Apesar
da pandemia, o mercado de capitais reagiu e chega ao fim de 2020 acumulando
números muito positivos
Em
um ano tão turbulento e tão difícil, era de se esperar que o mercado de
capitais tivesse, na melhor das hipóteses, andado de lado. Não foi assim o ano
todo. Esse mercado viveu, até antes da abrupta interrupção da atividade
econômica pela pandemia, um período de notável expansão. Mas sofreu, em março e
abril deste ano, o baque que todos nós sofremos, se retraindo como reação à
esperada recessão econômica, ao aumento da volatilidade e da aversão ao risco
como no resto do mundo. Mas reagiu e chega ao fim de 2020 acumulando números
muito positivos.
Somos
mais de 3 milhões de investidores individuais em renda variável na B3, nossa Bolsa de Valores. Após a paralisia dos primeiros
meses, que interrompeu a tendência crescente de emissões que vinha ainda de
2019, vimos os números de operações de abertura de capital baterem recordes,
com 18 novas estreias na B3 (mais do triplo do que vimos em todo 2019) e R$ 22
bilhões em ofertas públicas individuais (IPOs), o que equivale a mais do que o
dobro dos R$ 10 milhões observados no ano passado. Somem-se a essas, as ofertas
subsequentes (follow-ons) – quando a empresa volta ao mercado para ofertar mais
ações – que aconteceram a partir de agosto e chegamos a R$ 78 bilhões em
operações até setembro de 2020, equivalente a 87% do total registrado no ano de
2019.
No
mercado de renda fixa não foi diferente. Devemos fechar o ano com uma
participação recorde dos instrumentos de financiamento privado na matriz de
financiamento de longo prazo das empresas. Aqui o crédito bancário público
(majoritariamente BNDES, com volumes generosos e juros subsidiados) chegou a
representar 48% de toda a carteira de crédito de longo prazo das empresas
no Brasil. Ao final do primeiro trimestre de 2020 esse número
representava 36%. Uma queda expressiva cuja tendência deverá se manter,
devolvendo ao mercado de capitais a posição que ele deveria sempre
ocupar.
Se
olharmos outra métrica, a dos volumes de emissões mobiliárias públicas em
comparação com emissões no mercado de capitais, o movimento de expansão se
mostra igualmente consistente e vem de mais longe. Enquanto em 2016 as emissões
privadas representavam apenas 18% do que foi emitido pela União,
ao fim de 2019, elas chegaram a representar 58%. Este ano, a vida foi mais
dura, ainda assim, o número se manteve em 38%, consolidando a tendência de
maior representatividade do mercado privado.
Ou
seja, apesar da pandemia e dos seus consequentes reflexos sobre a atividade
econômica no mundo e no Brasil, o mercado de capitais local seguiu uma lógica
própria em 2020. o contexto adverso afetou a trajetória de expansão que se
desenhava forte em 2019, mas não interrompeu a tendência de ampliação que
acompanha um ambiente que se beneficia de uma combinação de taxa de juros
baixas, melhoras regulatórias e importantes correções de distorções que se
acumulavam e limitavam o seu crescimento.
Mas
há uma agenda a ser perseguida para que possamos consolidar de forma definitiva
essa tendência positiva que, sabemos, deverá enfrentar as dificuldades de um
país com grandes incertezas fiscais e enormes desafios estruturais. E essa é
uma agenda fácil, se comparada com as grandes reformas necessárias em outros
campos. Nesse contexto vale chamar a atenção para um conjunto de propostas que
vem sendo discutidas desde 2018 pela Associação
Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em
conjunto com a B3. O objetivo aqui é garantir continuidade ao processo de
aprofundamento e desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.
A
agenda Anbima/B3, cuja atualização acaba de ser apresentada, traz os quatro
desafios que deverão nortear o fomento e o desenvolvimento do mercado de
capitais nos próximos anos: i) a diversificação da base de investidores; ii) a
ampliação da base de emissores; iii) o impulsionamento do mercado secundário de
renda fixa; e iv) o fomento à negociação de títulos de dívida privada, a
chamada securitização que hoje se vê concentrada nos setores imobiliário e
agrícola. Temos ali um conjunto de contribuições que farão parte das discussões
com governo, reguladores e legislativo e deverão nortear os avanços que se
somarão ao que vimos observando recentemente.
Seguindo
a definição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o mercado de capitais,
juntamente com os mercados de crédito primário, de câmbio e o monetário, formam
o que conhecemos como mercado financeiro. Neste, é o mercado de capitais aquele
que exerce a função de viabilizar recursos de longo prazo para empresas,
canalizando a poupança dos investidores para instrumentos privados de captação
de recursos, ou seja, dando liquidez a títulos que são emitidos por empresas
para viabilizar seus projetos de investimento e a expansão dos seus negócios.
Logo,
é fundamental lembrar que quando falamos de crescimento e mais ainda de
desenvolvimento econômico, o mercado de capitais emerge como protagonista e
precisa, como tal, ser foco de constante evolução. A agenda está colocada e precisa
avançar, apesar ou em função das enormes dificuldades que o Brasil enfrenta e
ainda enfrentará – no curto, médio e longo prazos.
*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman
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