sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Anne Krueger* - O capitalismo de compadrio de Trump

- Valor Econômico

Sob o governo de Donald Trump, porém, o capitalismo clientelista se enraizou. Agora, precisará ser extirpado. De outra forma, a economia dos Estados Unidos continuará sendo refreada enquanto escroques e trapaceiros enchem os bolsos

Levou quatro anos, mas a elisão fiscal e o grande endividamento do presidente Donald Trump, enfim, vêm sendo expostos, assim como seus muitos casos de atuação em benefício próprio e seus esforços para beneficiar seus compadres. No governo Trump, os Estados Unidos começaram a exemplificar o capitalismo de compadrio, no qual líderes políticos dão benefícios e proteção a empresas em troca de favores econômicos e aceitação política.

Nesse tipo de arranjo, normalmente associado a Estados pós-comunistas e pós-coloniais, os “compadres” são os “amigos” que apoiam e financiam governantes autocráticos. Em troca de contribuições de campanha e outros recursos, eles ganham posições monopolistas, isenções tributárias especiais, proteção contra importações concorrentes e isenções de tarifas que não são replicadas para seus rivais. O termo “capitalismo” passa a ser usado de forma imprópria: embora a atividade econômica seja realizada pelo setor privado, a lucratividade depende das recompensas e penalidades definidas pelos governantes políticos, não pela eficiência econômica ou pela satisfação dos clientes.

Um ótimo exemplo contemporâneo do capitalismo de compadrio pode ser encontrado na Rússia, sob o comando do presidente Vladimir Putin, onde toda a economia opera como um sistema de apoio mútuo para oligarcas ricos e o Kremlin. Há muitos outros países que caem no espectro do capitalismo clientelista e todos podem ser diferenciados das economias onde a competição, os direitos à propriedade privada e a igualdade nas regras de jogo tendem a trazer melhoras constantes nos padrões de vida e no crescimento econômico.

A “igualdade nas regras de jogo” - quando todos os atores econômicos recebem tratamento igual perante a Justiça - é precisamente do que carecem os países com capitalismo clientelista. Quando um modelo de negócios bem-sucedido precisa subornar autoridades governamentais, o desempenho econômico geral inevitavelmente se deteriora, mesmo quando a lucratividade aumenta. Em particular, nos países ricos em recursos naturais há amplas oportunidades para desviar riquezas por meio de arranjos de capitalismo de compadrio..

Com Trump, o capitalismo de compadrio se espalhou rapidamente pelos EUA. O exemplo mais recente é o envolvimento pessoal direto de Trump em ações reguladoras contra a empresa chinesa de mídia social on-line TikTok. Depois de pedir inicialmente uma análise de segurança nacional das operações da empresa nos EUA, ele declarou que iria bani-la do país a menos que uma empresa americana a comprasse. Durante várias semanas deste verão americano, Trump deu a impressão de estar apoiando a oferta da Microsoft para comprar a empresa, sustentando que uma fatia substancial do dinheiro da aquisição iria para o Tesouro dos EUA.

Mais recentemente, a Casa Branca endossou uma transação na qual a Oracle e o Walmart comprariam uma participação minoritária na empresa. Mais sinais de alerta começaram a disparar depois de a Bloomberg noticiar que o presidente do conselho de administração e fundador da Oracle, Larry Ellison, doou US$ 250 mil para um comitê político do senador americano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, um dos aliados políticos mais leais de Trump, no “mesmo dia que a companhia [de Ellison] anunciou ter sido escolhida como ‘fornecedora tecnológica de confiança’ da TikTok nos EUA”.

Naturalmente, não há nenhuma lei dizendo que os recursos de uma venda privada devam ir para o Tesouro. Como o conselho editorial do “The Washington Post” destacou “o presidente, na prática, fez uma extorsão, ameaçando com o fechamento e, depois, deu sua benção a uma transação privada quando ela o satisfez”.

Para que ninguém considere a TikTok um caso isolado de intervenção presidencial na economia, é possível citar muitos outros exemplos. Em 2016 e 2017, Trump pressionou a Ford a cancelar os planos para abrir uma fábrica de carros no México. A “The Economist” descreveu as ameaças de Trump como “uma desgraça absoluta”, enquanto o colunista Sebastian Mallaby, do “The Washington Post”, ressaltou que “o único fio de coerência é que ele quer que o mundo saiba que ele pode destruir empresas sem mais nem menos”.

Em 2017, Trump gabou-se de ter convencido a FoxConn a investir US$ 10 bilhões em Wisconsin e a criar centenas de empregos em troca de isenções tributárias. Esses empregos ainda não se materializaram e, recentemente, a FoxConn anunciou mudanças nos planos. E, ainda mais recentemente, o presidente apontou a mira para a Harley-Davidson pela decisão de transferir produção ao exterior em resposta a sua guerra comercial.

Certa vez, Trump se apelidou de “o Homem das Tarifas” e, de fato, as tarifas são uma ferramenta eficaz para ameaçar e recompensar empresas. As tarifas do setor siderúrgico são um exemplo. Em 2018, quando o governo Trump impôs uma tarifa de 25% sobre o aço importado, também apresentou um programa para que as firmas isoladamente solicitassem isenções. Como muitos previam, desde então, o governo favoreceu algumas sobre as outras. Além disso, à medida que expande as tarifas sobre as importações provenientes da China, o governo Trump vêm escolhendo quem sai ganhando ou perdendo, ao decidir quais commodities incluir.

Tendo em vista que a maioria dos americanos está preocupada com a influência do dinheiro na política, é surpreendente o número de pessoas ainda inconscientes dos perigos dessas outras formas de corrupção. Historicamente, a economia dos EUA tem estado entre as mais produtivas do mundo por oferecer um campo de jogo razoavelmente igual para todos. Sob o governo Trump, porém, o capitalismo clientelista se enraizou. Agora, precisará ser extirpado. De outra forma, a economia dos EUA continuará sendo refreada enquanto escroques e trapaceiros enchem os bolsos. (Tradução de Sabino Ahumada).

*Anne O. Krueger é ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-primeira diretora gerente adjunta do Fundo Monetário Internacional (FMI), é professora sênior de pesquisas de economia internacional na Escola de Estudos Internacionais Avançados, da Universidade John Hopkins, e pesquisadora sênior do Centro de Desenvolvimento Internacional, da Universidade de Stanford.

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