- O Estado de S.Paulo
O Exército está irritado com o filho, mas quem gerou a crise foi o pai presidente
Nunca antes neste País se viu uma mera troca de chefia do Centro de Comunicação do Exército (Cecomsex) se transformar num super evento, não apenas pela grande presença de militares e civis como também pela duração. O papo foi longe.
O general que entra é Richard Nunes e o que sai é Otávio do Rêgo Barros, que virou porta-voz do presidente Jair Bolsonaro. Esse foi um chamariz para a solenidade e pesou também a eficiência e a gentileza no trato de Rêgo Barros com a mídia, mas o fator principal para o sucesso foi a força do Exército neste momento. Todo mundo sente o cheiro do poder.
Atenção: está-se falando especificamente do Exército, não genericamente dos militares ou das Forças Armadas. Aliás, uma curiosidade da transmissão de cargo é que, naquela selva verde, só havia uma farda azul da FAB e uma branca da Marinha. Eram os dois oficiais da imprensa nas duas Forças, que riam quando alguém brincava que pareciam “peixes fora d’água”.
O Exército está em alta. Ocupa quase todos os postos do Planalto e, além de não criar problemas, tem de resolver problemas criados pelos outros. Inclusive, ou principalmente, pelo próprio presidente e seus três filhos, o 01, o 02 e o 03. Numa fase da ditadura, quando cutucavam o presidente Figueiredo, ele ameaçava acionar o ministro do Exército, linha dura: “Chama o Pires!”. Agora, quando é preciso segurar os filhos do presidente, os generais gritam por um moderado: “Chama o Heleno!”.
No centro da festa, estavam justamente os generais Augusto Heleno, chefe do GSI e apagador-geral de incêndios da República, e Eduardo Villas Bôas, que o assessora no GSI. Ambos têm enorme responsabilidade para salvar o barco, que está sacudindo depois que o PSL foi flagrado fazendo peraltices e o filho 02 do presidente, Carlos Bolsonaro, desmentiu pelo twitter o ministro Gustavo Bebianno, presidente do partido nas eleições e agora sob risco de cair da Secretaria-Geral da Presidência e “voltar às origens”.
Todos ali sabiam que, num clima como esses, só uma pessoa tem coragem, legitimidade, respeito e jeito para alertar o presidente contra o excesso de poder dos filhos e para o excesso de problemas que eles estão jogando no colo do pai. Esta pessoa é Heleno. Os militares recorrem a ele, a quem cabe dizer verdades difíceis a Bolsonaro.
Na crise de Bebianno, porém, quem matou a charada foi o Estado, ao recompor a cronologia da quarta-feira, que deveria ser de comemoração da alta de Bolsonaro e virou uma guerra entre o filho do presidente e um dos únicos civis com algum poder no Planalto.
E qual foi a charada? Os mundos político, militar e econômico passaram o dia crucificando Carlos Bolsonaro por ter tido a audácia e o voluntarismo de atacar um ministro. Mas a história é diferente. Primeiro, o presidente desmentiu Bebianno ao gravar a entrevista para a TV Record ainda no Hospital Albert Einstein. Só depois, enquanto o presidente voava para Brasília, Carlos divulgou o desmentido do pai pelo twitter, inclusive com o áudio em que ele se recusa a falar com Bebianno. Por fim, Bolsonaro retuitou o ataque de Carlos.
Ou seja: todo mundo incomodado, aflito e preocupado com o ato de Carlos, mas o problema era outro: não foi o filho quem gerou o problema, nem foi o pai quem tomou partido dele a posteriori. Foi o presidente quem atacou o ministro, Carlos só amplificou a posição do pai. Logo, Carlos não age da própria cabeça, ele é a voz do presidente.
Conclusões: 1) desta vez, o problema não foi Carlos, foi Jair; 2) Bebianno está frito, mas ele também tem muito óleo na frigideira; 3) Se é assim com Bebianno, o que será com os demais? 4) Heleno pode fazer queixa de Carlos para Jair, mas pode dar uma bronca no presidente?
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