Seria
equívoco achar que cuidados e protocolos podem ser flexibilizados por 'termos
vacina'. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para vencer a pandemia
Depois de longos e ansiosos meses de espera, o País está próximo do início do processo de vacinação contra a covid-19. Na sexta-feira passada, o Instituto Butantan e a Fiocruz pediram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o uso emergencial de suas vacinas, a Coronavac e a AstraZeneca/Oxford.
No
ofício à Anvisa, a Fiocruz solicitou autorização para importar 2 milhões de
doses da vacina, bem como para produzir aqui 100 milhões de doses no primeiro
semestre e mais 110 milhões no segundo semestre. No caso da Coronavac, há
previsão de que ela seja utilizada para imunizar toda a população do Estado de
São Paulo, segundo o Plano Estadual de Imunização. Além disso, estão em curso
negociações para sua utilização em todo o País.
As
notícias sobre as vacinas são excelentes. Desde o ano passado, a covid-19 já
matou mais de 1,9 milhão de pessoas e provocou enormes estragos sociais e
econômicos no mundo inteiro. No Brasil, já são mais de 200 mil mortes.
Os pedidos de autorização à Anvisa são, portanto, motivo de grande esperança. É especialmente alvissareiro, por exemplo, saber que os brasileiros poderão, muito em breve, ser imunizados com uma vacina com 78% de eficácia contra casos leves de covid-19 e 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou que precisam de internação hospitalar. Essas são as taxas de eficácia da Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.
No
entanto, é preciso cuidado para que a boa notícia – na verdade, a espetacular
notícia – a respeito das vacinas não se transforme em uma ilusão. As vacinas
não são fórmulas mágicas que fazem sumir a pandemia de covid-19. Elas não
extinguem, por exemplo, a necessidade de respeitar os protocolos sanitários,
tantas vezes repetidos pelas autoridades nos últimos meses.
Vacinas
são instrumentos para imunizar a população. Seu principal – e tão esperado –
efeito não é uma espécie de passe livre para quem foi vacinado, autorizando um
retorno imediato à “vida normal”. Seu resultado mais relevante, capaz de
afastar os principais riscos advindos da covid-19, virá apenas depois da vacinação
de parte expressiva da população.
Vacina-se
com uma seringa e agulha. Mas a vacinação de uma população não é um ato, e sim
um longo processo, que deve durar vários meses. É preciso, portanto, cuidado
para não confundir início da vacinação com automática imunização.
Ter
vacinas aprovadas pela Anvisa é um passo importante no enfrentamento da
covid-19, mas está longe de ser suficiente. Basta pensar em tantas doenças para
as quais há vacinas e mesmo assim continuam ceifando vidas e causando
sofrimento e limitações a muitas pessoas.
Na
batalha para vencer a pandemia, não basta dispor de alta tecnologia biomédica.
É preciso empenho da sociedade e do poder público, nas três esferas. Medida
essencial, por exemplo, é assegurar que informações claras e precisas cheguem a
toda a população.
As
famílias precisam estar bem orientadas a respeito da função e dos limites da
vacina no combate à covid-19. O distanciamento social, as medidas de higiene e
o uso de máscara continuam sendo necessários – vitais, mesmo.
“Uma
vacina tem papéis diferentes em situações normais e em situações pandêmicas
como essa”, disse Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. “Temos de lembrar
que estamos perdendo pessoas. Uma vacina nesse momento vem para diminuir a
carga da doença, para impedir que as pessoas uma vez infectadas desenvolvam a
forma grave da doença.”
Os
pedidos de autorização das vacinas à Anvisa são uma excelente notícia
precisamente porque a batalha contra a covid-19 é árdua. O início da vacinação
é motivo de profunda esperança, mas deve ser também ocasião para relembrar a
gravidade da pandemia. Vidas humanas continuam em perigo – e o cuidado de cada
um continua sendo decisivo.
Seria
um equívoco achar que os cuidados e protocolos podem ser flexibilizados porque
“temos vacina”. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para que a
pandemia seja vencida.
O que foi feito da tradição do Itamaraty – Opinião | O Estado de S. Paulo
Com
a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, o ‘soft power’ detido pelo Brasil foi
corroído
Independentemente das mudanças de orientação política que tenha sofrido desde os tempos do Barão do Rio Branco, seja no período autoritário, seja no período democrático, a trajetória do Itamaraty foi marcada por uma sucessão de êxitos que deram ao Brasil um importante protagonismo nas relações internacionais.
Tanto
sob o comando de diplomatas de carreira, como os embaixadores Araújo Castro e
Saraiva Guerreiro, quanto sob a direção de políticos, como Afonso Arinos de
Mello Franco e Francisco San Tiago Dantas, o Itamaraty sempre foi respeitado
pela competência, credibilidade, firmeza de caráter, respeito a princípios e
habilidade de seus dirigentes. Apesar de terem formações distintas, esses
políticos compartilhavam alguns pontos comuns. Defendiam os interesses e
aspirações nacionais, recusavam alinhamentos automáticos e valorizavam a paz
como ideal absoluto. Em matéria de economia, comércio e finanças, promoveram
negociações com o objetivo de elevar o nível de vida dos brasileiros e melhorar
a distribuição de riqueza no País.
Com
a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, contudo, o chamado soft power detido
pelo Brasil, obtido graças à respeitabilidade e ao empenho de sua Chancelaria
na busca da coexistência pacífica no mundo contemporâneo, foi simplesmente
corroído. Desde a entrega do Ministério das Relações Exteriores a Ernesto
Araújo, um diplomata inexpressivo, que jamais ocupou postos importantes no
exterior em sua carreira e foi escolhido apenas por seu alinhamento ideológico
com a família presidencial, a imagem do Itamaraty tem sido sistematicamente
maculada pela mediocridade, pela irresponsabilidade, pelo negacionismo e pelo
primarismo.
As
últimas falas de Araújo comprovam isso. Em novembro, por exemplo, ao comentar
os resultados das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ele afirmou que
grande parte do povo americano “se sentiu agredida e traída por sua classe
política e desconfia do processo eleitoral” que levou à derrota de Donald
Trump. Agindo desse modo, Araújo contrariou um princípio básico da diplomacia.
Como encarregado de negociar os interesses brasileiros, não cabia a um ministro
das Relações Exteriores tomar posição partidária com relação à política interna
daquele ou de qualquer país.
Nos
últimos dias de dezembro, o chanceler avançou ainda mais na irresponsabilidade
e na imprudência. A título de mensagem de ano novo, ele distribuiu um texto no
qual disse que, “quando você compra a biopolítica do fique em casa, talvez
esteja ajudando o narcotráfico”. Também denunciou uma “imensa, profunda e
complexa trama de interesses” que, a seu ver, reuniria a mídia, o crime
organizado e o terrorismo. Por fim, classificou a política de confinamento como
“histeria biopolítica” e “mecanismo de controle do narco-socialismo”.
A
escalada de asneiras do chanceler chegou ao auge na primeira semana de janeiro,
após a invasão do Capitólio. Araújo não só retomou o que já dissera em novembro
sobre a falta de lisura do processo eleitoral americano, como também insinuou
que haveria “infiltrados” entre os invasores. E ainda afirmou que os apoiadores
de Trump não podem ser chamados de fascistas. “Há que parar de chamar de
fascistas a cidadãos de bem quando se manifestam contra elementos do sistema
político ou integrantes das instituições.” Sua fala foi quase igual à da filha
de Donald Trump, Ivanka, que chamou os invasores de “patriotas”, mas cancelou a
mensagem do Twitter minutos depois. Talvez ela seja mais prudente que o nosso
Ernesto, que, por sinal, não mora no Brás.
Nas
relações entre os países, as percepções de poder, entre outros atributos ou
predicados, têm influência decisiva. Igualmente, fatores morais também
desempenham importante papel na estratégia e na ação diplomática. Como tanto o
presidente da República como seu chanceler não têm nem sensibilidade nem
competência para perceber os predicados implícitos nas percepções de poder, o
Brasil encontra-se sem rumo e sem estratégia em matéria de política externa. Ou
seja, quanto menos se dão ao respeito, menos o Brasil é respeitado no
exterior.
A ameaça de greve do professorado – Opinião | O Estado de S. Paulo
Categoria
perde a oportunidade de dar uma lição de civilidade a seus alunos e à sociedade
Há menos de três semanas do início das atividades escolares de 2021 e da retomada das aulas presenciais na rede pública de ensino, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) informou, em seu site, que recorrerá à Justiça e deflagrará uma greve caso a Secretaria Estadual da Educação contrate professores temporários. O início das aulas presenciais em todas as escolas estaduais está previsto para 1.º de fevereiro, com rodízio de alunos.
A
contratação de docentes temporários foi decidida pelo governo paulista com o
objetivo de substituir os docentes efetivos que fazem parte da população de
risco ou que apresentarem atestado médico justificando sua permanência em casa.
Ao se opor a essa decisão, a Apeoesp voltou a mostrar que, entre o interesse
público e seus interesses corporativos, não pensa duas vezes. Os estudantes da
rede pública de ensino básico estão há um ano recebendo aulas só por meios
virtuais. Segundo os pedagogos, as aulas remotas não têm a mesma qualidade dos
cursos presenciais nesse ciclo de ensino, o que reduz os níveis de aprendizagem
dos alunos.
Além
disso, os líderes sindicais do professorado também estão impondo outra
exigência para voltar às salas de aula. Sob a alegação de que exercem uma
atividade fundamental, querem que a categoria receba o mesmo tratamento dos
profissionais do setor de saúde, sendo vacinada na primeira fase. Em princípio,
o argumento é procedente, pois estão em risco aqueles que se expõem para
trabalhar e também funcionários e alunos.
Mas,
dado o tamanho do primeiro lote de vacinas, o número de grupos prioritários que
serão imunizados na primeira fase é pequeno. Segundo o plano anunciado pelo
governo do Estado de São Paulo, nesta fase serão vacinados apenas os idosos e
quilombolas, além dos trabalhadores da área de saúde. O plano prevê que os
docentes da rede escolar de ensino médio serão imunizados na quarta fase da
campanha de vacinação. Para afastar riscos de contaminação de professores e
servidores, a Secretaria Estadual da Educação informou que dotou a rede escolar
com equipamentos de proteção individual e material de higiene, reformou os banheiros
de 4,6 mil escolas e adotará uma distância mínima entre alunos e professores.
Desse
modo, ao exigir a vacinação, ameaçando cruzar os braços no início do calendário
escolar e após um ano letivo perdido, os líderes sindicais do professorado não
se comportam apenas como delegados de polícia, procuradores e magistrados, que
invocaram os mais variados motivos para tentar furar a fila na campanha de
vacinação. Acima de tudo, ao converter crianças e adolescentes em reféns de
suas exigências, a corporação está negando às novas gerações a formação básica
de que elas necessitam para se emancipar social, cultural e profissionalmente.
E moralmente.
O
nome disso é chantagem. E, se for efetivamente aplicada, o professorado da rede
escolar pública paulista, cujos líderes sindicais sempre foram filiados a
agremiações partidárias soi disant progressistas, estará sendo conivente com o
aumento das disparidades socioeconômicas a médio e longo prazos, uma vez que os
alunos do ensino fundamental e médio da rede pública ficarão sem condições de
competir no mercado de trabalho com os estudantes oriundos da rede privada.
Como lembram os economistas, por causa do aprofundamento das diferenças na
qualidade de ensino entre as escolas privadas e as escolas estaduais causado
pela eclosão da pandemia, a desigualdade de capital humano deverá crescer
significativamente nas próximas gerações.
A
luta por uma educação pública de qualidade e com equidade, com o objetivo de
evitar o aumento das desigualdades durante o período de pandemia, implica,
entre outros fatores, a valorização da carreira docente. Mas, num período de
enormes dificuldades como o atual, ao se recusar a aceitar sua cota de
sacrifícios e recorrer à greve para inviabilizar o início do ano letivo, o
professorado perde a oportunidade de dar uma lição de civilidade aos seus
alunos e à própria sociedade.
É urgente reativar os leitos ociosos na rede pública – Opinião | O Globo
Em
todo o país, sistema de saúde está pressionado pelo aumento do número de casos
de Covid-19
A
cidade do Rio de Janeiro, a segunda com o maior número de mortes por Covid-19
no país, vive um contrassenso. Enquanto o número de infectados pelo novo
coronavírus dispara, pressionando as redes pública e privada, a capital
fluminense mantém 2.048 leitos fechados nas unidades federais, estaduais e
municipais do Sistema Único de Saúde (SUS). Os motivos vão desde carência de
pessoal a problemas estruturais, como falta de equipamentos. Os números constam
do censo hospitalar divulgado na última quarta-feira pela prefeitura do Rio.
O
quadro é mais crítico na rede federal. O fato impressiona, já que o Ministério
da Saúde, em tese, deveria coordenar o combate à pandemia, embora seja notória
a inépcia de Brasília para assumir tal tarefa. De acordo com levantamento da
Defensoria Pública do Estado, existem 1.515 leitos inativos nos hospitais
federais, dos quais ao menos 300 deveriam estar recebendo pacientes com
Covid-19. O cenário se agravou neste início de ano, já que o contrato do
ministério com muitos profissionais de saúde expirou em 31 de dezembro. Faltou
um mínimo de gestão para que não houvesse uma lacuna no atendimento. Enquanto
leitos estão vazios por falta de médicos e enfermeiros, há uma fila de cerca de
200 pessoas à espera de internação.
A
incúria administrativa, combinada à queda no isolamento, às aglomerações das
festas de fim de ano e ao relaxamento nos protocolos de prevenção, tem levado o
Rio a registrar índices inconcebíveis de mortes pelo novo coronavírus. Desde o
fim de setembro, a capital fluminense lidera o ranking de óbitos em municípios
do pais, ficando à frente de São Paulo e Brasília. Até ontem, a cidade
registrava mais de 15 mil mortes por Covid-19. Em todo o estado, mais de 26 mil
já perderam a vida para a doença.
A
omissão, não só do governo, mas de parte da população que afrouxou as normas de
prevenção à doença, pode levar o Rio, e outras cidades do país que se encontram
em situação semelhante, ao caos vivenciado por Manaus. Uma das cidades mais
atingidas pela Covid-19 no ano passado, a capital do Amazonas revive neste
início de 2021 o drama enfrentado no auge da pandemia, quando os sistemas de
saúde e funerário entraram em colapso diante da explosão do número de casos,
produzindo cenas típicas dos filmes de catástrofe.
Em
praticamente todo o país o sistema público de saúde está no limite, em
consequência do aumento descontrolado de internações. Por enquanto, não dá para
contar com uma vacina que ninguém sabe quando chegará. Mesmo que a campanha
tenha início ainda este mês, como promete o Ministério da Saúde, ainda levará
tempo para que os benefícios sejam alcançados, já que a imunização se estenderá
ao longo de 2021 e até 2022. Portanto, governos precisam providenciar
urgentemente leitos para oferecer um atendimento digno à população e, ao mesmo
tempo, adotar medidas para conter o avanço do vírus. É preciso agir logo para
que Manaus e Rio hoje não sejam o retrato do país amanhã.
Agronegócio
continua a trazer boas notícias para a economia brasileira – Opinião | O Globo
Confirmada
a expectativa, 2021 registrará nova safra recorde. A dúvida é como se
comportarão o clima e Bolsonaro
O
ano começa com a previsão de que o agronegócio deverá voltar a bater recordes
no comércio exterior, ajudado pela manutenção dos preços em patamar elevado lá
fora e pelo câmbio desvalorizado. O setor se consolida como o mais dinâmico da
economia brasileira, com um segmento exportador moderno, de alta produtividade
e grande poder de competição. A eficiência na produção explica por que a
Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê um aumento na safra de grãos
de 3,5%, numa área cultivada que crescerá apenas 1,6%.
Ao
contrário da indústria, que por falta de visão de vários governos não se
conectou como deveria ao mundo, a agropecuária abriu-se ao exterior. Passou a
se guiar pelos mercados globais de commodities e a absorver novas tecnologias.
A Embrapa, centro de pesquisas público, teve papel-chave no constante
aprimoramento de espécies às condições do clima e do solo brasileiros.
Estima-se
que as exportações agrícolas poderão chegar este ano a US$ 113 bilhões,
superando pela segunda vez a marca dos US$ 100 bilhões — a primeira foi em
2018, quando atingiram US$ 102 bilhões. Tais números têm feito do agronegócio
peça fundamental para o país sustentar seu comércio exterior. No ano passado, o
superávit comercial foi de US$ 51 bilhões, alta de 7% em relação a 2019. Apenas
as exportações de soja, item mais importante da pauta, foram de quase US$ 29
bilhões, 14% do total.
É
verdade que, por trás do resultado positivo, há efeitos da crise global causada
pela pandemia. A recessão interna fez com que as importações caíssem mais —
10%, para US$ 159 bilhões — que as exportações —6%, para US$ 210 bilhões —,
aumentando o saldo na balança. Mas isso só prova a resiliência do nosso
agronegócio ante as dificuldades.
Se
confirmadas as primeiras estimativas para a produção agrícola, 2021 será outro
ano positivo para o setor, ajudado pela recuperação da economia da China, maior
parceiro comercial do país e maior importador de produtos agrícolas
brasileiros.
Dois
riscos podem atrapalhar. O primeiro é o clima. O resfriamento das águas do
Pacífico, conhecido como La Niña, já provocou secas no segundo semestre de
2020, retardando o plantio da soja. O segundo é o governo Bolsonaro e seu
descaso com o meio ambiente. Dele decorrem não apenas alterações climáticas
negativas para o setor, mas no curto prazo, também boicotes às exportações de
produtos das áreas de desmatamento. Apesar da incerteza, o quadro é
alvissareiro.
Altivez no Congresso – Opinião | Folha de S. Paulo
Deve-se
exigir de candidatos na Câmara e no Senado que não se curvem a Bolsonaro
Por
sua natureza, o Legislativo é o mais transparente dos Poderes. Guardam-se menos
segredos quando há centenas de parlamentares no Congresso Nacional e nas
assembleias estaduais, além de milhares nas câmaras municipais, com mandatos
populares, direito a voz e interesses conflitantes.
Tendo
mais expostos seus conchavos, privilégios, interesses menores, escândalos e
outros desmandos, não espanta que seja também o Poder mais vulnerável ao
desgaste perante a opinião pública.
Em
pesquisa Datafolha de agosto, o Congresso era tido como ruim ou péssimo por 37%
do eleitorado e ótimo ou bom por apenas 17%. Já o Supremo Tribunal Federal
obtinha equilíbrio entre reprovação e aprovação, de 29% e 27%, respectivamente,
assim como o presidente Jair Bolsonaro, com 34% e 37%, saldo positivo na margem
de erro.
Para
esta Folha, sem fechar os olhos para condutas viciadas de não poucos
deputados federais e senadores, deve-se reconhecer a atuação relevante da atual
legislatura —que, até aqui, soube se portar com altivez ante um chefe de Estado
empenhado na desmoralização da política e das instituições.
No
posto desde 2016, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), atuou como
primeiro-ministro de fato em meio à acefalia do Executivo. No Senado, Davi
Alcolumbre (DEM-AP), com menores antagonismo e protagonismo, também honrou a
independência da Casa.
Desse
modo o Congresso tanto foi capaz de liderar a reforma da Previdência em 2019 e
a criação do auxílio emergencial durante a pandemia, sem os quais a situação do
país seria muito mais precária hoje, quanto de derrubar medidas provisórias e
decretos abusivos, além de responder de público às imprecações de Jair
Bolsonaro.
A
preservação de tal postura precisa ser tema central nas eleições internas que,
em fevereiro, definirão os sucessores de Maia e Alcolumbre. Derrotado,
felizmente, um ensaio de manobra jurídica para criar possibilidade de
reeleição, cabe agora a parlamentares e sociedade exigir compromissos dos
candidatos às duas presidências.
Deve-se
questionar Arthur Lira (PP-AL), alvo de ações penais no STF e candidato de
Bolsonaro ao comando da Câmara —sem poupar seu adversário, Baleia Rossi
(MDB-SP), que ademais deve responder por suspeitas de malfeitos passados, e os
postulantes do Senado, onde o presidente indica apoio a Rodrigo Pacheco
(DEM-MG).
Um
Congresso mais subserviente ao Planalto seria, a esta altura, grave retrocesso
no amadurecimento democrático. Nem é oposição o que se cobra; trata-se de não
permitir que uma instituição se apequene em nome de algum pragmatismo míope e
mesquinho.
Novo
ciclo – Opinião | Folha de S. Paulo
Vacinação
melhora perspectiva de retomada no mundo, mas inclusão ainda é desafio
O
ano se inicia com o trágico agravamento da pandemia em boa parte do mundo,
novas medidas de distanciamento social e riscos de uma recaída recessiva.
Em
contrapartida, vai se firmando a perspectiva de vacinação em massa nos próximos
meses, que deve abrir espaço para uma retomada consistente da atividade
econômica a partir do segundo semestre. As projeções para o crescimento do
Produto Interno Bruto global têm sido revisadas para melhor.
Depois
de uma queda estimada em 4,3% no ano passado, pode haver expansão de pelo menos
4% neste 2021, segundo as projeções do Banco Mundial. A liderança está com a
China, que já recuperou o nível de atividade anterior à crise e deve crescer
cerca de 8%.
O
quadro também é auspicioso nos Estados Unidos. Com a vitória de Joe Biden na
eleição presidencial e o controle democrata do Senado, aumenta a chance de
novos estímulos econômicos a curto prazo.
O
pacote fiscal de US$ 900 bilhões aprovado no fim do ano passado poderá ser
suplementado com mais transferências de renda a famílias. As projeções mais
recentes apontam para alta do PIB superior a 4% em 2021 e significativa queda
da taxa de desemprego.
Do
lado monetário, o Federal Reserve indica que manterá os juros em zero por
alguns anos. Ainda que em velocidade menor, também haverá retomada na Europa.
Com
ampla ociosidade de recursos, farta disponibilidade de mão de obra e política
econômica favorável, o mundo poderá iniciar um novo ciclo de crescimento.
A
perspectiva parece positiva, mas o desafio está na distribuição dos frutos
dessa nova fase que se avizinha. A crise afetou sobretudo os mais pobres e
agravou a desigualdade social.
Mais
do que estímulos tradicionais que tendem a beneficiar o topo da distribuição de
renda, as políticas dos próximos anos devem se preocupar com a estagnação das
classes de renda baixa e média que caracterizou as economias ocidentais na
últimas décadas.
Como
indica a acensão de líderes populistas no período recente, as consequências do
fracasso em conceber uma nova agenda distributiva podem ser dramáticas.
Felizmente se encerra o turbulento período de Donald Trump, mas há outros como ele pelo mundo a ameaçar valores civilizatórios. A melhor forma de lhes tirar o palanque é um modelo econômico mais inclusivo e sustentável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário