O
governo torce pela segunda onda
O
governo de Jair Bolsonaro é muito ruim, do que deriva um país paralisado,
anestesiado, suscetível a qualquer desvio-isca de atenção, de súbito chocado
com a revelação, surpresa só na terra dos incautos, de que a tal moderação do
vice-presidente — fã do torturador Ustra e para quem não haveria racismo no
Brasil — nunca passou de cálculo político por meio do qual se distinguir do
presidente e seduzir as manchetes.
Mourão,
um descartável, carona de chapa a ser trocado por qualquer Kassab, é a
frustração possível — a falsa — num país que vegeta e que, portanto,
habituou-se a ver um general da ativa como cavalo para que o único ministro da
Saúde possível a Bolsonaro exercesse o cargo: o próprio Bolsonaro.
Para
que não se pense que o misto de submissão e incompetência de Pazuello seja
exceção no forte apache, veja-se o caso do titular da Casa Civil, de loas tão
cantadas por haver liderado uma intervenção federal no Rio de Janeiro cujas
escolhas, por efeitos práticos para segurança, só resultaram em que as milícias
tivessem tranquilidade para se expandir sobre territórios do tráfico
enfraquecido.
Um país paralisado, que só agora descobre que a presença de militares no governo, pelo menos esses que lá estão, uma coleção de ajudantes de ordens de Sílvio Frota, jamais significou qualidade de gestão e compromisso com a democracia. Nada teremos aprendido com o general Villas Bôas e sua tentativa de intimidar o Supremo em 2018.
Este
péssimo governo é eficientíssimo em promover a dilapidação das instituições
republicanas — e que não pensem os do alto-comando que estarão livres as suas
armas.
Um
país paralisado por um governo muito ruim, que envelheceu rapidamente, que vai
cansado antes mesmo da metade, e cuja política econômica, outrora ao menos
voluntarista, nem mais chega a oferecer trombadas — o que pressuporia a
ocorrência de algum movimento. Não há movimento. Só desculpa. Um país
paralisado de todo. Condição em que já estava quando a peste baixou sobre nós.
Ao
contrário da propaganda feiticeira liberal-guedista, que tenta imputar efeitos
retroativos ao vírus, o Brasil já tinha travado quando a pandemia se impôs; daí
por que, findo o estoque de iniciativas herdadas de Temer, até Rogério Marinho
e seus tarcísios,
os que ainda andavam, passaram a inaugurar qualquer meia dúzia de quilômetros
de asfalto. O blá-blá-blá das reformas — que não avançam (desde 2019) porque
projeto não há — sendo apenas a face mais visível de uma administração que vai
perdida; e que tem como símbolo um Ministério da Economia inchado e engessado,
entregue a um marqueteiro, notável palestrante, tão pretensioso quanto
inexperiente em gestão pública, cuja credibilidade erodida se afere nos já
inexpressivos impactos de suas bravatas.
É
mirando o castelo de cera de Guedes, diante do qual o bolinho de areia de Braga
Netto parecerá engenharia de estadista, que se capta o melhor retrato deste
governo; o que tem, à frente da pasta em que se empilharam as maiores
responsabilidades, um poderoso ex-ministro em atividade.
O
governo Bolsonaro é hoje o auxílio emergencial. E só. Um programa de natureza
provisória, que lhe caiu ao colo para se tornar ao mesmo tempo dependência e
constituição; donde pouca dúvida deveria restar sobre a prorrogação da
assistência para além de dezembro. Esta será a agenda, a que garante a
existência do governo, daqui até o final do ano: assegurar a rolagem do auxílio
adiante, até que se desembaracem as eleições na Câmara e no Senado, em seguida
ao que teremos, ao custo do teto de gastos, e com CPMF, o novo Bolsa Família.
Tudo
será mais fácil se houver a segunda onda do vírus entre nós — gatilho para a
extensão do orçamento de guerra. Havendo dinheiro, serão mais dois anos de
campanha eleitoral legitimada pelo combate à pandemia.
O
governo Bolsonaro não tem corpo para a normalidade. É como a segurança
institucional ofertada por general Heleno. Nem projeto nem competência para
executar. Para existir, precisa do ambiente de exceção, gerado artificialmente
pela forja de conflitos e teorias da conspiração, ou imposto por um evento como
a pandemia. Precisa de crises. A peste foi um presente.
A
circulação do vírus, o caráter imprevisível do bicho, sustenta este governo.
Mantém agudas todas as condições para que Bolsonaro, golpista essencial,
alimente-se como líder sectário e amarre ainda mais a parceria oportunista com
o Centrão; a costura populista pelo único interesse do presidente: a reeleição.
O governo torce pela segunda onda.
Seria
o paraíso. A garantia do chão de instabilidade. Terreno para cultivar, por meio
da pregação antidistanciamento, a batalha com governadores, ao mesmo tempo fato
novo para lavar o discurso contra as vacinas e passar a admiti-las, e escada
para camuflar a incapacidade de formular o tal Renda Cidadã e justificar a
continuidade do auxílio, empurrando para amanhã — questão de tempo — a queda do
teto de gastos.
Um país paralisado por um governo muito ruim — de um presidente, um populista-autoritário, que prospera no caos e tende a ser altamente competitivo em 2022. Governo ruim — muito ruim — não é governo morto.
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