domingo, 10 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Esperança e cuidado – Opinião | O Estado de S. Paulo

Seria equívoco achar que cuidados e protocolos podem ser flexibilizados por 'termos vacina'. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para vencer a pandemia

Depois de longos e ansiosos meses de espera, o País está próximo do início do processo de vacinação contra a covid-19. Na sexta-feira passada, o Instituto Butantan e a Fiocruz pediram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o uso emergencial de suas vacinas, a Coronavac e a AstraZeneca/Oxford.

No ofício à Anvisa, a Fiocruz solicitou autorização para importar 2 milhões de doses da vacina, bem como para produzir aqui 100 milhões de doses no primeiro semestre e mais 110 milhões no segundo semestre. No caso da Coronavac, há previsão de que ela seja utilizada para imunizar toda a população do Estado de São Paulo, segundo o Plano Estadual de Imunização. Além disso, estão em curso negociações para sua utilização em todo o País.

As notícias sobre as vacinas são excelentes. Desde o ano passado, a covid-19 já matou mais de 1,9 milhão de pessoas e provocou enormes estragos sociais e econômicos no mundo inteiro. No Brasil, já são mais de 200 mil mortes.

Os pedidos de autorização à Anvisa são, portanto, motivo de grande esperança. É especialmente alvissareiro, por exemplo, saber que os brasileiros poderão, muito em breve, ser imunizados com uma vacina com 78% de eficácia contra casos leves de covid-19 e 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou que precisam de internação hospitalar. Essas são as taxas de eficácia da Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

No entanto, é preciso cuidado para que a boa notícia – na verdade, a espetacular notícia – a respeito das vacinas não se transforme em uma ilusão. As vacinas não são fórmulas mágicas que fazem sumir a pandemia de covid-19. Elas não extinguem, por exemplo, a necessidade de respeitar os protocolos sanitários, tantas vezes repetidos pelas autoridades nos últimos meses. 

Vacinas são instrumentos para imunizar a população. Seu principal – e tão esperado – efeito não é uma espécie de passe livre para quem foi vacinado, autorizando um retorno imediato à “vida normal”. Seu resultado mais relevante, capaz de afastar os principais riscos advindos da covid-19, virá apenas depois da vacinação de parte expressiva da população.

Vacina-se com uma seringa e agulha. Mas a vacinação de uma população não é um ato, e sim um longo processo, que deve durar vários meses. É preciso, portanto, cuidado para não confundir início da vacinação com automática imunização.

Ter vacinas aprovadas pela Anvisa é um passo importante no enfrentamento da covid-19, mas está longe de ser suficiente. Basta pensar em tantas doenças para as quais há vacinas e mesmo assim continuam ceifando vidas e causando sofrimento e limitações a muitas pessoas.

Na batalha para vencer a pandemia, não basta dispor de alta tecnologia biomédica. É preciso empenho da sociedade e do poder público, nas três esferas. Medida essencial, por exemplo, é assegurar que informações claras e precisas cheguem a toda a população.

As famílias precisam estar bem orientadas a respeito da função e dos limites da vacina no combate à covid-19. O distanciamento social, as medidas de higiene e o uso de máscara continuam sendo necessários – vitais, mesmo. 

“Uma vacina tem papéis diferentes em situações normais e em situações pandêmicas como essa”, disse Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. “Temos de lembrar que estamos perdendo pessoas. Uma vacina nesse momento vem para diminuir a carga da doença, para impedir que as pessoas uma vez infectadas desenvolvam a forma grave da doença.”

Os pedidos de autorização das vacinas à Anvisa são uma excelente notícia precisamente porque a batalha contra a covid-19 é árdua. O início da vacinação é motivo de profunda esperança, mas deve ser também ocasião para relembrar a gravidade da pandemia. Vidas humanas continuam em perigo – e o cuidado de cada um continua sendo decisivo.

Seria um equívoco achar que os cuidados e protocolos podem ser flexibilizados porque “temos vacina”. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para que a pandemia seja vencida.

O que foi feito da tradição do Itamaraty – Opinião | O Estado de S. Paulo

Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, o ‘soft power’ detido pelo Brasil foi corroído

Independentemente das mudanças de orientação política que tenha sofrido desde os tempos do Barão do Rio Branco, seja no período autoritário, seja no período democrático, a trajetória do Itamaraty foi marcada por uma sucessão de êxitos que deram ao Brasil um importante protagonismo nas relações internacionais.

Tanto sob o comando de diplomatas de carreira, como os embaixadores Araújo Castro e Saraiva Guerreiro, quanto sob a direção de políticos, como Afonso Arinos de Mello Franco e Francisco San Tiago Dantas, o Itamaraty sempre foi respeitado pela competência, credibilidade, firmeza de caráter, respeito a princípios e habilidade de seus dirigentes. Apesar de terem formações distintas, esses políticos compartilhavam alguns pontos comuns. Defendiam os interesses e aspirações nacionais, recusavam alinhamentos automáticos e valorizavam a paz como ideal absoluto. Em matéria de economia, comércio e finanças, promoveram negociações com o objetivo de elevar o nível de vida dos brasileiros e melhorar a distribuição de riqueza no País. 

Com a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, contudo, o chamado soft power detido pelo Brasil, obtido graças à respeitabilidade e ao empenho de sua Chancelaria na busca da coexistência pacífica no mundo contemporâneo, foi simplesmente corroído. Desde a entrega do Ministério das Relações Exteriores a Ernesto Araújo, um diplomata inexpressivo, que jamais ocupou postos importantes no exterior em sua carreira e foi escolhido apenas por seu alinhamento ideológico com a família presidencial, a imagem do Itamaraty tem sido sistematicamente maculada pela mediocridade, pela irresponsabilidade, pelo negacionismo e pelo primarismo.

As últimas falas de Araújo comprovam isso. Em novembro, por exemplo, ao comentar os resultados das eleições presidenciais nos Estados Unidos, ele afirmou que grande parte do povo americano “se sentiu agredida e traída por sua classe política e desconfia do processo eleitoral” que levou à derrota de Donald Trump. Agindo desse modo, Araújo contrariou um princípio básico da diplomacia. Como encarregado de negociar os interesses brasileiros, não cabia a um ministro das Relações Exteriores tomar posição partidária com relação à política interna daquele ou de qualquer país.

Nos últimos dias de dezembro, o chanceler avançou ainda mais na irresponsabilidade e na imprudência. A título de mensagem de ano novo, ele distribuiu um texto no qual disse que, “quando você compra a biopolítica do fique em casa, talvez esteja ajudando o narcotráfico”. Também denunciou uma “imensa, profunda e complexa trama de interesses” que, a seu ver, reuniria a mídia, o crime organizado e o terrorismo. Por fim, classificou a política de confinamento como “histeria biopolítica” e “mecanismo de controle do narco-socialismo”. 

A escalada de asneiras do chanceler chegou ao auge na primeira semana de janeiro, após a invasão do Capitólio. Araújo não só retomou o que já dissera em novembro sobre a falta de lisura do processo eleitoral americano, como também insinuou que haveria “infiltrados” entre os invasores. E ainda afirmou que os apoiadores de Trump não podem ser chamados de fascistas. “Há que parar de chamar de fascistas a cidadãos de bem quando se manifestam contra elementos do sistema político ou integrantes das instituições.” Sua fala foi quase igual à da filha de Donald Trump, Ivanka, que chamou os invasores de “patriotas”, mas cancelou a mensagem do Twitter minutos depois. Talvez ela seja mais prudente que o nosso Ernesto, que, por sinal, não mora no Brás.

Nas relações entre os países, as percepções de poder, entre outros atributos ou predicados, têm influência decisiva. Igualmente, fatores morais também desempenham importante papel na estratégia e na ação diplomática. Como tanto o presidente da República como seu chanceler não têm nem sensibilidade nem competência para perceber os predicados implícitos nas percepções de poder, o Brasil encontra-se sem rumo e sem estratégia em matéria de política externa. Ou seja, quanto menos se dão ao respeito, menos o Brasil é respeitado no exterior. 

A ameaça de greve do professorado – Opinião | O Estado de S. Paulo

Categoria perde a oportunidade de dar uma lição de civilidade a seus alunos e à sociedade

Há menos de três semanas do início das atividades escolares de 2021 e da retomada das aulas presenciais na rede pública de ensino, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) informou, em seu site, que recorrerá à Justiça e deflagrará uma greve caso a Secretaria Estadual da Educação contrate professores temporários. O início das aulas presenciais em todas as escolas estaduais está previsto para 1.º de fevereiro, com rodízio de alunos. 

A contratação de docentes temporários foi decidida pelo governo paulista com o objetivo de substituir os docentes efetivos que fazem parte da população de risco ou que apresentarem atestado médico justificando sua permanência em casa. Ao se opor a essa decisão, a Apeoesp voltou a mostrar que, entre o interesse público e seus interesses corporativos, não pensa duas vezes. Os estudantes da rede pública de ensino básico estão há um ano recebendo aulas só por meios virtuais. Segundo os pedagogos, as aulas remotas não têm a mesma qualidade dos cursos presenciais nesse ciclo de ensino, o que reduz os níveis de aprendizagem dos alunos. 

Além disso, os líderes sindicais do professorado também estão impondo outra exigência para voltar às salas de aula. Sob a alegação de que exercem uma atividade fundamental, querem que a categoria receba o mesmo tratamento dos profissionais do setor de saúde, sendo vacinada na primeira fase. Em princípio, o argumento é procedente, pois estão em risco aqueles que se expõem para trabalhar e também funcionários e alunos. 

Mas, dado o tamanho do primeiro lote de vacinas, o número de grupos prioritários que serão imunizados na primeira fase é pequeno. Segundo o plano anunciado pelo governo do Estado de São Paulo, nesta fase serão vacinados apenas os idosos e quilombolas, além dos trabalhadores da área de saúde. O plano prevê que os docentes da rede escolar de ensino médio serão imunizados na quarta fase da campanha de vacinação. Para afastar riscos de contaminação de professores e servidores, a Secretaria Estadual da Educação informou que dotou a rede escolar com equipamentos de proteção individual e material de higiene, reformou os banheiros de 4,6 mil escolas e adotará uma distância mínima entre alunos e professores.

Desse modo, ao exigir a vacinação, ameaçando cruzar os braços no início do calendário escolar e após um ano letivo perdido, os líderes sindicais do professorado não se comportam apenas como delegados de polícia, procuradores e magistrados, que invocaram os mais variados motivos para tentar furar a fila na campanha de vacinação. Acima de tudo, ao converter crianças e adolescentes em reféns de suas exigências, a corporação está negando às novas gerações a formação básica de que elas necessitam para se emancipar social, cultural e profissionalmente. E moralmente.

O nome disso é chantagem. E, se for efetivamente aplicada, o professorado da rede escolar pública paulista, cujos líderes sindicais sempre foram filiados a agremiações partidárias soi disant progressistas, estará sendo conivente com o aumento das disparidades socioeconômicas a médio e longo prazos, uma vez que os alunos do ensino fundamental e médio da rede pública ficarão sem condições de competir no mercado de trabalho com os estudantes oriundos da rede privada. Como lembram os economistas, por causa do aprofundamento das diferenças na qualidade de ensino entre as escolas privadas e as escolas estaduais causado pela eclosão da pandemia, a desigualdade de capital humano deverá crescer significativamente nas próximas gerações.

A luta por uma educação pública de qualidade e com equidade, com o objetivo de evitar o aumento das desigualdades durante o período de pandemia, implica, entre outros fatores, a valorização da carreira docente. Mas, num período de enormes dificuldades como o atual, ao se recusar a aceitar sua cota de sacrifícios e recorrer à greve para inviabilizar o início do ano letivo, o professorado perde a oportunidade de dar uma lição de civilidade aos seus alunos e à própria sociedade. 

É urgente reativar os leitos ociosos na rede pública – Opinião | O Globo

Em todo o país, sistema de saúde está pressionado pelo aumento do número de casos de Covid-19

A cidade do Rio de Janeiro, a segunda com o maior número de mortes por Covid-19 no país, vive um contrassenso. Enquanto o número de infectados pelo novo coronavírus dispara, pressionando as redes pública e privada, a capital fluminense mantém 2.048 leitos fechados nas unidades federais, estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS). Os motivos vão desde carência de pessoal a problemas estruturais, como falta de equipamentos. Os números constam do censo hospitalar divulgado na última quarta-feira pela prefeitura do Rio.

O quadro é mais crítico na rede federal. O fato impressiona, já que o Ministério da Saúde, em tese, deveria coordenar o combate à pandemia, embora seja notória a inépcia de Brasília para assumir tal tarefa. De acordo com levantamento da Defensoria Pública do Estado, existem 1.515 leitos inativos nos hospitais federais, dos quais ao menos 300 deveriam estar recebendo pacientes com Covid-19. O cenário se agravou neste início de ano, já que o contrato do ministério com muitos profissionais de saúde expirou em 31 de dezembro. Faltou um mínimo de gestão para que não houvesse uma lacuna no atendimento. Enquanto leitos estão vazios por falta de médicos e enfermeiros, há uma fila de cerca de 200 pessoas à espera de internação.

A incúria administrativa, combinada à queda no isolamento, às aglomerações das festas de fim de ano e ao relaxamento nos protocolos de prevenção, tem levado o Rio a registrar índices inconcebíveis de mortes pelo novo coronavírus. Desde o fim de setembro, a capital fluminense lidera o ranking de óbitos em municípios do pais, ficando à frente de São Paulo e Brasília. Até ontem, a cidade registrava mais de 15 mil mortes por Covid-19. Em todo o estado, mais de 26 mil já perderam a vida para a doença.

A omissão, não só do governo, mas de parte da população que afrouxou as normas de prevenção à doença, pode levar o Rio, e outras cidades do país que se encontram em situação semelhante, ao caos vivenciado por Manaus. Uma das cidades mais atingidas pela Covid-19 no ano passado, a capital do Amazonas revive neste início de 2021 o drama enfrentado no auge da pandemia, quando os sistemas de saúde e funerário entraram em colapso diante da explosão do número de casos, produzindo cenas típicas dos filmes de catástrofe.

Em praticamente todo o país o sistema público de saúde está no limite, em consequência do aumento descontrolado de internações. Por enquanto, não dá para contar com uma vacina que ninguém sabe quando chegará. Mesmo que a campanha tenha início ainda este mês, como promete o Ministério da Saúde, ainda levará tempo para que os benefícios sejam alcançados, já que a imunização se estenderá ao longo de 2021 e até 2022. Portanto, governos precisam providenciar urgentemente leitos para oferecer um atendimento digno à população e, ao mesmo tempo, adotar medidas para conter o avanço do vírus. É preciso agir logo para que Manaus e Rio hoje não sejam o retrato do país amanhã.

Agronegócio continua a trazer boas notícias para a economia brasileira – Opinião | O Globo

Confirmada a expectativa, 2021 registrará nova safra recorde. A dúvida é como se comportarão o clima e Bolsonaro

O ano começa com a previsão de que o agronegócio deverá voltar a bater recordes no comércio exterior, ajudado pela manutenção dos preços em patamar elevado lá fora e pelo câmbio desvalorizado. O setor se consolida como o mais dinâmico da economia brasileira, com um segmento exportador moderno, de alta produtividade e grande poder de competição. A eficiência na produção explica por que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) prevê um aumento na safra de grãos de 3,5%, numa área cultivada que crescerá apenas 1,6%.

Ao contrário da indústria, que por falta de visão de vários governos não se conectou como deveria ao mundo, a agropecuária abriu-se ao exterior. Passou a se guiar pelos mercados globais de commodities e a absorver novas tecnologias. A Embrapa, centro de pesquisas público, teve papel-chave no constante aprimoramento de espécies às condições do clima e do solo brasileiros.

Estima-se que as exportações agrícolas poderão chegar este ano a US$ 113 bilhões, superando pela segunda vez a marca dos US$ 100 bilhões — a primeira foi em 2018, quando atingiram US$ 102 bilhões. Tais números têm feito do agronegócio peça fundamental para o país sustentar seu comércio exterior. No ano passado, o superávit comercial foi de US$ 51 bilhões, alta de 7% em relação a 2019. Apenas as exportações de soja, item mais importante da pauta, foram de quase US$ 29 bilhões, 14% do total.

É verdade que, por trás do resultado positivo, há efeitos da crise global causada pela pandemia. A recessão interna fez com que as importações caíssem mais — 10%, para US$ 159 bilhões — que as exportações —6%, para US$ 210 bilhões —, aumentando o saldo na balança. Mas isso só prova a resiliência do nosso agronegócio ante as dificuldades.

Se confirmadas as primeiras estimativas para a produção agrícola, 2021 será outro ano positivo para o setor, ajudado pela recuperação da economia da China, maior parceiro comercial do país e maior importador de produtos agrícolas brasileiros.

Dois riscos podem atrapalhar. O primeiro é o clima. O resfriamento das águas do Pacífico, conhecido como La Niña, já provocou secas no segundo semestre de 2020, retardando o plantio da soja. O segundo é o governo Bolsonaro e seu descaso com o meio ambiente. Dele decorrem não apenas alterações climáticas negativas para o setor, mas no curto prazo, também boicotes às exportações de produtos das áreas de desmatamento. Apesar da incerteza, o quadro é alvissareiro.

Altivez no Congresso – Opinião | Folha de S. Paulo

Deve-se exigir de candidatos na Câmara e no Senado que não se curvem a Bolsonaro

Por sua natureza, o Legislativo é o mais transparente dos Poderes. Guardam-se menos segredos quando há centenas de parlamentares no Congresso Nacional e nas assembleias estaduais, além de milhares nas câmaras municipais, com mandatos populares, direito a voz e interesses conflitantes.

Tendo mais expostos seus conchavos, privilégios, interesses menores, escândalos e outros desmandos, não espanta que seja também o Poder mais vulnerável ao desgaste perante a opinião pública.

Em pesquisa Datafolha de agosto, o Congresso era tido como ruim ou péssimo por 37% do eleitorado e ótimo ou bom por apenas 17%. Já o Supremo Tribunal Federal obtinha equilíbrio entre reprovação e aprovação, de 29% e 27%, respectivamente, assim como o presidente Jair Bolsonaro, com 34% e 37%, saldo positivo na margem de erro.

Para esta Folha, sem fechar os olhos para condutas viciadas de não poucos deputados federais e senadores, deve-se reconhecer a atuação relevante da atual legislatura —que, até aqui, soube se portar com altivez ante um chefe de Estado empenhado na desmoralização da política e das instituições.

No posto desde 2016, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), atuou como primeiro-ministro de fato em meio à acefalia do Executivo. No Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com menores antagonismo e protagonismo, também honrou a independência da Casa.

Desse modo o Congresso tanto foi capaz de liderar a reforma da Previdência em 2019 e a criação do auxílio emergencial durante a pandemia, sem os quais a situação do país seria muito mais precária hoje, quanto de derrubar medidas provisórias e decretos abusivos, além de responder de público às imprecações de Jair Bolsonaro.

A preservação de tal postura precisa ser tema central nas eleições internas que, em fevereiro, definirão os sucessores de Maia e Alcolumbre. Derrotado, felizmente, um ensaio de manobra jurídica para criar possibilidade de reeleição, cabe agora a parlamentares e sociedade exigir compromissos dos candidatos às duas presidências.

Deve-se questionar Arthur Lira (PP-AL), alvo de ações penais no STF e candidato de Bolsonaro ao comando da Câmara —sem poupar seu adversário, Baleia Rossi (MDB-SP), que ademais deve responder por suspeitas de malfeitos passados, e os postulantes do Senado, onde o presidente indica apoio a Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Um Congresso mais subserviente ao Planalto seria, a esta altura, grave retrocesso no amadurecimento democrático. Nem é oposição o que se cobra; trata-se de não permitir que uma instituição se apequene em nome de algum pragmatismo míope e mesquinho.

Novo ciclo – Opinião | Folha de S. Paulo

Vacinação melhora perspectiva de retomada no mundo, mas inclusão ainda é desafio

O ano se inicia com o trágico agravamento da pandemia em boa parte do mundo, novas medidas de distanciamento social e riscos de uma recaída recessiva.

Em contrapartida, vai se firmando a perspectiva de vacinação em massa nos próximos meses, que deve abrir espaço para uma retomada consistente da atividade econômica a partir do segundo semestre. As projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto global têm sido revisadas para melhor.

Depois de uma queda estimada em 4,3% no ano passado, pode haver expansão de pelo menos 4% neste 2021, segundo as projeções do Banco Mundial. A liderança está com a China, que já recuperou o nível de atividade anterior à crise e deve crescer cerca de 8%.

O quadro também é auspicioso nos Estados Unidos. Com a vitória de Joe Biden na eleição presidencial e o controle democrata do Senado, aumenta a chance de novos estímulos econômicos a curto prazo.

O pacote fiscal de US$ 900 bilhões aprovado no fim do ano passado poderá ser suplementado com mais transferências de renda a famílias. As projeções mais recentes apontam para alta do PIB superior a 4% em 2021 e significativa queda da taxa de desemprego.

Do lado monetário, o Federal Reserve indica que manterá os juros em zero por alguns anos. Ainda que em velocidade menor, também haverá retomada na Europa.

Com ampla ociosidade de recursos, farta disponibilidade de mão de obra e política econômica favorável, o mundo poderá iniciar um novo ciclo de crescimento.

A perspectiva parece positiva, mas o desafio está na distribuição dos frutos dessa nova fase que se avizinha. A crise afetou sobretudo os mais pobres e agravou a desigualdade social.

Mais do que estímulos tradicionais que tendem a beneficiar o topo da distribuição de renda, as políticas dos próximos anos devem se preocupar com a estagnação das classes de renda baixa e média que caracterizou as economias ocidentais na últimas décadas.

Como indica a acensão de líderes populistas no período recente, as consequências do fracasso em conceber uma nova agenda distributiva podem ser dramáticas.

Felizmente se encerra o turbulento período de Donald Trump, mas há outros como ele pelo mundo a ameaçar valores civilizatórios. A melhor forma de lhes tirar o palanque é um modelo econômico mais inclusivo e sustentável.

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