terça-feira, 24 de novembro de 2020

Pedro Cafardo - O alarido ortodoxo não combina com recessão

- Valor Econômico

Lição de Galbraith sobre anos 1930 deve ser levada em conta

Há luz no fim do túnel é a boa mensagem desse período eleitoral nos EUA e no Brasil, apesar dos efeitos da interminável e inclemente pandemia, agora entrando na segunda onda, mas com a esperança da vacina. A luz vem das urnas, onde ficou claro o desencanto, tanto lá quanto cá, com propostas ultradireitistas, volta e meia fascistas, que assustam o mundo desde 2016.

Aqui, candidatos que associaram sua campanha a Jair Bolsonaro não despertaram nenhum entusiasmo, um sinal de que o país está voltando a valorizar o bom senso. Ao todo, 76 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador concorreram usando o sobrenome “Bolsonaro” em todo o país. Só um foi eleito, Carlos, o filho do presidente, vereador no Rio, segundo levantamento da BBC News Brasil.

Lá nos EUA, Joe Biden vai expulsar da Casa Branca, no dia 20 de janeiro, o homem que mais espalhou insegurança e sobressaltos à economia mundial no século XXI. Mesmo com a previsão da manutenção de políticas nacionalistas, voltarão as relações civilizadas com Europa e China, pelo que o comércio mundial agradece.

É penoso demonstrar algum otimismo com o futuro imediato do Brasil, principalmente em meio a uma crise tão grave. Leitores mandam críticas ferozes, muitos confundindo essa opinião com apoio ao governo. Mas o fato é que, mesmo com a persistente pandemia e com o governo que temos, é possível pensar em tirar o país da depressão e do desalento.

Mas como? Cai aqui como uma luva um trecho da magistral obra de John Kenneth Galbraith (1908-2006), “A Era de Incerteza”, escrita a partir de uma série de televisão feita pelo economista américo-canadense para a BBC de Londres nos anos 1970.

Conta Galbraith que, em 1937, a recuperação da Grande Depressão vinha “morosamente a caminho”, estimulada pelos gastos públicos para criar empregos. “A produção e os preços subiam, embora o desemprego ainda fosse apavorante. Mas os ‘homens da sensatez’ [fiscalistas] já impunham seu valor. Começavam a agir no sentido de diminuir as despesas, aumentar os impostos e equilibrar o orçamento federal. Os poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram abafadas no alarido do aplauso ortodoxo. À medida que o orçamento caminhava para o equilíbrio, a recuperação dava uma parada. Houve então um novo e horrível colapso, uma retração dentro da depressão.”

A lição heterodoxa deixada pelo professor Galbraith sobre a depressão dos anos 1930 deve ser levada em conta neste momento. Ele escreveu que, em 1931, os juros estavam bastante baixos e os bancos podiam captar recursos a 1,5% ao ano, taxa nada usual na época. O Fed também adquiria obrigações do governo em grande escala e os bancos ficaram “bem supridos” de fundos para empréstimos. Os clientes poderiam tomar financiamentos e a recuperação econômica seria imediata. “Aí se deu uma descoberta terrível”, concluiu Galbraith. Os clientes se recusavam a aparecer, porque não achavam que poderiam usar o dinheiro emprestado para “ganhar dinheiro”, mesmo com os juros muito baixos. Essa era a situação real da depressão: o dinheiro se acumulava nos bancos, havia bilhões que podiam ser emprestados, mas não interessavam a ninguém.

Aumentar a disponibilidade de recursos não basta em momentos de crise como a atual. Essa é uma das lições citadas por Galbraith. À medida que o capital é gerado, os agentes econômicos (pessoas e empresas), apavorados, simplesmente se agarram a ele. No terceiro trimestre deste ano, por exemplo, havia no caixa de 360 empresas de capital aberto brasileiras quase meio trilhão de reais, segundo publicou “O Estado de S. Paulo”.

A solução do economista Irving Fisher (1867-1947), usada com sucesso nos anos 1930, foi a seguinte: “Não basta o governo criar dinheiro e oferecer recursos; precisa também assegurar sua aplicação, gastando”. Não é o que os “homens da sensatez” recomendam neste momento brasileiro. O terrorismo fiscal se preocupa com quantidade, sem dar a mínima para qualidade dos gastos.

Talvez seja o caso de emendar o famoso lema que elegeu Barack Obama em 2008, nos EUA, e dizer: O alarido é ortodoxo, mas mesmo assim, “nós podemos” tirar o Brasil desta encrenca.

Isolamento global

Mudando de assunto, mas nem tanto, porque as boas relações internacionais são fundamentais para que haja esperança de retomada do crescimento, é um desastre que o Brasil continue a aprofundar seu isolamento global.

Na semana passada, Bolsonaro chamou para a briga a União Europeia, ao atribuir indiretamente a países (depois se corrigiu e falou em empresas) da região responsabilidade pela exploração ilegal de madeira da Amazônia. Os europeus não são “santos”. Passa muito contrabando por lá, mas a responsabilidade primeira pela saída de produtos ilegais do país é brasileira. Além disso, a acusação de Bolsonaro pode ser mesmo um tiro no pé. Tende a reforçar o argumento de que a Europa precisa restringir a entrada de commodities como carne, laticínios, soja, cacau e borracha, produtos importantes na pauta de exportações brasileiras.

A relação entre Brasil e França já degringolou até para baixarias cujos termos nem é bom lembrar. Alemanha e Noruega suspenderam doações bilionárias para o Fundo Amazônia.

O atrito com os europeus pode agora se estender para os EUA. Com a eleição de Joe Biden, o governo Bolsonaro perdeu seu “best friend” no primeiro mundo, Donald Trump, e está praticamente sem amigos importantes no exterior.

Na América do Sul, a principal parceira, a Argentina, saiu da relação de amigos porque Bolsonaro não gostou da eleição de Alberto Fernández, um político de esquerda. Na Ásia, o entendimento com a China, o maior parceiro comercial do país, está claudicante. A China é comunista e Bolsonaro odeia comunistas, mesmo quando eles são o sustentáculo de nosso agronegócio e importam US$ 80 bilhões por ano do Brasil.

Dale Carnegie (1888-1955), o célebre escritor e orador americano, diria certamente que o governo brasileiro adota a forma mais inapropriada de fazer amigos e influenciar pessoas, o ódio.

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