Eduardo
Salgado / O Globo
SÃO
PAULO — Para o professor sênior de Sociologia e Política do Insper Carlos Melo,
a possível vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência
da Câmara deve sacramentar uma aliança cujo principal objetivo é a “blindagem
para evitar um eventual processo de impeachment”. Leia a entrevista com o
sociólogo:
Qual é o
tamanho do favoritismo de Arthur Lira, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro,
em relação a Baleia Rossi (MDB-SP), do grupo do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ)?
As
promessas do governo de liberação de recursos e reforma ministerial indicam uma
vitória de Lira. Mas é claro que existem movimentações de última hora. Como é
uma votação secreta, pode haver traições.
Na
campanha de 2018, Bolsonaro prometia não fazer o que ele chamava de “velha
política”. O apoio do presidente a Arthur Lira, expoente do centrão, configura
uma quebra de promessa de campanha?
Certamente.
Bolsonaro está mordendo a língua. É um estelionato eleitoral. O apoio mostra a
inconsistência daquele discurso demagógico. E, em virtude disso, a aliança com
o centrão aumenta o desalento em relação aos políticos e ao sistema político. O
fisiologismo, desprovido de programa, não tem freio. Quando ouço promessas de
acesso a recursos e ministérios, pergunto: a troco de quê? Em troca de
blindagem para evitar um eventual processo de impeachment e para proteger os
filhos. No máximo, um projeto de poder exclusivamente eleitoral. Não se discute
como superar essa crise econômica, social, política e sanitária.
A agenda
do governo, inclusive a ideológica, ganha fôlego no caso da vitória de Lira?
O governo não vai aprovar tudo o que quiser. Quando a prática é fisiológica, cada nova votação exige nova negociação e concessão de recursos. Não há fidelidade. Há interesses cruzados. O centrão não devota essa fidelidade a ninguém. Cada parlamentar do centrão é fiel a si mesmo. O desgaste popular do presidente e do sistema tende a continuar. O ex-presidente Tancredo Neves tinha uma frase ótima: “O político vai com o outro até a sepultura, mas não se joga”.
Como
essa união entre o governo e o grupo que apoia Lira deve impactar a base de
apoio do presidente?
Vamos considerar que o apoio a Bolsonaro seja de um terço do eleitorado. Dentro desse grupo, há uma parcela de extrema direita, que sempre existiu no Brasil. Algo em torno de 15% do eleitorado, talvez. Esse grupo Bolsonaro não perde. Outro setor que ainda está com o presidente são os ultraliberais, que se frustram e se descolam à medida que as respostas para a economia não vêm. Há também um grupo que apoia o presidente por causa do auxílio emergencial, cuja tendência natural é diminuir. Por fim, há os antipetistas. A corrosão do apoio pode, sim, chegar num ponto em que acabe a blindagem popular. Isso aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Quais
serão os fatores de definirão a longevidade do casamento entre o governo e o
centrão?
Enquanto
houver uma expectativa de um projeto de poder, o centrão estará com o
presidente. O objetivo é ter acesso continuado a recursos públicos. A meta é a
reeleição de Bolsonaro e de cada parlamentar do grupo. A eventual eleição de
Lira sela o abraço institucional de Bolsonaro no centrão. Agora, se a
popularidade do presidente cair e a possibilidade de poder se dissipar, o
centrão vai abandonar o navio. Se o país quiser sair dessa crise, vai precisar
de uma agenda que exige três quintos dos parlamentares nas duas casas do
Congresso, além do apoio da sociedade. Essa maioria é necessária para fazer
reformas, criar impostos e reeditar o auxílio emergencial, o que me parece
inevitável. Conseguir 257 deputados para eleger o Lira é uma coisa. Chegar a
308 votos na Câmara e 49 no Senado para mudar a Constituição é completamente
diferente.
O senhor
acredita no apoio voluntário dessa base que sustenta a candidatura de Arthur
Lira às reformas?
O
que interessa para eles é a dependência de Bolsonaro. Temos um presidente
corporativista e sem habilidade política, que amaldiçoa a política, com uma
base que demoniza o centrão. Se, lá na frente, Bolsonaro recuperar o apoio
popular e plenas condições de governabilidade, quem garante que ele não
abandonará seus novos amigos?
Em que
medida o sucesso no enfrentamento da pandemia afeta a relação entre o
presidente o Congresso?
A
pandemia está sem controle. A chance de estancá-la a médio prazo é pequena. O
desemprego e o desalento estão elevados e, com o fim do auxílio emergencial,
devem aumentar. A pressão por medidas imediatas será muito forte. Já no
Congresso, o processo de negociação do fisiologismo é lento porque os recursos
são escassos. Uma das possibilidades é que o presidente venha a ter novos
abalos na popularidade. Quando o apoio popular cai, a governabilidade mingua.
Um influencia o outro. Quanto menos apoio popular Bolsonaro tiver, maior o
poder de barganha do centrão. Isso se mantém até que exista oxigênio para
combustão. Se acabar o oxigênio, é possível que um processo de impeachment seja
votado ou que o Centrão decida não entrar no barco da reeleição de Bolsonaro.
E se
Baleia reverter as previsões e ganhar a disputa na Câmara?
Com o Baleia, há um elevado grau de fisiologismo também, mas não da mesma ordem do de Lira. Não tenho ilusão. Baleia não é um estadista. Também não creio que iria facilmente para o impeachment. Mas é verdade que Maia construiu uma agenda, e Baleia poderia ser sua continuidade. Uma agenda de defesa da autonomia do Congresso e da permanência de um núcleo reformista. Maia surpreendeu no período em que esteve no comando da Câmara, salvando Bolsonaro do desastre que o próprio presidente construía. A reforma da Previdência era necessária e foi feita por Maia, a despeito de Bolsonaro. O auxílio emergencial também saiu do Congresso. Com Baleia, a agenda de costumes do presidente não teria chance e haveria algum ambiente para reformas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário