Sob o governo de Donald Trump, porém, o capitalismo clientelista se enraizou. Agora, precisará ser extirpado. De outra forma, a economia dos Estados Unidos continuará sendo refreada enquanto escroques e trapaceiros enchem os bolsos
Levou quatro anos, mas a elisão fiscal e o grande endividamento do presidente Donald Trump, enfim, vêm sendo expostos, assim como seus muitos casos de atuação em benefício próprio e seus esforços para beneficiar seus compadres. No governo Trump, os Estados Unidos começaram a exemplificar o capitalismo de compadrio, no qual líderes políticos dão benefícios e proteção a empresas em troca de favores econômicos e aceitação política.
Nesse
tipo de arranjo, normalmente associado a Estados pós-comunistas e
pós-coloniais, os “compadres” são os “amigos” que apoiam e financiam
governantes autocráticos. Em troca de contribuições de campanha e outros
recursos, eles ganham posições monopolistas, isenções tributárias especiais,
proteção contra importações concorrentes e isenções de tarifas que não são
replicadas para seus rivais. O termo “capitalismo” passa a ser usado de forma
imprópria: embora a atividade econômica seja realizada pelo setor privado, a
lucratividade depende das recompensas e penalidades definidas pelos governantes
políticos, não pela eficiência econômica ou pela satisfação dos clientes.
Um
ótimo exemplo contemporâneo do capitalismo de compadrio pode ser encontrado na
Rússia, sob o comando do presidente Vladimir Putin, onde toda a economia opera
como um sistema de apoio mútuo para oligarcas ricos e o Kremlin. Há muitos
outros países que caem no espectro do capitalismo clientelista e todos podem
ser diferenciados das economias onde a competição, os direitos à propriedade
privada e a igualdade nas regras de jogo tendem a trazer melhoras constantes
nos padrões de vida e no crescimento econômico.
A
“igualdade nas regras de jogo” - quando todos os atores econômicos recebem
tratamento igual perante a Justiça - é precisamente do que carecem os países
com capitalismo clientelista. Quando um modelo de negócios bem-sucedido precisa
subornar autoridades governamentais, o desempenho econômico geral
inevitavelmente se deteriora, mesmo quando a lucratividade aumenta. Em
particular, nos países ricos em recursos naturais há amplas oportunidades para
desviar riquezas por meio de arranjos de capitalismo de compadrio..
Com
Trump, o capitalismo de compadrio se espalhou rapidamente pelos EUA. O exemplo
mais recente é o envolvimento pessoal direto de Trump em ações reguladoras
contra a empresa chinesa de mídia social on-line TikTok. Depois de pedir
inicialmente uma análise de segurança nacional das operações da empresa nos
EUA, ele declarou que iria bani-la do país a menos que uma empresa americana a
comprasse. Durante várias semanas deste verão americano, Trump deu a impressão
de estar apoiando a oferta da Microsoft para comprar a empresa, sustentando que
uma fatia substancial do dinheiro da aquisição iria para o Tesouro dos EUA.
Mais
recentemente, a Casa Branca endossou uma transação na qual a Oracle e o Walmart
comprariam uma participação minoritária na empresa. Mais sinais de alerta
começaram a disparar depois de a Bloomberg noticiar que o presidente do
conselho de administração e fundador da Oracle, Larry Ellison, doou US$ 250 mil
para um comitê político do senador americano Lindsey Graham, da Carolina do
Sul, um dos aliados políticos mais leais de Trump, no “mesmo dia que a
companhia [de Ellison] anunciou ter sido escolhida como ‘fornecedora
tecnológica de confiança’ da TikTok nos EUA”.
Naturalmente,
não há nenhuma lei dizendo que os recursos de uma venda privada devam ir para o
Tesouro. Como o conselho editorial do “The Washington Post” destacou “o
presidente, na prática, fez uma extorsão, ameaçando com o fechamento e, depois,
deu sua benção a uma transação privada quando ela o satisfez”.
Para
que ninguém considere a TikTok um caso isolado de intervenção presidencial na
economia, é possível citar muitos outros exemplos. Em 2016 e 2017, Trump
pressionou a Ford a cancelar os planos para abrir uma fábrica de carros no
México. A “The Economist” descreveu as ameaças de Trump como “uma desgraça
absoluta”, enquanto o colunista Sebastian Mallaby, do “The Washington Post”,
ressaltou que “o único fio de coerência é que ele quer que o mundo saiba que
ele pode destruir empresas sem mais nem menos”.
Em
2017, Trump gabou-se de ter convencido a FoxConn a investir US$ 10 bilhões em
Wisconsin e a criar centenas de empregos em troca de isenções tributárias.
Esses empregos ainda não se materializaram e, recentemente, a FoxConn anunciou
mudanças nos planos. E, ainda mais recentemente, o presidente apontou a mira
para a Harley-Davidson pela decisão de transferir produção ao exterior em
resposta a sua guerra comercial.
Certa
vez, Trump se apelidou de “o Homem das Tarifas” e, de fato, as tarifas são uma
ferramenta eficaz para ameaçar e recompensar empresas. As tarifas do setor
siderúrgico são um exemplo. Em 2018, quando o governo Trump impôs uma tarifa de
25% sobre o aço importado, também apresentou um programa para que as firmas
isoladamente solicitassem isenções. Como muitos previam, desde então, o governo
favoreceu algumas sobre as outras. Além disso, à medida que expande as tarifas
sobre as importações provenientes da China, o governo Trump vêm escolhendo quem
sai ganhando ou perdendo, ao decidir quais commodities incluir.
Tendo
em vista que a maioria dos americanos está preocupada com a influência do
dinheiro na política, é surpreendente o número de pessoas ainda inconscientes
dos perigos dessas outras formas de corrupção. Historicamente, a economia dos
EUA tem estado entre as mais produtivas do mundo por oferecer um campo de jogo
razoavelmente igual para todos. Sob o governo Trump, porém, o capitalismo
clientelista se enraizou. Agora, precisará ser extirpado. De outra forma, a
economia dos EUA continuará sendo refreada enquanto escroques e trapaceiros
enchem os bolsos. (Tradução
de Sabino Ahumada).
*Anne O. Krueger é ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-primeira diretora gerente adjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), é professora sênior de pesquisas de economia internacional na Escola de Estudos Internacionais Avançados, da Universidade John Hopkins, e pesquisadora sênior do Centro de Desenvolvimento Internacional, da Universidade de Stanford.
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