Assunto
constitucional não é interna corporis, é assunto constitucional. Pode-se
alterar a Constituição, mas não descumpri-la. Esse é o ponto que está em
questão no esforço dos presidentes do Senado e da Câmara de permanecer no
cargo. Eles torcem para que o ministro Gilmar Mendes decida que a reeleição
seja uma questão interna. O problema é que se a liminar do ministro disser
apenas isso há o risco de se criar o seguinte e perigoso precedente: mudar o
regimento interno para alterar-se a Constituição.
O
STF será usado para a realização de ambições pessoais, mais explícitas no caso
do senador Davi Alcolumbre, de permanecer onde está. Alcolumbre tem feito tudo,
até calar-se diante do abjeto escândalo das cuecas e preparar o forno de pizza
para assim ficar bem com todo mundo.
A
análise de parlamentares e de um ministro do Supremo ouvidos pela coluna é a de
que o relator pode dizer que é interna corporis e isso será interpretado como
licença para apenas alterar o regimento interno das Casas.
—
Questão constitucional nunca será um problema interna corporis — alerta um
ministro do STF.
—
A Constituição é claríssima, não cabe interpretação, não é possível a
reeleição. Vão pegar o termo em latim que provavelmente estará na liminar para
de forma apressada fazer o rito de alteração do regimento interno. Mas se o ato
interno é regido pela Constituição esse não pode ser o caminho. Se o
constituinte achou por bem normatizar, só por emenda pode ser alterada —
explicou um parlamentar.
O
Congresso tem dado nos últimos tempos um show de subserviência, pelas mais
variadas razões e interesses. Ao fazer isso, deixa de cumprir seu papel com a
independência prevista na Constituição. Na sabatina do agora ministro Kassio
Nunes, quase todos fugiram ao seu papel. A sabatina não é um ato de louvação,
mas sim uma forma de permitir que o país conheça quem tomará decisões que
influenciarão nossas vidas nos próximos anos e décadas. O advogado Kassio Nunes
abriu a fala usando um termo caro aos evangélicos. Falou que sentiu essa
nomeação como um “chamado”. Disse que é católico e citou a bíblia e o rezar de
mãos postas. Há ministros no Supremo extremamente religiosos que não usaram o
nome de Deus para dissolver resistências. Isso não é argumento num estado
laico. Ensaboado, escorregou de várias questões, mas, a não ser raras e
valiosas exceções, não foi sabatinado. Foi bajulado.
Esta
semana passaram sem contestação no Senado os nomes de três militares para a
Autoridade Nacional de Proteção dos Dados. Isso não faz sentido. Teriam que ser
nomes técnicos com conhecimento suficiente e vida profissional dedicada à
questão em si. Os militares não podem ser vetados por serem militares, mas não
devem ter maioria nessa agência.
O
Congresso aceitou todas as pressões do Planalto para adiar a análise dos vetos
presidenciais para que o governo consiga arregimentar mais apoios. Um desses
vetos é aguardado por inúmeras empresas para fazerem seu planejamento de 2021.
Recentemente,
o relator do Orçamento, ao sair do Ministério da Economia, disse que só
terminaria seu trabalho quando o ministro Paulo Guedes concordasse com tudo.
Ele estava tentando criar um programa social que o governo não consegue, mas
agia como se fosse do Executivo. O Orçamento passa pelo Congresso para que seja
analisado, alterado, confirmado ou acrescido dentro das regras fiscais, mas a
relatoria não é o ato de buscar carimbos no Ministério da Economia. O senador
bolsonarista Marcio Bittar foi escolhido a dedo para seguir ordens. Ele
inaugurou seu mandato no Senado assinando junto com o senador Flávio Bolsonaro
uma proposta do fim do mundo: queria acabar com toda a reserva legal da
Amazônia. Ou seja, pôr a floresta abaixo. Essa delirante proposta acabou
arquivada mas só a assinaria quem estivesse disposto a tudo para agradar o
governo.
Os
poderes são harmônicos, mas independentes. Quando um se submete ao outro está
traindo seu papel institucional. As negociações, os acordos, a harmonia devem
existir, mas não para encobrir malfeitos de parlamentares, blindar a família do
presidente, atender aos interesses continuístas. O Congresso está escolhendo
ser a casa do “sim, senhor” para um presidente que tem demonstrado não entender
quais são os limites do poder da presidência numa democracia. Isso torna tudo
mais perigoso.
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