A Constituição exige do Congresso um papel comprometido com o interesse público. É hora de preservar a independência e a autonomia do Legislativo.
Hoje
se cumpre um rito da máxima importância para o País: as eleições das Mesas
Diretoras das duas Casas legislativas. “No terceiro ano de cada legislatura, em
data e hora previamente designadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados,
antes de inaugurada a sessão legislativa e sob a direção da Mesa da sessão
anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da mesa e
dos Suplentes dos Secretários”, estabelece o Regimento Interno da Câmara dos
Deputados.
Os
presidentes da Câmara e do Senado têm importantes atribuições. Cabe-lhes, por
exemplo, velar pelo respeito às prerrogativas das respectivas Casas e às
imunidades dos parlamentares. São, assim, especiais garantidores da
independência institucional estabelecida pela Constituição no seu segundo
artigo: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Parte
relevante das competências dos presidentes da Câmara e do Senado refere-se à
pauta e ao funcionamento das sessões legislativas. Por isso, a funcionalidade,
a agilidade e a responsabilidade do Legislativo estão diretamente relacionadas
ao modo como os presidentes de cada Casa trabalham.
A
Constituição também estabelece que, “em caso de impedimento do Presidente e do
Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente
chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do
Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.
Ante tão graves obrigações, impõe-se uma constatação. O patamar moral e cívico dos presidentes de cada Casa deve ser especialmente alto. Não deve pairar nenhuma dúvida ou sombra sobre suas trajetórias políticas e menos ainda sobre seus compromissos futuros. Por exemplo, um presidente da Câmara ou do Senado conchavado com o Executivo estaria renegando o juramento, feito no dia de sua posse como deputado ou senador, de defender a Constituição.
A
presidência das Casas legislativas exige altivez. A harmonia constitucional não
é submissão. Para o tão necessário equilíbrio institucional, é preciso que cada
Poder seja de fato independente, sem conchavos e sem amarras.
“O
Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal”, dispõe a Constituição. E o Regimento
Interno da Câmara estabelece, por exemplo, que o seu presidente, além de
supervisionar os trabalhos e a ordem da Casa, representa a Câmara quando ela se
pronuncia coletivamente. Quem ocupa o cargo já não fala apenas em nome de seus
eleitores ou de seu partido, ou mesmo de um grupo de deputados. O mesmo se dá
no Senado. Ou seja, as duas presidências não são cargos talhados para quem
pratica a política pequena.
Mais
do que eventual afinidade de interesses políticos, os votos que deputados e
senadores darão hoje devem expressar, assim o exige a Constituição, compromisso
com a independência e a autonomia do Congresso. Não cabe ignorar a insistente e
despudorada tentativa do Palácio do Planalto de colocar o Legislativo de
joelhos, como se vassalo fosse.
O
País acompanha muito de perto as sessões de votação de hoje. São tempos
difíceis, nos quais o Congresso tem a responsabilidade de enfrentar com
determinação os problemas e entraves nacionais.
Há
importantes reformas a serem realizadas. Há urgência de um novo equacionamento
das contas públicas. Existem muitas frentes – na educação e saúde,
especialmente – à espera de lideranças públicas competentes. E há, como poucas
vezes se viu, a premente necessidade de um Poder Legislativo que exerça, sem
descanso e sem hesitação, o seu dever constitucional de fiscalização e controle
do Executivo.
Não
merece voto, portanto, quem, de antemão, já prometeu ficar calado – assegurou
encolhimento – perante os arroubos, confusões e omissões do presidente da
República. A Constituição exige do Congresso outro papel, muito mais nobre,
responsável e comprometido com o interesse público. É hora de preservar a independência
e a autonomia do Legislativo.
O legado de uma estadista – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como
nunca.
“Nada de experimentos.” Com este lema, Konrad Adenauer, o primeiro chanceler da Alemanha ocidental pós 2.ª Guerra e principal artífice de sua reconstrução, conseguiu sua vitória eleitoral mais robusta em 1957. Este anseio por estabilidade se fez sentir de novo agora, quando o seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), que governou a Alemanha por 50 dos últimos 70 anos, elegeu como seu líder Armin Laschet, o candidato mais alinhado à chanceler Angela Merkel. A era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como nunca.
Desde
que assumiram o comando em 2005, Merkel e o CDU consolidaram a posição da
Alemanha como a principal economia da Europa, com finanças públicas sólidas e
baixas taxas de desemprego. Primeira chanceler mulher da Alemanha, ela é a
líder mais longeva da União Europeia (UE), foi frequentemente descrita como a
sua líder de facto e também como a mulher mais poderosa do mundo e,
após a eleição de Donald Trump, a “líder do mundo livre”.
O
prestígio não foi conquistado em águas calmas. Ela enfrentou o colapso financeiro
de 2008, a crise dos refugiados, o Brexit e agora a pandemia, mas, em contraste
com seus pares – pense-se, por exemplo, nos destinos de Gordon Brown, David
Cameron e Theresa May, no Reino Unido, ou Nicolas Sarkozy, François Hollande e
Emmanuel Macron, na França –, a cada provação ela emergiu mais forte.
Na
política externa, ela enfatizou a necessidade de cooperação internacional,
fortalecendo os laços com a UE e a Otan. Na crise da dívida europeia, arriscou
o dinheiro alemão, mas manteve a estabilidade do euro. Merkel liderou a UE nas
sanções à Rússia após a anexação da Ucrânia e na crise dos refugiados se
posicionou firmemente, quase sozinha, em nome dos valores europeus, recebendo
mais de 1 milhão de exilados.
Em
um perfil de Merkel, a revista The Economist delineou três marcas de
sua gestão: ética, não ideológica; reativa, não programática; e desapegada, não
engajada. “Sua fé luterana (‘uma bússola interior’) se expressa em seu estilo
discreto e seus instintos: a dívida é ruim; ajudar os necessitados é bom.” Como
disse seu colega do CDU Jens Spahn, “ela trabalha como uma cientista: lê muito,
pondera os fatos e não tem preconceitos”. Merkel sempre mantém as opções
abertas e evita polarizar os debates. “Sou um pouco liberal, um pouco
social-cristã, um pouco conservadora”, definiu-se ela. Para a revista Der
Spiegel, ela é inescrutável como as “esfinges, divas e rainhas”.
Com
essas qualidades pessoais, ela transformou a aliança da CDU com a União Social
Cristã (CSU) numa máquina eleitoral, conduziu a coalizão com os
social-democratas e, a um tempo, ganhou a confiança dos conservadores e
promoveu políticas caras ao progressismo liberal, como a abolição do serviço
militar compulsório, o fechamento das usinas nucleares, o casamento gay e a
assistência aos desfavorecidos.
A
vitória de Laschet sobre Friedrich Merz mostra que o CDU optou por manter a
orientação ao centro ao invés de uma guinada incerta à direita. As pesquisas de
opinião estão massivamente a seu favor. Mas ele terá de manter a unidade e a
integridade de seu partido, após flertes temerários nas coalizões regionais
tanto com a extrema direita quanto com a extrema esquerda, e possivelmente
precisará costurar uma aliança com os verdes, em ascensão, enquanto seus
aliados tradicionais na centro-esquerda, os social-democratas, sofrem contínuo
desgaste. Laschet é mais simpático aos verdes do que Merz, mas, por causa das
suas relações com a indústria do carvão, não está tão perto daquele partido
para disputar as eleições de setembro.
Com
a saída de Merkel, as democracias liberais perderão uma protagonista decisiva
no teatro global. Em tempos de ascensão do populismo, sua trajetória à frente
de seu partido e de seu país são um exemplo de estabilidade, pragmatismo e
decência. Laschet herda esse rico legado. Mas ainda terá de se mostrar capaz de
colher seus frutos.
A tempestade perfeita – Opinião | O Estado de S. Paulo
A
combinação mortal de nova cepa do vírus, um presidente irresponsável e cidadãos
descuidados.
O Brasil se encontra em um ponto muito perigoso da trajetória da pandemia de covid-19, talvez o mais perigoso desde julho do ano passado. Está em formação uma tempestade perfeita que poderá levar o País a experimentar um dramático aumento do número de casos e mortes em decorrência da doença nos próximos meses.
Não
se pretende aqui alarmar a população, já angustiada o bastante, mas sim exortar
as chamadas autoridades, em especial do governo federal, a cumprirem seu dever
constitucional de zelar pela saúde pública e despertar a consciência cidadã para
evitar o recrudescimento de uma tragédia que voltou a matar mais de 1,2 mil
brasileiros por dia. É inaceitável conviver com isso. Achar normal um patamar
de letalidade como esse é aceitar nossa morte como nação.
Três
fatos concomitantes compõem a tal tempestade perfeita: 1) circula no País uma
nova cepa do coronavírus que é potencialmente mais infecciosa, a variante P.1,
identificada pela primeira vez em Manaus (AM); 2) a atuação tíbia do Ministério
da Saúde, sob as ordens do presidente Jair Bolsonaro, sabotador de primeira
hora de todos os esforços para frear o avanço da doença no Brasil; 3) a
irresponsabilidade de muitos cidadãos, que a cada dia parecem mais convencidos
de que, se a pandemia não acabou, também já passou o tempo das medidas
restritivas e é hora de “voltar a viver a vida”.
Cientistas
do Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e
Epidemiologia de Arbovírus (Cadde), que conta com pesquisadores da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicaram um estudo no dia 16
passado que revela que a variante P.1 do novo coronavírus tem maior potencial
de transmissão.
No
dia 27, outro grupo de pesquisadores, oriundos da Universidade de Oxford, do
King’s College de Londres, da Universidade Harvard e do Instituto de Medicina
Tropical da USP, publicou um artigo apontando a variante P.1 como uma das
causas mais prováveis do vertiginoso aumento de casos de covid-19 na capital
amazonense, o que contribuiu para levar o sistema de saúde da cidade ao
colapso.
A
precariedade da testagem e rastreamento de casos no Brasil impede a
identificação de outros casos da variante P.1 no País. Sabe-se que apenas em
São Paulo, Estado com a melhor infraestrutura para diagnóstico, houve ao menos
três casos. Não é improvável que a nova cepa já esteja em circulação em outros
Estados.
Em
entrevista à TV Cultura, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertou
que o País corre um sério risco de ter uma “megaepidemia” de covid-19 nos
próximos dois meses por conta da circulação da variante P.1, que já está
presente em 90% dos casos da doença em Manaus. “O mundo inteiro está fechando
os voos para o Brasil e o Brasil está não só aberto normalmente, como está
retirando pacientes de Manaus e mandando para Goiás, para a Bahia, mandando
para outros lugares sem os bloqueios de biossegurança”, disse Mandetta.
Enquanto
isso, aprisionado pelas grades de seus interesses particulares, o presidente
Jair Bolsonaro segue imperturbável diante das aflições dos brasileiros. Na
última edição de sua live semanal, Bolsonaro recomendou que a
sociedade precisa “aprender a conviver com a covid-19”. “Eu lamento as mortes,
antes que falem que eu sou insensível”, disse, “mas temos que conviver com esse
problema.” Até a quinta-feira passada, quando a famigerada live foi
ao ar, o “problema” já tinha causado a morte de 221.676 brasileiros. O que se
pode esperar de um governo encabeçado por alguém com esta índole?
É
justamente diante da incúria e da brutal insensibilidade de agentes do Estado –
muitos dos quais ainda haverão de responder pelos crimes que estão cometendo
contra a saúde pública – que deve prevalecer a responsabilidade individual dos
cidadãos. Aproxima-se o carnaval e teme-se pela falta de cuidado de muitas
pessoas dispostas a ignorar as medidas de prevenção, o que já tem ocorrido em
boa medida.
Jair
Bolsonaro já basta como embaixador da morte.
Lições práticas da vida para um presidente – Opinião | O Globo
Diante
da liberação pela China de insumos para vacina, Bolsonaro se vê obrigado a
fazer jus ao cargo
Jair
Bolsonaro completou metade do mandato agindo quase como chefe de grupo
extremista recrutando adeptos nas redes sociais. Nas últimas semanas, porém,
tem enfrentado uma série de problemas que começam talvez a ensinar-lhe a
diferença entre comportar-se como líder político de uma falange radical e
exercer a Presidência da República.
Numa
atitude que faz jus à liturgia do cargo, Bolsonaro viu-se obrigado a ensaiar
reverências à China pelo desembaraço de uma remessa retida por Pequim do
principal insumo da Coronavac, a vacina que o Instituto Butantan produz em São
Paulo numa parceria com a chinesa Sinovac.
Impossível
não relacionar o caso à série de ataques que ele próprio, o chanceler Ernesto
Araújo e um séquito de bolsonaristas fizeram aos chineses, numa imitação
canhestra das diatribes de Donald Trump, deidade máxima no universo do
nacional-populismo. Fustigar o principal parceiro comercial do país e um dos
fornecedores mundiais de imunizantes contra a Covid-19 não passou de
irresponsabilidade, como os fatos posteriores deixaram claro.
Ao
comunicar em rede social a liberação da carga dos chineses e também de um lote
da vacina da Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia, Bolsonaro fez questão de
fazer elogios a dois dos maiores equívocos de seu governo, responsáveis pela
série ininterrupta de trapalhadas que têm atrasado a vacinação no Brasil:
Araújo e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
Além
de integrar a inconcebível artilharia verbal contra os chineses, Araújo
patrocinou uma rusga gratuita com a Índia. Numa discussão na OMC, foi contra a
proposta indiana e sul-africana para quebra de patentes que facilitassem o
acesso a vacinas, drogas e insumos usados no combate à pandemia. Por coerência,
o Brasil deveria ter apoiado seus dois parceiros de Brics, pois liderou o grupo
que se bateu em organismos multilaterais, com sucesso, pela quebra da patente
dos antivirais usados contra a Aids.
O
governo depois se viu na posição desconfortável de aceitar ajuda de políticos
experientes para conseguir a liberação das vacinas. No caso da China, precisou
pedir que o ex-presidente Michel Temer interviesse. No lado do Congresso,
Rodrigo Maia agendou audiência com o embaixador chinês, Yang Wanming, para
tentar apagar o incêndio.
Pazuello,
general que nenhum governante dotado de um mínimo de bom senso colocaria no
cargo que ocupa, responde a inquérito aberto no Supremo, a pedido do
procurador-geral da República, Augusto Aras. A investigação apura responsabilidades
pela tragédia de Manaus, onde infectados pelo novo coronavírus morreram
asfixiados em virtude da falta de oxigênio na cidade e no interior do Amazonas,
apesar de o ministro ter sido avisado do risco. A nomeação desse general de
Brigada, pretensamente especializado em logística, quando a disseminação da
pandemia ganhava velocidade no ano passado, foi obra daquele Bolsonaro chefe de
facção política radical.
Nada
garante que o Bolsonaro presidencial, com o pragmatismo recém-demonstrado
diante da China, vá prevalecer. A personalidade do presidente sugere que deverá
repetir os mesmos erros. Mas as crises que tem produzido na saúde e na
diplomacia, com reflexos negativos na economia, pelo menos têm lhe dado a
chance de saber como não ser um presidente da República.
Nova política ambiental de Biden expõe equívocos de Bolsonaro – Opinião | O Globo
Ao
fazer da questão climática prioridade diplomática, Estados Unidos deixam Brasil
mais isolado
O
presidente americano, Joe Biden, superou a expectativa criada em torno de sua
política ambiental. Não apenas pôs os Estados Unidos de volta no Acordo de
Paris, mas baixou na semana passada uma série de decretos que mudarão
drasticamente a atitude americana diante das mudanças climáticas e obrigarão os
demais países — inclusive o Brasil — a também rever o próprio papel.
O
governo americano investirá numa frota de veículos elétricos e criará uma rede
de postos de eletricidade espalhada pelo país. Das terras, lagos e rios de
propriedade federal, 30% serão reservados a preservação. Foram suspensas novas
concessões para exploração de petróleo e foi cancelada a construção do
controverso oleoduto ligando o Canadá ao Texas. Espera-se que amplie o
compromisso de emissão de gases de efeito estufa firmado em Paris, de 28% para
40% ou 50% até 2030.
Não
tardou a haver reação da oposição republicana e dos estados cuja economia
depende da extração de carvão e petróleo. Biden tenta compensar o impacto
negativo apostando nos negócios baseados em energia limpa. Em seu decreto,
repete a palavra “empregos” 15 vezes. Só na indústria automotiva, quer criar um
milhão de novos postos de trabalho (meta considerada exagerada por quem
acompanha o setor).
Para
os ambientalistas, Biden transmite um sinal cristalino de que suas vozes serão
doravante levadas a sério. Sobretudo porque, mais surpreendente do que a aposta
econômica, foi a mudança de status político que deu à questão climática,
tornada prioridade tanto para a segurança nacional quanto para a política
externa.
A
principal dúvida despertada entre os analistas internacionais é o impacto da
nova política ambiental na relação dos Estados Unidos com os centros produtores
de petróleo no Oriente Médio, em especial com a Arábia Saudita, país com que
Donald Trump fez questão de desenvolver um relacionamento estreito. Para o
Brasil, ela expôs ainda mais os erros cometidos pelo governo Bolsonaro.
O
incentivo do ministro Ricardo Salles às queimadas e à devastação da Amazônia
sempre foi nocivo ao meio ambiente, contribuindo para agravar o aquecimento
global. Também dificulta as exportações de produtos agrícolas. Agora, põe o
Brasil em confronto aberto com o país mais poderoso do planeta e nosso segundo
maior parceiro comercial.
Certamente
a política ambiental de Biden não é bom augúrio para Bolsonaro, Salles e
companhia. Além do enfrentamento recorrente com a União Europeia, o Brasil fica
ainda mais isolado na cena internacional. Ao mesmo tempo, se os americanos
souberem exercer pressão diplomática de modo construtivo — como Biden sugeriu
num debate ainda na campanha, quando falou na criação de um fundo para
financiar a preservação da Amazônia —, poderá ser uma oportunidade para deter a
devastação dos biomas brasileiros, fortalecer a economia baseada em energias
renováveis, contribuir para conservar o clima da Terra e salvar o planeta da
catástrofe ambiental.
Risco de servilismo – Opinião | Folha de S. Paulo
Um
comando do Congresso subserviente a Bolsonaro representaria grave retrocesso
Jair
Bolsonaro voltou ao jogo da
política tradicional no ano passado, quando se viu encurralado
pelas investigações sobre os negócios de sua família em meio à pandemia do
coronavírus e ao aprofundamento de uma recessão.
Sentindo
que seu pescoço estava a prêmio, o presidente abandonou o discurso adotado na
campanha eleitoral e retomou a negociação de cargos e verbas com partidos que
dão as cartas no Congresso, como fizeram seus antecessores.
O
objetivo principal sempre foi criar uma barreira de contenção para garantir seu
mandato, reunindo uma base de apoio que, mesmo minoritária, tivesse número
suficiente para impedir o avanço de um processo de impeachment.
A
estratégia foi bem-sucedida até aqui, e o mandatário decerto espera coroá-la
nesta segunda (1º), com as eleições
que renovarão a liderança das duas Casas legislativas.
Bolsonaro não faz segredo de seu endosso a Arthur Lira (Progressistas-AL), que concorre à presidência da Câmara dos Deputados, e a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), postulante no Senado, que contam com o Planalto na cooptação de aliados.
Os
principais adversários, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a senadora Simone
Tebet (MDB-MS), tiveram defecções em suas fileiras. Trata-se de cenário
inquietante.
Embora
não tenha faltado apoio para uma agenda reformista no período em que Rodrigo
Maia (DEM-RJ) presidiu a Câmara, quando se aprovou a reforma da Previdência, os
desentendimentos entre ele, Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes,
inviabilizaram outras iniciativas desde então.
Mais
importante, Maia foi sustentáculo da postura altiva com que o Congresso
enfrentou os rosnados autoritários de Bolsonaro, seja ao rejeitar decretos e
medidas provisórias abusivas, seja ao responder a ataques abertos aos Poderes.
Deixa ao sucessor a tarefa de deliberar sobre dezenas de pedidos de impeachment
do chefe de Estado.
Um
presidente da República cioso de suas responsabilidades saberia aproveitar a
situação favorável para negociar uma pauta ambiciosa, que possa colocar as
contas do governo em ordem e restaurar a confiança na economia.
Entretanto
Bolsonaro já demonstrou à farta que a agenda do país está em segundo plano, se
tanto, neste governo. Sua conduta se pauta tão somente por dar vazão aos
anseios raivosos de seguidores extremistas e safar-se de responder por
desmandos em série, dos quais os cometidos na gestão da pandemia são apenas os
mais recentes.
Sobram,
pois, razões para temer os riscos envolvidos nas eleições desta segunda. Um
Congresso subserviente ao Planalto —com o que parecem acenar os candidatos
patrocinados por Bolsonaro, em particular Arthur Lira— representaria um
retrocesso intolerável.
Sem margem de erro – Opinião | Folha de S. Paulo
Com
explosão da dívida, governo não tem escolha além de evitar crise calamitosa
Com
os gastos de combate à pandemia e a queda da receita ocasionada pela contração
da atividade econômica, houve inédita piora das condições orçamentárias do
governo. Pôr as finanças em ordem e reverter a descrença na política fiscal
exigirá esforço ainda mais hercúleo nos próximos anos.
O
rombo nas contas do Tesouro Nacional ficou em R$ 743,1
bilhões em 2020, sem considerar despesas com juros. O legado da
crise é a dívida pública equivalente a 89,3%
do Produto Interno Bruto, alta de 15 pontos percentuais em um ano.
Trata-se
do maior patamar já registrado pelas estatísticas disponíveis e uma das piores
posições entre os países emergentes.
As
consequências são evidentes. A moeda brasileira teve um dos piores desempenhos
no mundo desde o surgimento da pandemia, as taxas de juros de longo prazo
permanecem elevadas e vão se agravando os riscos inflacionários que já levam o
Banco Central a sugerir que poderá elevar os juros.
Se
não há uma fronteira a partir da qual a insolvência se torna inevitável, na
medida em que o financiamento do governo depende da confiança de agentes
privados, é inegável que essa confiança vai escasseando. O governo paralisou as
reformas destinadas a reduzir despesas e tampouco mostra ações de curto prazo.
No
momento em que se discute a volta do auxílio emergencial, tema que poderá se
tornar inevitável apesar das declarações em contrário do presidente Jair
Bolsonaro e de seu ministro da Economia, será necessário indicar de onde poderá
vir o dinheiro.
Qualquer
irresponsabilidade, como simplesmente flertar com o abandono do teto
constitucional para os gastos, levará a uma crise de descrédito ainda maior.
Também
é necessário avançar na agenda de crescimento econômico, sem o qual será
impossível equilibrar as contas a médio prazo. A reforma tributária, por
exemplo, tem o potencial de simplificar os impostos, destravar a produtividade
e aproximar o país das cadeias internacionais de valor.
Pode-se
reverter a desconfiança atual com sinais claros na direção de uma política
econômica mais consistente. Acreditar numa agenda ampla, contudo, não é
realista. Mas não há como fugir do básico para carregar o país até a eleição de
2022 sem uma nova crise fiscal, que a esta altura seria calamitosa.
O futuro da Eletrobras e a agenda de privatizações – Opinião | Valor Econômico
Na
sucessão de Wilson Ferreira Jr., o governo terá a oportunidade de deixar seus
planos mais claros
Mais de metade do mandato de Jair Bolsonaro se passou, sem avanços palpáveis no ambicioso programa de privatizações alardeado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A saída do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., constitui apenas o último baque. Um dos executivos de maior reputação no mercado, ele admitiu que sua baixa expectativa sobre o processo de desestatização da companhia pesou na decisão de renunciar ao cargo.
Vai
aumentando mês a mês, assim, o risco de que Bolsonaro se apresente como
candidato à reeleição, em outubro de 2022, sem nenhuma venda de estatal
relevante para amparar o discurso de frutífero casamento de conveniência entre
liberais na economia e conservadores nos costumes.
Sem
grandes repercussões econômicas, mas simbólica por abrigar emissora outrora
chamada de “TV do Lula”, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) deixou de
estar na lista de privatizações para incluir em sua programação um show de uso
político: abraços ao presidente durante partida da seleção brasileira,
inserções ao vivo com Bolsonaro acenando para motoristas na estrada após a
entrega de obra viária, transmissão de jogo de futebol beneficente em que ele
faz gol e sai comemorando com gestos de arma de fogo.
Menos
alegórica e mais representativa da lentidão na agenda de privatizações são os
Correios. Em agosto do ano passado, a equipe econômica anunciou o envio “nas
próximas semanas” de um projeto de lei, ao Congresso, para regular os serviços
postais e pavimentar o caminho de sua venda. Sabe-se que a noção de tempo não é
uma das principais virtudes de Guedes e que não basta mandar uma proposta ao
Legislativo, é preciso ter sensibilidade para calcular a hora certa das
ofensivas. No entanto, a longa espera pelo encaminhamento do projeto - sem explicações
do governo sobre seu teor - só reforça a imagem de falta de empenho e
desarticulação em torno do tema.
Pouco
se fez também no caso da Trensurb e da Companhia Brasileira de Trens Urbanos
(CBTU), que operam redes de passageiros em seis capitais do país e têm baixa
capacidade para modernizar sua frota - quem dera para ampliar suas linhas - com
recursos públicos.
Juntas,
segundo números da Secretaria de Desestatização do Ministério da Economia,
essas quatro estatais - Correios, EBC, Trensurb e CBTU - receberam aportes ou
subvenções do Tesouro Nacional no valor de R$ 16,6 bilhões entre 2011 e 2020.
Qualquer análise sobre a conveniência de mantê-las como patrimônio da União
deve ser feita à luz desses números.
Comandada
por um executivo consagrado no mercado, que passou quase duas décadas à frente
do grupo CPFL antes de assumi-la em meados de 2016, a Eletrobras melhorou seus
indicadores de forma notável nos últimos quatro anos e meio. Reduziu sua
alavancagem e diminuiu custos operacionais com a venda de distribuidoras
endividadas. Enxugou pela metade sua participação em sociedades de propósito
específico e cortou em 55% seu quadro de pessoal, da forma menos dolorosa
possível, com planos de demissão voluntária.
Desde
2018, a Eletrobras acumula lucro líquido de R$ 29 bilhões. O plano de negócios
quinquenal prevê investimentos de R$ 41,1 bilhões - mais de um terço para a
conclusão da usina nuclear de Angra 3 - até 2025. Apesar da melhoria, é
insuficiente para que ela preserve sua participação de mercado, faça a
transição para o mundo das energias renováveis e atraia os melhores talentos.
Além disso, há restrições de caráter prático, como a renovação da concessão da
hidrelétrica de Tucuruí - que representa 70% das receitas da subsidiária
Eletronorte - ou sua eventual relicitação.
O
governo Bolsonaro gastou quase um ano para enviar ao Congresso um projeto de
lei que praticamente repetia a versão de Michel Temer para autorizar a
privatização da Eletrobras. Demorou mais um ano para reconhecer o óbvio - que
seria preciso retomar pontos como a existência de uma “golden share” - a fim de
tornar a proposta politicamente palatável para parlamentares resistentes ao
assunto.
Na sucessão de Wilson Ferreira Jr., o governo terá a oportunidade de deixar seus planos mais claros. Poderá reforçar a governança corporativa, levando adiante a busca de um executivo de renome por meio de “headhunter”, ou ceder a indicações partidárias. Poderá, ainda, recorrer a um método comum da gestão Bolsonaro: para todo grande problema, uma solução fácil - nomear um oficial das Forças Armadas. Dependendo do caminho escolhido, seria melhor simplesmente redimensionar promessas do passado e abandonar de vez expectativas em torno da agenda de privatizações. Vida que segue.
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