Lição
de Galbraith sobre anos 1930 deve ser levada em conta
Há
luz no fim do túnel é a boa mensagem desse período eleitoral nos EUA e no
Brasil, apesar dos efeitos da interminável e inclemente pandemia, agora
entrando na segunda onda, mas com a esperança da vacina. A luz vem das urnas,
onde ficou claro o desencanto, tanto lá quanto cá, com propostas
ultradireitistas, volta e meia fascistas, que assustam o mundo desde 2016.
Aqui,
candidatos que associaram sua campanha a Jair Bolsonaro não despertaram nenhum
entusiasmo, um sinal de que o país está voltando a valorizar o bom senso. Ao
todo, 76 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador concorreram usando o
sobrenome “Bolsonaro” em todo o país. Só um foi eleito, Carlos, o filho do
presidente, vereador no Rio, segundo levantamento da BBC News Brasil.
Lá
nos EUA, Joe Biden vai expulsar da Casa Branca, no dia 20 de janeiro, o homem
que mais espalhou insegurança e sobressaltos à economia mundial no século XXI.
Mesmo com a previsão da manutenção de políticas nacionalistas, voltarão as
relações civilizadas com Europa e China, pelo que o comércio mundial agradece.
É
penoso demonstrar algum otimismo com o futuro imediato do Brasil,
principalmente em meio a uma crise tão grave. Leitores mandam críticas ferozes,
muitos confundindo essa opinião com apoio ao governo. Mas o fato é que, mesmo
com a persistente pandemia e com o governo que temos, é possível pensar em
tirar o país da depressão e do desalento.
Mas
como? Cai aqui como uma luva um trecho da magistral obra de John Kenneth
Galbraith (1908-2006), “A Era de Incerteza”, escrita a partir de uma série de
televisão feita pelo economista américo-canadense para a BBC de Londres nos
anos 1970.
Conta
Galbraith que, em 1937, a recuperação da Grande Depressão vinha “morosamente a
caminho”, estimulada pelos gastos públicos para criar empregos. “A produção e
os preços subiam, embora o desemprego ainda fosse apavorante. Mas os ‘homens da
sensatez’ [fiscalistas] já impunham seu valor. Começavam a agir no sentido de
diminuir as despesas, aumentar os impostos e equilibrar o orçamento federal. Os
poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram abafadas no alarido do
aplauso ortodoxo. À medida que o orçamento caminhava para o equilíbrio, a
recuperação dava uma parada. Houve então um novo e horrível colapso, uma
retração dentro da depressão.”
A
lição heterodoxa deixada pelo professor Galbraith sobre a depressão dos anos
1930 deve ser levada em conta neste momento. Ele escreveu que, em 1931, os
juros estavam bastante baixos e os bancos podiam captar recursos a 1,5% ao ano,
taxa nada usual na época. O Fed também adquiria obrigações do governo em grande
escala e os bancos ficaram “bem supridos” de fundos para empréstimos. Os
clientes poderiam tomar financiamentos e a recuperação econômica seria
imediata. “Aí se deu uma descoberta terrível”, concluiu Galbraith. Os clientes
se recusavam a aparecer, porque não achavam que poderiam usar o dinheiro
emprestado para “ganhar dinheiro”, mesmo com os juros muito baixos. Essa era a
situação real da depressão: o dinheiro se acumulava nos bancos, havia bilhões
que podiam ser emprestados, mas não interessavam a ninguém.
Aumentar
a disponibilidade de recursos não basta em momentos de crise como a atual. Essa
é uma das lições citadas por Galbraith. À medida que o capital é gerado, os
agentes econômicos (pessoas e empresas), apavorados, simplesmente se agarram a
ele. No terceiro trimestre deste ano, por exemplo, havia no caixa de 360
empresas de capital aberto brasileiras quase meio trilhão de reais, segundo
publicou “O Estado de S. Paulo”.
A
solução do economista Irving Fisher (1867-1947), usada com sucesso nos anos
1930, foi a seguinte: “Não basta o governo criar dinheiro e oferecer recursos;
precisa também assegurar sua aplicação, gastando”. Não é o que os “homens da
sensatez” recomendam neste momento brasileiro. O terrorismo fiscal se preocupa
com quantidade, sem dar a mínima para qualidade dos gastos.
Talvez
seja o caso de emendar o famoso lema que elegeu Barack Obama em 2008, nos EUA,
e dizer: O alarido é ortodoxo, mas mesmo assim, “nós podemos” tirar o Brasil
desta encrenca.
Isolamento
global
Mudando
de assunto, mas nem tanto, porque as boas relações internacionais são
fundamentais para que haja esperança de retomada do crescimento, é um desastre
que o Brasil continue a aprofundar seu isolamento global.
Na
semana passada, Bolsonaro chamou para a briga a União Europeia, ao atribuir
indiretamente a países (depois se corrigiu e falou em empresas) da região
responsabilidade pela exploração ilegal de madeira da Amazônia. Os europeus não
são “santos”. Passa muito contrabando por lá, mas a responsabilidade primeira
pela saída de produtos ilegais do país é brasileira. Além disso, a acusação de
Bolsonaro pode ser mesmo um tiro no pé. Tende a reforçar o argumento de que a
Europa precisa restringir a entrada de commodities como carne, laticínios,
soja, cacau e borracha, produtos importantes na pauta de exportações
brasileiras.
A
relação entre Brasil e França já degringolou até para baixarias cujos termos
nem é bom lembrar. Alemanha e Noruega suspenderam doações bilionárias para o
Fundo Amazônia.
O
atrito com os europeus pode agora se estender para os EUA. Com a eleição de Joe
Biden, o governo Bolsonaro perdeu seu “best friend” no primeiro mundo, Donald
Trump, e está praticamente sem amigos importantes no exterior.
Na
América do Sul, a principal parceira, a Argentina, saiu da relação de amigos
porque Bolsonaro não gostou da eleição de Alberto Fernández, um político de
esquerda. Na Ásia, o entendimento com a China, o maior parceiro comercial do
país, está claudicante. A China é comunista e Bolsonaro odeia comunistas, mesmo
quando eles são o sustentáculo de nosso agronegócio e importam US$ 80 bilhões
por ano do Brasil.
Dale Carnegie (1888-1955), o célebre escritor e orador americano, diria certamente que o governo brasileiro adota a forma mais inapropriada de fazer amigos e influenciar pessoas, o ódio.
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