quarta-feira, 9 de maio de 2018

Barbosa desiste, e disputa eleitoral esquenta

Em um movimento que pode redirecionar as alianças e composições em curso entre partidos e pré-candidatos à Presidência, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa retirou seu nome da disputa. Pelo Twitter, disse que foi “uma decisão estritamente pessoal”. Em entrevista a LAURO JARDIM, ele afirmou: “O coração já vinha me dizendo: não mexe com isso, não”. A notícia surpreendeu os pré-candidatos que participaram ontem de um evento da Frente Nacional de Prefeitos, em Niterói. As reações públicas à decisão de Barbosa foram protocolares, mas os partidos comemoram a esperança de herdar eleitores e a saída de um adversário com potencial para crescer.

Desistência e reviravolta 

Saída de Joaquim Barbosa embaralha disputa e dá ânimo a Alckmin, Ciro e Marina

Catarina Alencastro, Miguel Caballero, Juliana Castro e Jeferson Ribeiro O Globo

-RIO E BRASÍLIA- A mais indefinida disputa presidencial desde a redemocratização sofreu nova reviravolta às 10h07 de ontem, quando o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa retirou seu nome de cena. Ao publicar em sua conta no Twitter que, por “decisão estritamente pessoal”, “não pretendo ser candidato a Presidente da República”, ele redistribuiu as cartas de um jogo cujo último lance de impacto havia sido a sua própria performance nas pesquisas, atingindo até 10% das intenções de votos em abril.

A notícia pegou de surpresa quase todos os demais candidatos que participaram ontem de um evento da Frente Nacional de Prefeitos, em Niterói. De imediato, nomes como Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), entre outros, coincidiram numa reação protocolar, variando entre “respeitar” e “lamentar” o movimento de Barbosa. Internamente, porém, aliados acreditam ter motivos para comemorar. Seja pela esperança de seus candidatos herdarem eleitores ou, principalmente, pelo alívio de ver sair da disputa um adversário com potencial para crescer em todas as faixas do eleitorado.

REDISCUSSÃO DE ALIANÇAS
A desistência de Barbosa pode redirecionar todos os movimentos de alianças e composições em curso entre partidos e candidatos. O PSB, com 45 segundos de tempo de televisão, volta a ser um parceiro cobiçado — além do próprio apoio pessoal do ex-ministro, que pensa ficar neutro. Com 10% das intenções de voto sem entrar na campanha, Joaquim Barbosa era uma ameaça para quem precisa crescer nas pesquisas — casos de Marina e, principalmente, Ciro e Alckmin.

Na campanha do tucano, a notícia foi recebida com otimismo. Primeiro, pela avaliação de que a presença de Barbosa poderia estar impedindo o crescimento do ex-governador de São Paulo. Herdar ao menos uma parte do eleitorado do ex-ministro também pode fazer o tucano vencer desconfianças de potenciais aliados e destravar a negociação de novos apoios à sua candidatura.

Ainda que tenha descartado, no início da disputa eleitoral, compor chapa com Barbosa, Marina Silva espera ser o destino natural de eleitores que identifiquem nela um perfil parecido com o do ex-ministro. Já Ciro imagina que possa se beneficiar de uma inclinação mais à esquerda do PSB, na melhor hipótese até recebendo o apoio formal do partido.

Para o diretor do instituto Datafolha, Mauro Paulino, “ninguém é beneficiado” num primeiro momento. Os concorrentes que seguem na disputa, avalia, têm motivos para encarar a notícia de ontem como positiva menos pelos 10% que Barbosa já tinha alcançado, mas por sua capacidade de crescimento.

— Barbosa atingiu 10% por puro “recall” (lembrança) de sua atuação no mensalão, haja vista que estava totalmente sumido do noticiário nos últimos tempo e não havia feito nenhum movimento. O fato de que sua melhor faixa era entre escolarizados e mais ricos reforça essa tese, é um público que acompanha mais o cenário político — analisa Paulino. — Ele também tinha a imagem de ser alguém de fora da política tradicional. Aparecendo na campanha, ele iria se expandir para outras faixas. O maior impacto da saída dele não são os 10%, que provavelmente vão se diluir entre os candidatos e até para os indecisos; mas sim o potencial enorme que ele poderia atingir.

Mauro Paulino, porém, afirma que o grau de incerteza da eleição deve se intensificar:
— Já havia cerca de 30% que diziam votar no Lula, mais um número sempre superior a 20% de indecisos ou dispostos a votar nulo, uma faixa que pode crescer com a saída de Barbosa.

O cientista político Leonardo Barreto, da Factual Informação, acredita nesta hipótese:
— Quando o Barbosa entrou nas pesquisas, os outros candidatos não caíram. Num primeiro momento, este eleitorado pode voltar ao vetor dos indecisos. Mas com 10% das intenções numa disputa tão acirrada, ele deixou hoje de ser um candidato para ser um ótimo cabo eleitoral.

Ter o apoio anunciado de Joaquim Barbosa é, porém, improvável para qualquer concorrente. Ao menos no primeiro turno, em 7 de outubro, dia em que o ex-ministro completará 64 anos. A sua pretensão é viajar para fora do país na data.

Barbosa jamais havia se convencido completamente a topar a empreitada eleitoral. Temia ter de abrir mão de seus negócios como advogado e palestrante, além da maior exposição pessoal e da família inerente à campanha.

Houve ainda atritos com o PSB. Nos últimos meses, ele vinha precisando vencer resistências no partido. No Nordeste, os governadores Ricardo Coutinho (PB) e Paulo Câmara (PE) mantém ligação forte com o ex-presidente Lula, muito popular na região. Em São Paulo, Márcio França é afilhado de Geraldo Alckmin e brada aos sete ventos que o tucano é o melhor projeto presidencial. Barbosa chegou a se irritar ao ver recente declaração de França com elogios ao presidente Michel Temer.

— Ele não se sentia tranquilo com certos quadros do PSB — revela um amigo de Barbosa.

A ideia de despejar boa parte dos recursos do partido na campanha presidencial também não agradava a postulantes ao Legislativo ou aos governos estaduais. Finalmente, o último mês foi revelador para Barbosa sobre o grau de agressividade que enfrentaria nas redes sociais ao longo da campanha.

— Ele sentiu o calor de uma pré-candidatura e viu que o nível de agressividade era muito alto. Ele começou a levar muita pancada nas redes sociais — observa um cacique do PSB.

Por fim, na última segunda-feira a Lava-Jato se aproximou do PSB. Uma denúncia de corrupção na gestão do ex-governador de Pernambuco e ex-presidenciável Eduardo Campos foi enviada para o juiz Sergio Moro. Mesmo que nada tivesse a ver com o caso, Barbosa seria a face visível do partido durante a campanha.

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