate sobre questões criminais. O Brasil tem outras questões mais graves que não estão sendo debatidas. Faria o possível para desviar o debate dessas questões.
Valor: Mas não é inevitável que, estando a principal liderança política do país presa e boa parte da elite política ameaçada do mesmo destino, este seja um tema incontornável?
Barbosa: Quem se candidata e tem o nome limpo não deve se preocupar com o problema judiciário de outrem. É um equívoco nacional achar que o futuro da nação está vinculado a este ou aquele processo judicial. Isso não é uma preocupação para um presidente da República. Um presidente não deve se preocupar com o que se passa no Poder Judiciário. O bom presidente é aquele que esquece os tribunais e deixa que o Judiciário exerça seu poder de maneira inequívoca.
Valor: O senhor teme que essa reta final do governo Michel Temer, mesclada pela prisão de Lula, seja contaminada pela discussão de um indulto?
Barbosa: É um equívoco. Um presidente não deve se preocupar com nada disso. Há desafios maiores pela frente. Desde a questão econômica até o isolamento internacional, o ostracismo internacional gigantesco e as desigualdades
Valor: Que lição o senhor tira dessa campanha?
Barbosa: Não fiz campanha. Praticamente não saí de casa. Só tive aquela reunião com o PSB. Jantei na casa do governador de Pernambuco [Paulo Câmara], tive um encontro rápido com o governador de São Paulo [Márcio França]
Valor: E o que ficou desse período?
Barbosa: A confirmação daquilo que amigos e pessoas dos mais diversos quadrantes já me diziam há algum tempo. É inviável uma candidatura fora desse sistema pernicioso.
Valor: O senhor vai se desfiliar do PSB?
Barbosa: Não.
Valor: O que vai fazer em outubro?
Barbosa: Vou continuar minha vida autonomamente e, em outubro, provavelmente estarei fora do Brasil.
Valor: O que o senhor diria aos eleitores que chegaram a apostar na sua candidatura?
Barbosa: Que prestem atenção para a maneira como funciona a política no Brasil. Somos reféns. Nosso direito de escolha é limitado.
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