sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Monica De Bolle*: Miolo mole

- Revista Época

O problema é que com essa fala pé no chão Guedes parece um turista acidental no governo Bolsonaro.

Miolo mole Jair Bolsonaro tuíta bobagens do leito hospitalar enquanto o país sofre com suas tragédias. O ministro do Meio Ambiente descarta Chico Mendes e o chama de grileiro. A turma mais assanhada do governo ataca a Igreja Católica, porque, afinal, no mundo da direita religiosa ultraconservadora, o catolicismo agora é “de esquerda”. Papa Francisco fica chateado, mas, como na definição de Paulo Guedes esquerdistas “têm bom coração”, tudo é perdoável. Armar a população é a solução para todos os problemas de violência e fim de papo. Miolo mole tem quem não acredita em nada disso. O corolário é que miolo mole é o que têm os generais...

Troças à parte com um governo que pede para que sejam feitas dia sim, outro também — olha a semelhança com o dilmismo aí, gente —, li a entrevista de Paulo Guedes para o Financial Times. O ministro, claramente, gosta de um bom sound bite: “O Brasil precisa de uma perestroika”; “Pessoas de esquerda têm miolo mole e bom coração. As pessoas de direita têm a cabeça mais dura e... o coração não tão bom”; criar-se-á no Brasil uma “sociedade popperiana aberta”; “Éramos uma democracia de uma perna só”; “Passei toda a vida gerando alfa e vendo governos sucessivos destruírem beta. Agora quero melhorar o beta brasileiro”. Confesso que, após ler esses trechos, sobretudo a fala de operador de mesa, bateu saudade visceral da mesóclise.

Dito isso, a entrevista não foi ruim. Guedes destacou corretamente o isolacionismo comercial brasileiro que impede ganhos de produtividade, transferências tecnológicas e investimentos como trava que deve ser removida imediatamente. Acusou o clientelismo inerente às ineficiências de um Estado excessivamente intervencionista pelo engessamento e pela disseminação da corrupção no país. Afirmou que as reformas econômicas precisam dar atenção à redução dos privilégios, inclusive para que se possam enfrentar com mais coerência os problemas de desigualdade. Mostrou ser realista em relação às inevitáveis restrições políticas que terá pela frente e reconheceu que consertar a economia brasileira não será tarefa fácil.

Transcorrido mês e meio após a posse, o governo Bolsonaro nada mostrou até agora além de tuítes, muitos ministros despreparados, filhos que se julgam presidentes da República paralelos pelo sangue e pelo DNA, ideólogos alucinados que vociferam contra os demônios que habitam suas cabeças. Em meio a essa balbúrdia, nada sabemos de concreto ainda sobre a reforma da Previdência. Primeiro nos disseram que a reforma seria desvelada após a posse. Depois avisaram que o anúncio seria feito em Davos. Depois... bem, depois não disseram mais nada. Evidentemente, Paulo Guedes está trabalhando na reforma, quiçá já tenha até todos os detalhes alinhavados. Contudo, qualquer reforma, sobretudo uma com a envergadura da reforma da Previdência, precisa de um fiador político. Quem é o fiador político da reforma? Bolsonaro hospitalizado que insistiu em trabalhar e despachar nestas últimas semanas até agora não disse palavra sobre a reforma da Previdência. Inquieto, o vice Mourão defendeu as reformas econômicas acima de tudo, para o enorme desagrado dos religiosos governistas e dos filhos atiçados.

Vai dar em que este governo Bolsonaro? Difícil saber, mas por enquanto arrisco um palpite: é possível que a economia caminhe razoavelmente bem — nenhuma maravilha, mas o suficiente para justificar o sentimento de que o Brasil volta aos trilhos pouco a pouco. No mais, acredito que teremos um show ininterrupto de miolos moles falantes. Como venho dizendo, cabe aos generais garantir que a moleza dos miolos fique restrita às declarações estapafúrdias repletas de espécie de ideologia incoerente sobre a política externa brasileira, a política educacional, a política para o meio ambiente, as políticas para os direitos humanos. Caberá aos generais garantir que as maluquices fiquem circunscritas à retórica. Ao menos assim teremos algum divertimento nos próximos quatro anos.

*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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