A
entropia do sistema político elegeu Jair Bolsonaro. Ainda que um reacionarismo
nada subterrâneo se manifestasse transversalmente na sociedade brasileira, este
se mantinha mais ou menos à margem como força (des)organizadora do sistema. Os
agentes da desordem eram neutralizados pelos da ordem.
No
dia em que se estudar o sistema político a sério, o Brasil descobrirá razões
para, por exemplo, lamentar o esfacelamento
do núcleo duro do MDB. O partido atraía e digeria o monstro, hoje autônomo.
O surto de moralismo barato, que investia e ainda investe na destruição de
garantias legais, liberou as forças do caos. E, como já refletiu a filósofa,
“depois que a pasta de dente sai do dentifrício, ela dificilmente volta para
dentro do dentifrício”.
Bolsonaro
virou o beneficiário e o monopolista desse caos. Pode não agir em nome de uma
teoria do poder, mas se expande na ausência
de uma força organizada que lhe faça oposição. Seria incapaz de
redigir uma redação do Enem explicando o seu pensamento, mas intui que sua
primeira tarefa é esmagar os adversários que estão em seu próprio campo
ideológico.
A
personalidade tirânica, e é o caso, não admite contestação em seu próprio
terreno —e nisso ele não inova. Todos os beneficiários de movimentos
disruptivos, ainda que pela via eleitoral, como ocorre, procuram eliminar
primeiro os parceiros de trajetória. Construída a lenda pessoal, então pode
se ocupar de alvejar os verdadeiros inimigos ideológicos, se é que Bolsonaro
sabe quais são.
Suas
formulações são tão primitivas e desinformadas que até seu extremismo de
direita não passa de um vomitório para indignar adversários e manter unida a
tropa. Observem que ele chega a inventar um passado de combatente contra a
inexistente guerrilha do Vale do Ribeira. Quando aconteceram por lá não mais do
que duas escaramuças, tinha 15 anos.
Quando
o establishment político, intelectual e jornalístico admite que possa haver em
direito outra corrente que não a garantista —entendida esta como o cumprimento
da letra da lei, com suas... garantia!—, então é preciso admitir que estamos
vivendo, sim, uma nova era.
Que
força relevante fazia a defesa da democracia naquele ancestral
1964, que resultou em golpe? A resposta, como é sabido, é esta: nenhuma.
Não vivemos as vésperas de um rompimento institucional, mas há o risco de
esgarçamento do Estado democrático e de Direito. Sem estrondo. Quem se atreve a
falar em defesa das forças da ordem?
É
evidente que Bolsonaro sabia das negociações
empreendidas pelo seu soldado raso, o general Eduardo Pazuello, com o
Instituto Butantan — e isso significa que também as Forças Armadas foram
tragadas pelo movimento entrópico, viciadas que estão numa boquinha.
Nem
tanto por cálculo, mas em razão da pressão da expedição interventora dos EUA
que veio ao Brasil para buscar um aliado na guerra
comercial contra a China, o presidente desautorizou o seu ministro da
Saúde; atacou um adversário do seu campo ideológico; pôs em dúvida a qualidade
de uma vacina sem ter elementos para isso; ameaçou, de forma velada, negar o
registro à Coronavac e correu para colher os louros junto a seus lunáticos.
O
que resta do antigo establishment político e intelectual, inclusive a imprensa,
se queda paralisado, estatelado, mal acreditando no que ouve e vê. E o homem
pode muito mais porque ele e o vácuo se contemplam. Bem-aventurados os que
tentam resgatar o país dos escombros da legalidade. É nossa única saída.
“Kassio
foi indicado por Bolsonaro, Reinaldo!” E daí? Edson
Fachin foi indicado por Dilma.
Lembrando são Mateus, pelo fruto saberemos se é videira ou espinheiro. A ordem legal —com todas as mobilizações sociais cabíveis, claro!— é nossa única vacina contra as forças do caos.
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