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Folha de S. Paulo
O
alinhamento entre voto e identidade produz mundos que não se comunicam
É
quase consenso entre analistas nos EUA que a polarização política no país é
alimentada pela sobreposição
entre identidades sociais e partidos políticos, em processo que se
estendeu por pelo menos algumas décadas. Entre nós, há evidências que processo
semelhante tenha começado a ocorrer.
Nos EUA, segmentos sociais específicos que partilham da mesma identidade
racial, religiosa ou sexual, por exemplo, escolhem o mesmo partido político.
Trata-se de fenômeno novo e complexo. O inverso também tem ocorrido: a escolha
da denominação religiosa é também moldada pela orientação política, ou seja,
ela é "endógena",
para usar o jargão. O que é contraintuitivo, porque assume-se que trata-se de
escolha radical, irredutível às demais.
Nos EUA, havia uma clivagem regional relevante que produzia relações cruzadas
entre identidades e política. A população branca no sul, para utilizar um
exemplo clássico, era fundamentalmente democrata. A população negra no resto do
país também votava proporcionalmente muito mais no partido republicano. O quadro
atual é de inédito alinhamento que produz dois mundos que não se comunicam.
Há
um certo consenso também que na América Latina, com algumas exceções, a
sobreposição de identidades e preferências partidárias não ocorre.
Raça e religião, por exemplo, tipicamente não determinam historicamente o
padrão de voto, que é marcado por outras clivagens, de natureza socioeconômica
ou territorial (c ampo-cidade). Mas há evidências de que nas eleições
presidenciais de 2018 o nosso padrão pode ter mudado.
Baseados
em um painel original com cinco ondas de "surveys" em 2018/2019,
Layton et al. encontraram
claras clivagens no padrão de voto por gênero, raça e religião.
Controlando por renda e nível educacional, dentre outros fatores, a
probabilidade estimada de uma mulher votar em Bolsonaro é 6 % menor do que a de
um homem; a de uma pessoa negra de 30% menor em relação a de uma branca;
enquanto que para evangélicos ela se eleva em 36% em relação ao grupo de
referência. O que importa sublinhar é que o fenômeno parece ser inédito.
O baixo enraizamento social dos partidos e a hiperfragmentação faz com que não
seja possível identificar bases partidárias claras, mas a clivagem pode ser
observada grosso modo entre posições no espectro ideológico.
Essas tendências estruturais no eleitorado não explicam resultados eleitorais
porque a política não se reduz ao lado da demanda. Eleições são escolhas, ao
fim e ao cabo, de natureza binária, entre alternativas que são moldadas pelo
sistema partidário e regras eleitorais. Mas estas tendências importam, e suas
consequências poderão ser críticas no futuro.
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