Ministro recorreu até a advogados para garantir permanência no cargo
Igor Gielow , Talita Fernandes , Angela Boldrini e Gustavo Uribe | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA E SÃO PAULO - O fantasma de uma crise política fora de controle e que ameaçasse a tramitação da reforma da Previdência no Congressomotivou uma tentativa de evitar a saída do ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência), do governo.
A operação foi capitaneada pela ala militar do governo, que agiu por conta própria, e pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi acionado em um telefonema na madrugada de quinta (14) por Bebianno.
A missão é difícil, pois todos concordam que o presidente Jair Bolsonaro ultrapassou uma linha ao endossar a crítica de seu filho Carlos ao ministro. Na quarta (13), Bebianno foi chamado de mentiroso após dizer que havia conversado com o presidente sobre a crise dos laranjas do PSL.
Como revelou a Folha, o partido do presidente patrocinou com o fundo partidário candidatas com votação mínima, e o dinheiro foi destinado a empresas suspeitas de não terem prestado serviços. Bebianno era o presidente interino do PSL na campanha.
A ação dos militares, avalizada pelo presidente, é uma vitória política em oposição ao que consideram ingerência indevida dos filhos de Bolsonaro no governo. Mas todos concordam que talvez seja tarde demais, dada a evolução da crise na quinta (14).
Além de acionar Maia, que saiu em sua defesa em declarações públicas, disse que ele “dialoga bem” com o Congresso e pediu apoio ao ministro para Paulo Guedes (Economia), Bebianno optou por um tom ameaçador.
Disse a aliados que não se demitiria porque não tem relação com a distribuição do dinheiro na campanha de 2018, com exceção da postulação presidencial e de alguns puxadores de voto nos estados.
E surgiram ao longo do dia notas em sites segundo as quais Bebianno prometia “cair atirando”. Por fim, no começo da noite ele disse à revista virtual Crusoé que a pressão sobre si decorria do fato de que Bolsonaro “está com medo de receber algum respingo” do caso das laranjas.
Além de Maia, Bebianno, que é advogado, também recorreu a colegas de profissão e integrantes do Judiciário para buscar uma forma de se blindar na crise.
Ele foi aconselhado a não se demitir e a manter-se discreto, deixando que Bolsonaro se movimentasse.
Como homem-forte da campanha presidencial de Bolsonaro, o ministro é depositário de diversas informações estratégicas.
Na cerimônia em que o novo porta-voz do governo, general Otávio do Rêgo Barros, transmitiu seu cargo de chefe de comunicação do Exército ao general Richard Nunes, as rodas de conversa davam a beligerância de lado a lado como incontornáveis.
Lá estavam dois dos principais ministros da área militar envolvidos na operação para tentar solucionar a crise, Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Fernando Azevedo (Defesa).
Já na tarde de quarta (13) eles foram chamados ao Palácio do Alvorada, onde Bolsonaro havia chegado após deixar uma internação de 17 dias por causa de cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal.
Chefe da Secretaria de Governo, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz também entrou no circuito. “Vamos pacificar isso”, sinalizou àFolha o vice-presidente, general Hamilton Mourão (PRTB).
A ala fardada não quer a queda de Bebianno por considerar que a demissão no segundo mês do governo só serviria para firmar a imagem de fragilidade política no Planalto.
A interlocutores, militares e também Rodrigo Maia lembravam que uma crise política, a revelação da gravação do empresário Joesley Batista com o presidente Michel Temer em 2017, foi responsável por matar a tramitação da reforma da Previdência naquele momento.
O comportamento de Bebianno, contudo, não favoreceu o movimento. Além das ações na mídia, ele não compareceu à reunião em que seria admoestado por Heleno, Azevedo e pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni –que, mesmo correligionário no DEM, não é próximo de Maia.
Os militares buscaram atuar com bombeiros. Os mais próximos de Bolsonaro sugeriram sangue frio ao presidente, mas mesmo eles concordam que ele ultrapassou uma linha ao endossar as críticas de Carlos e de dizer em entrevista à TV Record que Bebianno poderia “voltar às origens”.
Para piorar, há a questão hierárquica, tão cara aos generais: a impressão resultante foi de que Bolsonaro fritou o ministro usando o filho, e não usou de sua autoridade para demiti-lo.
O ministro tinha apoio no núcleo militar com a presença de dois generais, Floriano Peixoto e Maynard Santa Rosa, nominalmente sob seu comando. É corrente no governo atribuir aos dois oficiais da reserva o tom polido e o comedimento político do até então “pitbull” da campanha após ter assumido o ministério.
Só que isso não foi suficiente para conter o curto-circuito da quarta, que já vinha tomando forma desde que Bebianno teve uma ex-assessora implicada no caso dos laranjas em uma reportagem da Folha no domingo (10).
Bolsonaro ganhou tempo ao reservar a tarde para fechar a polêmica alteração da idade mínima de aposentadoria de sua proposta de reforma da Previdência, além da regra de transição para sua implantação.
A previsível euforia nos mercados com a definição anunciada deu um alívio momentâneo ao governo, mas o nó político ainda precisa ser desatado. No começo da noite, discutia com aliados no Palácio do Alvorada os próximos passos da crise.
Vereador pelo PSC do Rio de Janeiro, Carlos é o mais influente filho de Bolsonaro, segundo relato de seus próprios irmãos. Ele comanda há anos a estratégia digital do pai, mas durante a campanha eleitoral acumulou discussões com Bebianno sobre rumos da comunicação do então candidato.
Já na transição, o então futuro ministro fritou a indicação de Carlos para a Secretaria de Comunicação Social ao ventilar a possibilidade em entrevista. Os filhos não perdoaram, e o deputado federal Eduardo (PSL-SP) indicou um assessor para a função, que foi retirada do guarda-chuva da Secretaria-Geral que seria assumida por Bebianno.
Assim, o escândalo dos laranjas do PSL caiu como uma luva como álibi para o clã Bolsonaro voltar à carga. O problema foi a natureza da intervenção: aliados, tanto militares como civis, ficaram mal impressionados com o presidente.
Segundo assessores palacianos, Bolsonaro não esperava que, diante da crítica feita por Carlos, Bebianno fosse insistir tanto em seguir no posto. De acordo com eles, o ataque teve como objetivo criar uma porta de saída para o ministro e foi ensaiado em uma estratégia de desvincular do Palácio do Planalto o escândalo dos laranjas.
A confusão no Congresso, onde deputados do PSL de Bolsonaro atacavam ora Bebianno, ora os filhos, também deixou claro a agentes de mercado que a tramitação da reforma da Previdência tende a ser bem mais difícil sem uma ordem unida na maior bancada da Câmara.
Olhando para frente, é na dinâmica da relação dos militares com o voluntarismo familiar dos Bolsonaro que reside a chave para o tratamento de futuras crises.
Reservadamente, diversos oficiais no governo e na ativa admitem que a influência dos filhos sobre o presidente é algo incontornável. Mas não escondem o desagrado com o modo caótico de comunicação, privilegiando torpedos lançados nas águas do Twitter a articulações políticas mais consistentes e ponderadas.
Quem pode falar, o indemissível Mourão, já comprou sua briga particular contra a agenda conservadora de Bolsonaro ao se dizer favorável à liberação do aborto. E protagonizou altercação com o ideólogo de Eduardo e Carlos Bolsonaro, o escritor Olavo de Carvalho.
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