As negociações entre Estados Unidos e China para evitar uma guerra tarifária sem limites poderão resultar na concessão de várias vantagens aos americanos, mas não em várias exigências fundamentais colocadas à mesa. O presidente Donald Trump gosta de obter trunfos imediatos e depois de mudar de assunto e, após estabelecer um prazo impossível de ser cumprido até 1 de março, disse anteontem que a data para um acordo poderá ser estendida "um pouquinho". A China tem mais a perder com o conflito e, às voltas com delicada desaceleração de sua economia, procura evitar que metade de suas exportações para o principal mercado do mundo seja taxada em 25%. O governo chinês deu alguns passos para atender algumas queixas dos americanos, com medidas para suavizar a obrigatoriedade de joint ventures para acesso a mercados e coibir roubo de tecnologia. No essencial, a China não deve mudar substancialmente sua conduta.
Hoje, o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, um "falcão" em relação à China, e o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, terão encontro com o premiê Xi Jinping, após três dias de reuniões com o vice de Xi, Liu He, cujos resultados não são conhecidos. Nas duas frentes em que os EUA se movem a China tem baixa margem de flexibilidade.
A pressão para que a China não tenha acesso às tecnologias de ponta que estão mudando a indústria e os serviços atinge frontalmente os objetivos de Estado que o Partido Comunista chinês estabeleceu como meta a ser atingida até 2025, ou seja, transformar o país em uma potência que domina e produz o estado da arte em inteligência artificial, robótica etc. A prisão de uma executiva da Huawei, às vésperas do início das negociações bilaterais, indicou até aonde os EUA estão dispostos a ir para dobrar os chineses. O envio de navios americanos para áreas reivindicadas pela China no mar da China Oriental quando se inicia uma nova rodada de discussão reafirmam o componente geopolítico subjacente à disputa comercial.
Os chineses colocam na mesa promessas de compras bilionárias de bens e serviços americanos, e de abertura de mercado em setores em que os americanos têm interesse. No entanto, além da missão impossível de impedir que a China atinja novo patamar tecnológico, os EUA pretendem que o país desmonte uma rede enorme de incentivos às empresas chinesas que ampliam ilegalmente sua competitividade, como subsídios governamentais, benefícios de bancos estatais e de políticas industriais estabelecidas.
Esta agenda é a razão de ser da Organização Mundial do Comércio que, depois de esnobada e esvaziada por Trump, será usada ocasionalmente pelos EUA para tentar conseguir parte de seus objetivos. No relatório do USTR sobre o cumprimento das regras da OMC pela China enviado ao Congresso, a mudança americana a respeito é expressa. "A abordagem dos EUA sobre a China é mais agressiva que no passado", registra o texto. "Por necessidade, os EUA estão agora usando todos os meios existentes - defesa doméstica, negociação bilateral, litigância na OMC e engajamento estratégico com parceiros comerciais afins - para responder aos sérios desafios apresentados pela China".
O relatório menciona a aproximação dos EUA com União Europeia e Japão na OMC para exigir que a China se adeque às regras e se torne uma "economia de mercado". Apesar disso, o USTR assevera que "depender apenas da OMC e seus mecanismos é uma receita para o fracasso" e que a OMC será usada "sempre que possível". Além disso, o USTR lamenta o erro dos EUA de apoiar a entrada da China na instituição, o que ocorreu em 2001. Pelo diagnóstico, o país jamais cumpriu com as normas da instituição e desde 2016 não notifica inúmeros subsídios que continuam artificialmente irrigando a competitividade das empresas chinesas.
Os EUA reconhecem tardiamente que poderiam ter obtido o apoio de muitos países da OMC para fazer o que agora faz bilateralmente, mas não quer ter suas mãos amarradas pelas regras de negociações e sanções do órgão. Fica reafirmado que se arma na OMC frente de pressão contra a China, mais ampla e talvez mais poderosa.
O impasse é enorme, sem solução à vista. "A primazia do Estado está inscrita na Constituição chinesa", diz um especialista da Universidade de Renmin em Pequim (FT, ontem). Ecos desse pensamento estão no jornal nacionalista oficial Global Times, que resume: "A China nunca vai ferir seus interesses fundamentais". É difícil que uma guerra tarifária possa demover os chineses.
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