BC
está dividido sobre retirada de estimulo extraordinário
Os
membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco central estão
divididos sobre quando começar a retirar o estímulo monetário extraordinário
injetado na economia na pandemia. Dependendo de quem ganhar a disputa, os juros
básicos, hoje em 2% ao ano, podem começar a subir já no mês que vem - ou o
aperto poderá ficar para mais adiante, em maio ou mesmo apenas no segundo
semestre.
De
um lado, estão os chamados “operadores”, como são conhecidos os membros do
Copom que vieram das mesas que fecham negócios no mercado financeiro. Eles
defendem olhar mais dados econômicos sobre a pandemia, a atividade econômica e
a política fiscal antes de decidir os próximos passos. Na última reunião do
Copom, há duas semanas, foram vitoriosos.
O
líder dos “operadores” é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que antes de
assumir o cargo era responsável pela tesouraria global para as Américas do
Santander. Outro membro é diretor de política monetária do BC, Bruno Serra
Fernandes, que foi o sênior vice-presidente responsável pela mesa de renda fixa
do Itaú Unibanco. Por serem menos inclinados a retirar estímulos, formam a
chamada ala “dovish”, expressão em inglês que deriva da palavra pombo.
O grupo conservador é formado pelos “economistas” do Banco Central, assim chamados por suas credenciais acadêmicas. São três membros ou mais do Copom, e o único nome conhecido é o do diretor de política econômica do Banco Central, Fabio Kanczuk, que foi economista de consultorias e instituições financeiras. Eles defendem, basicamente, que os estímulos monetários injetados na economia no início da pandemia já cumpriram seus objetivos de evitar uma queda muito forte da inflação e a desancoragem das expectativas de inflação do mercado. São a ala “hawk” (em inglês, falcão), neste momento inclinada a subir os juros básicos.
A
divisão foi comunicada pelo próprio Copom em ata da semana passada. Já a
descrição dessas duas alas - economistas e operadores - feita por Kanczuk, que
conversou com 28 representantes do mercado em cinco reuniões. Não se trata,
propriamente, de um racha no Copom, nem que operadores sejam sempre “dovish” e
economistas, “hawk”. Até fins de dezembro, Kanczuk estava muito convicto de que
os juros baixos, em 2% ao ano, poderiam vigorar por muito tempo. No começo do
ano passado, os operadores estavam cautelosos em dar estímulos monetários muito
fortes, receando uma reação negativa dos mercados.
As
divisões entre os membros do Copom são comuns e fazem parte das discussões
sobre política monetária. O BC, desde o ano passado, passou a detalhar mais as
visões sobre tópicos discutidos, e não apenas a decisão final sobre os juros.
Essa atitude mais transparente causou ruídos no mercado, que achou que o fato
de alguns membros do Copom terem defendido uma sinalização explícita de alta de
juros para março seria um compromisso de que, de fato, o BC vai subir os juros
em março.
Os
membros do Copom também passaram a expressar, nas suas conversas com o mercado,
as suas próprias visões. O modelo é um pouco inspirado nos Estados Unidos, onde
os integrantes do Federal Reserve (Fed) dizem o que pensam. O mercado lê a
inclinação do comitê de acordo com o que fala cada um.
O
grupo de economistas acha que o estímulo monetário extraordinário cumpriu o seu
papel. Quando decidiu que seria preciso agir grande, em maio passado, a
inflação projetada para 2020 era de apenas 1,6%, bem abaixo do piso da meta, de
2,5%. O ano terminou com 4,52%, acima do centro da meta, de 4%. Os economistas,
então, esperavam uma recessão de 6,5% no ano passado, que deverá ser menos
intensa, de 4,3%, segundo as estimativas mais recentes. As expectativas de
inflação estavam caindo abaixo da meta e, hoje, estão reancoradas. Eles querem
que o BC comece a levar os juros de volta aos 4,25% ao ano de antes da pandemia.
Ainda assim, o juro real ficará em menos de 1% e seguirá estimulando a
economia.
Já
os operadores concordaram com o início do fim dos estímulos, o que foi feito
como fim do “forward guidance”, que era a promessa de não subir os juros tão
cedo. Mas querem ver mais dados antes de prosseguir. Campos Neto, num evento
público, colocou-se no lado mais otimista sobre a segunda onda da pandemia.
“Sei que tem novas cepas [do vírus], tem muita gente que vive de puxar um pouco
para o lado pessimista”, disse, ponderando que “há uma luz no fim do túnel,
embora não se saiba o tamanho do túnel”, com a vacinação dos mais idosos. De
qualquer forma, reconheceu, é preciso ver como a pandemia vai pesar na economia
neste primeiro trimestre - que, segundo ele, já está sofrendo com a retirada
dos estímulos fiscais feitos no ano passado, como o auxílio emergencial.
As
duas alas do Copom discordam sobre o grau de ociosidade do mercado de trabalho,
com os economistas apontando aumento no emprego com registro em carteira e os operadores
olhando dados de emprego mais amplos, incluindo informais. Nenhum desses dados,
porém, é perfeito. As demissões no mercado formal, por exemplo, podem estar
represadas com a medida que reduziu a jornada em troca de garantia do emprego.
O
ponto central na controvérsia, entretanto, é a visão de operadores e
economistas do BC sobre a política fiscal. “O fiscal é o que vai dar o campo de
manobra para o Banco Central agir na política monetária”, disse Campos Neto. Os
economistas veem a política fiscal como um risco contínuo - a cada dia que as
chances de descontrole das contas publicas aumentam, piora o cenário
inflacionário, e o BC deve reagir já. Os operadores enxergam um risco discreto,
ou binário, em que o fiscal pode tanto ir para o brejo quanto ir a um bom
caminho.
O presidente do BC tem manifestado esperanças. “Achamos que temos uma janela de oportunidade depois da eleição da [presidência da] Câmara para apresentar um grupo de reformas”, afirmou. “O ministro [da Economia] Paulo Guedes tem falado sobre isso. Acho claramente pode levar a uma saída.”
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