terça-feira, 24 de novembro de 2020

Rubens Barbosa* - Visões de futuro, China e Brasil

- O Estado de S.Paulo

Os chineses fazem um sólido planejamento e o País deixa o grupo das dez maiores economias

A quinta sessão plenária do 19.º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), concluída em 29 de outubro, apresentou as linhas gerais do 14.º plano quinquenal econômico e social do país (2021-25). O plano quinquenal registra os objetivos gerais para os próximos cinco anos e, além disso, estabelece o planejamento de médio prazo, até 2035. Mantendo a retórica de “paz e desenvolvimento”, o PCCh traçou as principais linhas estratégicas levando em conta, sobretudo, a crescente competição global. Os documentos indicam que as lideranças do partido, refletindo as incertezas no cenário global, buscaram mudanças em três áreas: fortalecimento da economia, autossuficiência em tecnologia e mudança de clima.

Na sua visão de futuro, os líderes chineses abandonam a ênfase no crescimento econômico com o aumento do PIB e passam a focar “o aumento significativo no poderio econômico e tecnológico” do país até 2035, com foco em questões estruturais e qualidade de vida. O comunicado final do plenário do congresso não fixa uma taxa de crescimento para 2035 e menciona somente o objetivo de alcançar, “em termos de PIB per capita, o nível de países moderadamente desenvolvidos”. Manter o foco no crescimento faz sentido para a China num momento de crescente competição entre grandes potências, que o comunicado, em outras palavras, denomina “profundos ajustes no equilíbrio de poder internacional”. Uma economia forte vai “assegurar que a China tenha recursos necessários para a defesa nacional e a pesquisa científica” e para a expansão de seus interesses globais.

Em vista da gravidade da crise pandêmica, a China teve de adiar o projeto da Rota da Seda (Belt and Road Initiative), uma forma de projetar seu poderio econômico além-fronteira.

As sanções dos EUA e as restrições à venda de semicondutores a empresas chinesas motivaram mudanças na atitude da liderança do PCCh no tocante à dependência de tecnologia do exterior. As vulnerabilidades da China foram exploradas geopoliticamente pelos EUA, apesar dos custos econômicos e da oposição de parte da indústria norte-americana. O plenário do partido afirmou que “autossuficiência em ciência e tecnologia é um pilar estratégico do desenvolvimento nacional” e demandou que “importantes avanços sejam conseguidos em tecnologias críticas” para que a China se torne “líder global em inovação”. Essa diretriz já estava presente nas medidas tomadas para o avanço na política industrial Made in China 2025, com resultados concretos em várias áreas, entre as quais o país já mostra significativa liderança global: tecnologia 5G e 6G e inteligência artificial.

A liderança chinesa passou a ver na política ambiental e de mudança do clima uma forma de ganhar prestígio global e obter benefícios econômicos. A proteção ambiental tem sido uma prioridade crescente para as autoridades chinesas nos fóruns internacionais. Em setembro, na ONU, Xi Jinping anunciou que a China fixou a meta de o pico das emissões de gás carbono ser alcançado em 2030 e a de emissão zero, obtida em 2060. Embora ambiciosos, esses objetivos indicam a participação cada vez mais intensa da China nas discussões sobre políticas ambientais, com potenciais reflexos sobre outros países.

Enquanto a China faz seu sólido planejamento com visão de futuro, o Brasil mantém uma atitude preocupante em termos de planejamento de médio e longo prazos. O FMI projeta uma queda de perto de 5% em 2020 e um crescimento de mais de 4% em 2021, apesar de estimativas de analistas econômicos de que as questões fiscais, a ausência de reformas, a queda no crescimento do comércio exterior e nos investimentos externos não prenunciam uma saída em V, como repetido pelo ministro da Economia. Por outro lado, o baixo crescimento da economia nos últimos anos, agravado pela pandemia, fez o Brasil deixar de ser uma das dez maiores economias globais, segundo o Ibre/FGV. Em termo de PIB em dólares, neste ano, Canadá, Coreia do Sul e Rússia devem ultrapassar o Brasil, que cairá para a 12.ª posição.

A preocupação aumenta quando se verifica não haver um plano claro de saída da crise atual, nem prioridades para avanços econômicos, sociais e tecnológicos. Sem maior discussão, o governo editou decreto que institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, com cinco eixos: econômico, institucional, infraestrutura, ambiental e social. Trata-se um uma medida tímida, que vai na direção correta. O Congresso e a sociedade civil deveriam ser chamados a participar da análise e discussão dessa estratégia. Dois aspectos chamam a atenção no documento do governo federal: a ausência de uma clara prioridade para a inovação e a tecnologia e de metas claras no eixo ambiental no tocante à preservação da Floresta Amazônica e à mudança do clima.

China, Europa, Japão e EUA (com Biden), no atual cenário internacional, colocam mudança de clima e tecnologia como objetivos centrais, como ficou evidente na reunião do G-20 no final da semana. Quando o Brasil vai juntar-se a eles?

*Presidente do Irice

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