Líderes que desprezam as instituições e seus seguidores representam uma ameaça
A
ocupação do Congresso americano foi a maior demonstração da fragilidade
da democracia na minha geração. Cobri muitas guerras civis
e golpes, mas não em países onde a democracia estivesse enraizada.
A
2.ª Emenda da Constituição assegura o acesso
dos cidadãos às armas para formar milícias e defender-se,
entre outras ameaças, de um eventual Estado opressor. As medidas adotadas pelos
governos estaduais, sobretudo democratas, para conter a pandemia, mobilizaram
esses grupos, que viram nelas a opressão contra liberdades individuais.
O presidente Donald Trump se opôs a essas imposições e atacou, entre outros, a governadora Gretchen Whitmer, do Michigan, alvo de protestos que incluíram militantes armados. Em outubro, o FBI prendeu 13 ativistas, que planejavam sequestrar, “julgar” e executar Whitmer.
As milícias enfrentaram manifestantes antirracistas, denunciados por Trump como “terroristas”. Esses ativistas adotam o slogan “Vidas azuis importam”, em referência à cor da farda da polícia. Alguns são veteranos. Todos nutrem forte identificação com as Forças Armadas.
Trump advertiu que não aceitaria a derrota, só possível por fraude. As milícias abraçaram a causa, como o estopim da “segunda guerra civil americana”, que pretendem travar. Com a vitória de Joe Biden, as milícias se mobilizaram em torno do objetivo de impedir sua certificação no dia 6 de janeiro.
Em 48 horas, um grupo ganhou 20 mil seguidores antes de ser fechado pelo Facebook. Os grupos se espalharam pelas redes e acabaram se refugiando em duas plataformas que não censuram conteúdos extremistas: Parler e Gab.
Eles
discutiram abertamente nas redes detalhes logísticos da “tomada de Washington”,
como transporte de pessoal e de armas, alojamento, alimentação e locais de
concentração. No comício que antecedeu a invasão, Donald Trump Jr., filho do
presidente, disse, referindo-se aos congressistas que pretendiam votar a favor
da certificação da vitória de Biden: “Estamos indo atrás de vocês”. O advogado
do presidente, Rudy Giuliani, disse que seria “o julgamento pelo combate”.
Em
seguida, o presidente Trump orientou os 30 mil seguidores a descer a Avenida
Pensilvânia e a hostilizar esses congressistas e o vice-presidente Mike Pence,
se ele não impedisse a certificação: “Vocês nunca tomarão de volta nosso país
com fraqueza”.
Apesar
de tudo isso, o Capitólio não foi protegido pelas forças de segurança. A
prefeita Muriel Bowser, negra e democrata, criticou a repressão aos protestos
contra o racismo e a violência policial em junho em Washington, por parte das
forças federais.
A
Polícia Metropolitana destacou um efetivo mínimo à frente do prédio. Os
manifestantes invadiram o Capitólio sem dificuldades. Repórteres viram
policiais do Capitólio orientando os invasores onde ficavam os gabinetes dos
líderes.
Quando
o prédio já estava tomado, Trump tuitou: “Mike Pence não teve coragem de fazer
o que era preciso para proteger nosso país e nossa Constituição”. Um minuto
depois, os invasores começaram a gritar: “Onde está Mike Pence?” O
vice-presidente foi retirado às pressas sob escolta, assim como os líderes
partidários. Um militante se fotografou com um pé na mesa do gabinete da
presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e insinuou que poderia matá-la.
Trump
se recusou a ordenar a mobilização das forças federais. Foi Pence quem ligou
para o Pentágono para pedir ajuda da Guarda Nacional. Os reforços chegaram 5
horas depois da invasão do Capitólio.
Essa história demonstra o quanto a democracia fica exposta pela combinação de líderes que desprezam as instituições, seguidores dispostos a dar a vida por eles, contando com a complacência de policiais e militares, e autoridades pautadas pelos limites da lei e da coerência com seus princípios. Se isso pode acontecer nos Estados Unidos, nenhuma democracia está a salvo.
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