A
estratégia mais velha do racismo brasileiro sempre foi negar a própria
existência. Fica mais difícil combater um inimigo que se camufla. Por isso, as
atitudes do presidente e do vice-presidente do Brasil na morte de João Alberto
são tão lesivas, porque elas fortalecem a maneira como o racismo sempre
prevaleceu no país. O caso revela também um defeito do mundo corporativo que é
a inclusão em seus índices de qualidade, de sustentabilidade e diversidade, de
empresas sem qualquer compromisso com os valores que aqueles indicadores
representam. Engana-se assim o distinto público.
O
Carrefour só agora foi expulso da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial
e, apesar de não fazer parte do índice de sustentabilidade da B3, estava em
outro indicador internacional, em parceria com a bolsa americana S&P, o
Brazil ESG Index. Agora, terá a participação revista. A pergunta é o que a rede
de supermercados, que já tem tantos antecedentes, fazia nesses indicadores. A
B3 tirou a Vale do índice de sustentabilidade apenas depois do desastre de
Brumadinho. Esses selos de qualidade acabam servindo para enganar.
Os indicadores corporativos atraem investidores e consumidores. O problema é a mistura entre empresas realmente comprometidas com o enfrentamento das desigualdades sociais, raciais, e com a defesa do meio ambiente, com empresas que usam esses índices e iniciativas apenas como maquiagem.
A desculpa do Carrefour de que o crime foi praticado por uma terceirizada não a exime. Toda empresa faz exigências na contratação de seus fornecedores e é responsável por eles já que a atuação se dá no ambiente de trabalho. Até por uma preocupação reputacional as empresas teriam que impor código de conduta às empresas fornecedoras. O que se viu naquela cena revoltante foi um conluio entre o supermercado e a firma terceirizada para o uso da violência contra um cliente. Nada há que diminua a culpa do Carrefour e tudo isso coloca em dúvida os critérios dos indicadores de responsabilidade corporativa. Existem para informar ou para enganar?
Quanto
à dupla Bolsonaro e Mourão, ninguém ficou surpreso com essa reação, porque essa
é a estratégia mais usada para a perpetuação do racismo. No governo militar
chegou-se ao absurdo da eliminação da pergunta cor e raça no questionário do
Censo de 1970, deixando uma cicatriz nas estatísticas. A invisibilidade do
problema que atravessa a sociedade brasileira é a forma de dar sobrevida a ele.
As
declarações de Bolsonaro e Mourão, mesmo previsíveis, não deixam de ser
revoltantes. Elas agridem os negros e ofendem a realidade. Os pretos e pardos
brasileiros têm os piores indicadores sociais, enfrentam as barreiras do
preconceito onde quer que tentam entrar, são atacados por injúrias raciais que vão
minando a autoconfiança e são os alvos mais frequentes da violência policial.
Segundo os dados do último Atlas da Violência, um jovem negro tem 2,7 vezes
mais risco de morrer vítima da violência do que um jovem branco. Antes de ser
eleito, Bolsonaro referiu-se a moradores de quilombo usando uma medida de peso
que se usa com animais e afirmou que nem para “reprodutor” eles serviam. Já
Mourão disse que o brasileiro tem a indolência do indígena e a malandragem do
negro. Mais racistas não poderiam ter sido.
São
tantos, tão diários, tão frequentes e visíveis os atos de discriminação a que
pretos e pardos estão expostos no Brasil que o presidente e o vice-presidente
só conseguiram demonstrar que o governo vive divorciado do país. Governam de
costas e agarrados a velhas desculpas esfarrapadas.
O
racismo tem uma coleção de sofismas para continuar existindo no Brasil e
fazendo seu trabalho de dividir os brasileiros pela cor da pele dando mais
oportunidades aos brancos e mais riscos aos pretos. Um desses é que o Brasil é
miscigenado e por isso não tem discriminação. É mesmo, o que torna ainda mais
absurdo o preconceito. Outro é de que nos Estados Unidos houve segregação e
aqui não. O Brasil criou um conjunto tão grande de barreiras que segregou os
negros mesmo sem ter uma lei.
Não
entender o racismo brasileiro é não entender o Brasil, é aliar-se ao que houve
de pior na nossa história para que as desigualdades permaneçam. Há muito tempo
tenho exposto neste espaço a minha profunda convicção de que lutar contra o
racismo é tarefa de cada um de nós, brancos e negros. É uma luta em favor do
Brasil e que tornará o país economicamente mais próspero, e com uma democracia
mais sólida.
Não entender o racismo é não entender o Brasil, é aliar-se ao que houve de pior na nossa história para que desigualdades permaneçam
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