O
caso dos 6,86 milhões de testes para o diagnóstico da COVID-19 comprados pelo
Ministério da Saúde que perderão a validade entre dezembro deste ano e janeiro
de 2021, estocados num armazém do governo federal em Guarulhos e não
distribuídos para a rede pública, é exemplar da falta de planejamento e
desorganização da política de saúde pública, situação que agrava ainda mais a
pandemia no país.
Comprados
por gestões anteriores do atual ministro Eduardo Pazzuelo, os testes
armazenados representam mais do que os já aplicados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) nos seis meses anteriores. Uma explicação para essa desídia pode ser a
opinião do próprio ministro, um General da ativa que foi indicado para o
ministério da Saúde por ser um especialista em logística, que considera que a
testagem massiva não é a melhor maneira de atuar contra a pandemia.
Outra,
a disputa entre presidente Bolsonaro e os governadores estaduais. O próprio
presidente disse ontem que a culpa é dos governos, que sua
responsabilidade é comprar os testes, caberia aos governos estaduais os
requisitar. Uma postura passiva que não leva em conta a necessidade da
testagem, mas apenas a burocracia estatal. Os governos estaduais dizem que os
testes, quando solicitados, chegam incompletos e o ministerio da Saúde não tem
condições de solucionar.
Esse
é um exemplo atual de uma crise de gestão permanente do governo Bolsonaro, um
dos aspectos que estão sendo analisados por diversos especialistas no livro
“Bolsonarismo: teoria e prática”. (Rio de Janeiro: Gramma, 2020, 346 páginas),
a ser lançado em dezembro. Os especialistas identificaram “a total falta de
critério de planejamento, racionalidade, eficiência na gestão pública”.
O
estudo é fruto de uma ação conjunta entre o Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas sobre a Democracia (Cebrad) , da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), fundado pelo cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, e o
Laboratório de Alternativas Institucionais (LAI) da Universidade Federal
Fluminense (UFF), dirigido pelo cientista Político Carlos Sávio Teixeira. O
livro, composto por 24 pesquisadores, é dedicado à análise do bolsonarismo como
ideologia e movimento político, uma ampla radiografia deste neopopulismo de
direita e seu impacto nas práticas políticas e nas políticas públicas, como
define Tadeu Monteiro.
Bolsonaro
encontra na pauta conservadora dos líderes das igrejas seu nicho eleitoral, mas
o livro analisa outras vertentes do movimento bolsonarista, entre elas a guerra
cultural, patrocinada pelos movimentos direitistas de ativistas digitais,
lançando mão de vários tipos de fake news. Esse “lado obscuro do bolsonarismo”,
como define o livro, esteve recentemente em evidência com os ataques
cibernéticos contra o sistema de apuração eleitoral do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE). Seu presidente, ministro Luis Roberto Barroso, voltou ontem a
insistir em que eles representaram “um esforço de desacreditar o processo
eleitoral”.
Este
movimento, define Tadeu Monteiro, é, na verdade, uma nebulosa, que se compõe de
“ativistas digitais, olavistas, terraplanistas, lideranças religiosas, parcelas
do alto empresariado, políticos de direita, lavajatistas e militares (forças
armadas, policias militares e civis, bombeiros)”. O que os mantém unidos é a
pessoa de Jair Bolsonaro. Os bolsonaristas seguem a liderança de Bolsonaro,
esteja ele radicalizando ou sendo moderado em suas posições. “Trata-se de um
clássico tipo de movimento político atrelado a uma liderança carismática, esta
mesma liderança que convoca militantes para manifestações de rua, que faz
"lives" frequentemente para mantê-los municiados de argumentos e
mobilizados”.
Foram
analisados ainda sua prática política no relacionamento com os demais poderes,
suas políticas públicas e, em especial a política de saúde em relação à Covid.
“O bolsonarismo, fundando-se num processo permanente de mobilização social e
política, caminha para um plebiscitarismo permanente”, analisa Geraldo Tadeu
Monteiro.
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