O governo argentino não resistiu a uma semana de pressões contra o peso e decidiu pedir ajuda financeira "preventiva" ao Fundo Monetário Internacional. Depois que na abertura dos mercados o peso em pouco tempo se desvalorizou 5%, o presidente Mauricio Macri se reuniu com a equipe de governo e anunciou que resolvera recorrer ao Fundo, anatemizado durante a maior crise econômica da história do país, em 2001, como o menor dos males - a mudança do cenário externo abriu o campo para uma nova asfixia financeira do país. A menos que as condições do dinheiro do Fundo sejam suaves, e os ajustes a ele condicionados também, a reeleição de Macri corre enormes riscos.
Quando encerrou as consultas com o governo argentino e produziu um relatório sobre o país, o FMI deu aval ao "crescimento sólido" argentino, mas fez advertências sobre os riscos da desequilibrada política econômica de Macri. A Argentina, com nuances, não se afastou da trilha das razões que provocaram suas sucessivas crises, com fuga de dólares e estrangulamento externo. O FMI apontou que o déficit fiscal e o déficit em conta corrente eram altos, ampliados com uma corrida rumo aos empréstimos externos que em boa dose financiaram os rombos do governo. A Argentina captou US$ 35 bilhões em 2016 e repetiu a dose em 2017, com 60% das emissões feitas pelo governo federal e 20% pelos Estados.
Com necessidade de financiamento externo alta no médio prazo - de 20% do PIB em 2018 -, lembrou o staff do FMI, "qualquer aperto nas condições de financiamento global podem se tornar destrutivas". Constrangimentos muito fortes das fontes de recursos externas poderiam então levar a uma consolidação fiscal mais vigorosa, queda nos investimentos e nova recessão.
Ao listar os perigos, o FMI avaliou que o peso estava valorizado entre 10% e 25% e que a percepção desse desalinhamento em relação aos fundamentos de médio prazo poderia levar a um ajuste agudo da taxa nominal de câmbio, não só atrapalhando os esforços anti-inflacionários como elevando rápida e acentuadamente a relação dívida pública/PIB, dada sua dolarização.
O gradualismo no reajuste das tarifas para diminuir subsídios e na política monetária era parte de um cálculo realista das dificuldades políticas - o governo não tem maioria no Congresso. Mas o repique da inflação e o aumento rápido da dívida pública em dólar ou denominadas em dólar - 70% do total - revelaram a fragilidade do modelo, que só prosperou em ambiente global de juros muito baixos e baixa aversão ao risco - algo que se tornou, subitamente, o passado.
As relações do FMI com Macri são amistosas, ao contrário de quando os Kirchners governavam. Não há um pedido oficial, mas se especula que será feito um pedido de apoio financeiro de pelo menos US$ 30 bilhões. O Fundo torna disponível uma linha de crédito flexível preventivo, sem muitas exigências, à qual tem acesso México e Colômbia, que nunca a utilizaram. Ela é destinada a países com bons fundamentos, logo é duvidoso que a Argentina possa acessá-la, dado seu histórico. Outra possibilidade é a de um acordo stand by, com várias condicionalidades.
Pela sinalização do FMI em dezembro é possível intuir algumas das condições a negociar. "É necessário uma recalibragem do mix de políticas, com uma redução mais rápida do déficit fiscal, menores impostos e política monetária menos restritiva, não um aperto geral das políticas", recomendou.
Em termos práticos, isso significa zerar o déficit primário de 3,5% do PIB em 2019. Isso seria feito com a redução do número de funcionários públicos e outras medidas que cortassem a folha de salários de 12,5% do PIB para 9% em 2022. Aposentadorias, que consomem 10% do PIB e dão déficit de 3%, deveriam ser reajustadas pela inflação futura. Subsídios seriam reduzidos mais rapidamente. Um congelamento das despesas em termos reais, para o FMI, reduziria as despesas do governo dos atuais 40% do PIB a 32% em 2023.
Os ajustes do FMI são impopulares, mais ainda para um povo muito nacionalista que o responsabilizou pela crise de 2001e que ainda sufraga massivamente a forte oposição peronista. Se o peso não se estabilizar logo e o FMI não for condescendente, o lance arriscado de Macri pode sepultá-lo politicamente nas urnas em 2019.
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