Para
o governo Bolsonaro, o problema
ambiental é um problema de comunicação: como emplacar uma
narrativa favorável ao Brasil em meio a narrativas negativas que circulam pelo
resto do mundo.
É
como se não existisse a realidade objetiva, o problema concreto do desmatamento e
das queimadas.
Na falta de qualquer interesse de resolvê-lo, o desafio é como fazê-lo
desaparecer pelo uso do discurso.
Na
semana passada, em mais uma rodada dessa estratégia de marketing,
Bolsonaro disse
que iria anunciar publicamente os maiores importadores de madeira
ilegal brasileira. França e Alemanha estavam na mira.
O
contexto é a relutância europeia em ratificar o acordo
comercial UE-Mercosul. Bem sabemos que a França procurará pretextos
para afundar o acordo e proteger seus agricultores. Bolsonaro entrega esses
pretextos de bandeja. Voltou atrás na ameaça, mas o mal-estar ficou.
França,
Alemanha e outras potências podem e devem ajudar o Brasil a combater o tráfico
de madeira ilegal e o desmatamento em geral.
Aliás,
o Fundo
Amazônia —financiado em parte pela Alemanha— fazia exatamente
isso, mas infelizmente abrimos
mão dele. Mas é claro que Bolsonaro não deseja esse tipo de ajuda. Se
ele denuncia a compra de madeira ilegal por outros países, não é para
combatê-la lá fora, mas para seguir sem reprimi-la aqui. Afinal, seu governo é
o maior incentivador da prática: graças a mudanças regulatórias de seu governo,
as regras para a certificação da madeira se tornaram mais frouxas —90% do
consumo de madeira ilegal brasileira se dá justamente no Brasil.
Qual
o resultado da pirraça bolsonariana? Alguma grande vitória contra a França?
Pelo contrário. A cada nova interação, o acordo UE-Mercosul parece ficar mais
distante, justamente o que os produtores rurais franceses querem. A Alemanha
também reagiu à fala de Bolsonaro, fazendo o que ele talvez menos quisesse:
levou-as a sério. O Ministério da Agricultura alemão já anunciou que quer leis
mais duras para fiscalizar produtos tropicais.
Bolsonaro
não está nem aí. O único objetivo é agradar sua base
de apoiadores aqui dentro do Brasil, que inclui interesses
econômicos predatórios da grilagem e do garimpo ilegal: se para isso virarmos
um pária internacional, com dificuldades de fechar novos acordos, sem direito a
voto na ONU (por não pagar as contas) e, quiçá, no futuro, alvo de boicotes
econômicos, tudo bem. O importante é o teatrinho nas redes.
A
Amazônia interessa ao resto do mundo, mas deveria interessar ainda mais ao
Brasil. Somos nós que podemos auferir as riquezas de sua biodiversidade; é o
nosso agro que mais se beneficia dos serviços ambientais que ela proporciona,
por exemplo, ao garantir o regime de chuvas no Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
Interesse interno e internacional estão perfeita e claramente alinhados.
O presidente
eleito Joe Biden (sim, ele tomará posse em 20 de janeiro, por mais
que Bolsonaro
também se recuse a aceitar) já anunciou John Kerry como enviado
especial do clima. A pauta climática e ambiental em geral —que se estende por
outros temas, como desmatamento, plásticos, água— só ganhará mais centralidade
com essa adesão de peso dos EUA. Por qualquer critério, o Brasil deveria ser um
dos grandes protagonistas da discussão ambiental no mundo. Somos, neste
momento, por pura mesquinhez do governo, o bandido da história.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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