sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Claudia Safatle - O mercado de trabalho e o temor da crise fiscal

- Valor Econômico

Qualquer ação do governo só virá depois das eleições

Assessores do Ministério da Economia têm conversado com o ministro Paulo Guedes sobre a necessidade de o governo dar sinais claros do que pretende fazer para estimular o mercado de trabalho em 2021. Em dezembro termina o pagamento do auxílio emergencial para 66 milhões de brasileiros. O impacto, sobre a atividade, do fim da transferência desses recursos, com custo mensal próximo a R$ 50 bilhões, não será trivial e tem o poder, inclusive, de frear a retomada da economia.

Das conversas, em princípio, ficou a intenção de Guedes divulgar sua estratégia, diagnóstico e objetivos para o ano que vem tão logo se saiba o resultado das urnas em novembro.

 “Temos que bater com o gato morto na cara da sociedade e da classe política”, disse uma fonte oficial. “Não é preciso ser adivinho para saber que estamos tendo uma crise no mercado de trabalho e temos que ter uma política para facilitar o processo de acesso ao emprego”, completou, citando a desoneração da folha de salário das empresas e a sua contrapartida, que é a criação do Imposto sobe Transações, “goste ou não a Faria Lima”, afirmou.

A proposta de desoneração da folha tem como base o diagnóstico de que a oferta de emprego é escassa porque ele é caro. Outra ideia que também se fundamenta nesse diagnóstico é a de segmentar os setores mais vulneráveis, sobretudo os jovens. “Essa população excluída precisa de regras simplificadas de contratação destinadas a ela”, disse, listando, também, a criação da Carteira Verde Amarela como uma rampa de acesso ao mercado livre dos principais encargos trabalhistas. “Não vamos mexer com o restante do mercado de trabalho”, assegurou.

Há, ainda, o programa de qualificação com o microcrédito que começou com as “maquininhas” e que, a partir de agora, deve aumentar de escala. E, por fim, completou: “Temos os marcos regulatórios de concessões que trazem investimentos geradores de empregos que hoje estão presos para atender aos interesses do establishment, que sempre se alimentou de obras públicas”.

É importante que Guedes trace o caminho para a retomada da economia com começo, meio e fim, com foco no mercado de trabalho que é, hoje, uma das principais raízes da iminente crise fiscal. Essa é uma das grandes incertezas que levam os mercados a exigir, a cada dia, mais prêmios para financiar a rolagem da dívida pública interna

Tem havido, nos últimos meses, uma intensa discussão sobre a criação de um programa de renda básica no pós-pandemia da covid-19, para atender às famílias em condições de pobreza ou de extrema pobreza, em função do fim do auxílio emergencial. Seria uma ampliação do Bolsa Família provavelmente com um novo nome para dar ao governo Bolsonaro uma marca do lado social. O presidente ficou entusiasmado com a popularidade adquirida com a criação do auxílio emergencial e quer repetir a dose com um programa de renda permanente.

Parece claro que o programa atenderia apenas uma fração das 66 milhões de pessoas inscritas no auxílio emergencial, por limitações fiscais. A situação de penúria de recursos se complica ainda mais com a aceleração inflacionária recente que deverá pesar sobre as despesas não obrigatórias do Orçamento do próximo exercício.

“A resolução das expectativas em relação a um eventual programa de transferência de renda para os mais pobres adquire urgência pela incerteza fiscal que a atual ambiguidade pode criar, trazendo o risco do atual impulso de retomada da economia vir a se dissipar por conta dessa incerteza”, conforme chamou a atenção o relatório da semana passada do banco Safra.

“Com a proximidade do fim do auxilio emergencial, cuja última parcela será paga em dezembro deste ano, a confiança do consumidor e o apetite dos investidores poderão ser negativamente afetados, até pelo pouco tempo que será deixado para o governo e o Congresso votarem o Orçamento de 2021”, assinalou o relatório.

O tamanho do auxílio emergencial - que começou com três parcelas de R$ 600 que foram prorrogadas por mais dois meses e depois, reduzido para R$ 300 nos três últimos meses do ano - teve papel crucial na expansão da demanda doméstica no terceiro trimestre do ano, com impacto notável sobre a capacidade de enfrentamento da população à pandemia e sobre a atividade econômica, que deve encerrar o execício com uma recessão menor do que a originalmente esperada. Algo em torno de -5%, segundo o boletim Focus, do Banco Central, desta semana, face à projeção de -9,1% feitas no auge da pandemia pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI reviu seus prognósticos para uma recessão, no Brasil, em torno de 5,8%.

Para ter uma ideia da dimensão e amplitude do auxílio emergencial cujo gasto mensal está em torno de R$ 50 bilhões, o Bolsa Família custa por mês R$ 2,5 bilhões.

O projeto de lei do Orçamento para 2021 tem um espaço para aumento de 18,2% do Bolsa Família, suficiente para elevar o número de famílias assistidas dos atuais 14,2 milhões para pouco mais de 16 milhões. Se for pouco, o governo pode pedir um crédito extraordinário no ano que vem para abrigar mais famílias, nos termos do artigo 167 § 3º da Constituição, sugere um economista que deixou o governo recentemente.

No mercado, há a percepção de que a simples retirada do auxílio à partir de janeiro pode não só frear a recuperação da economia mas levar o país a uma segunda recessão. Razão pela qual há grande expectativa de um posicionamento da área econômica do governo em relação à estratégia que o ministro Paulo Guedes pretende imprimir para o enfrentamento da crise no mercado de trabalho privado e, por que não, para uma revisão dos benefícios do mercado de trabalho do setor público.

A questão do emprego está na gênese de uma temida crise fiscal, que se traduziria na dificuldade do Tesouro Nacional de honrar seus compromissos. É hora de o governo acalmar os mercados.

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