segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A hora do Congresso – Opinião | O Estado de S. Paulo

A Constituição exige do Congresso um papel comprometido com o interesse público. É hora de preservar a independência e a autonomia do Legislativo.

Hoje se cumpre um rito da máxima importância para o País: as eleições das Mesas Diretoras das duas Casas legislativas. “No terceiro ano de cada legislatura, em data e hora previamente designadas pelo Presidente da Câmara dos Deputados, antes de inaugurada a sessão legislativa e sob a direção da Mesa da sessão anterior, realizar-se-á a eleição do Presidente, dos demais membros da mesa e dos Suplentes dos Secretários”, estabelece o Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Os presidentes da Câmara e do Senado têm importantes atribuições. Cabe-lhes, por exemplo, velar pelo respeito às prerrogativas das respectivas Casas e às imunidades dos parlamentares. São, assim, especiais garantidores da independência institucional estabelecida pela Constituição no seu segundo artigo: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Parte relevante das competências dos presidentes da Câmara e do Senado refere-se à pauta e ao funcionamento das sessões legislativas. Por isso, a funcionalidade, a agilidade e a responsabilidade do Legislativo estão diretamente relacionadas ao modo como os presidentes de cada Casa trabalham.

A Constituição também estabelece que, “em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal”.

Ante tão graves obrigações, impõe-se uma constatação. O patamar moral e cívico dos presidentes de cada Casa deve ser especialmente alto. Não deve pairar nenhuma dúvida ou sombra sobre suas trajetórias políticas e menos ainda sobre seus compromissos futuros. Por exemplo, um presidente da Câmara ou do Senado conchavado com o Executivo estaria renegando o juramento, feito no dia de sua posse como deputado ou senador, de defender a Constituição.

A presidência das Casas legislativas exige altivez. A harmonia constitucional não é submissão. Para o tão necessário equilíbrio institucional, é preciso que cada Poder seja de fato independente, sem conchavos e sem amarras.

“O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal”, dispõe a Constituição. E o Regimento Interno da Câmara estabelece, por exemplo, que o seu presidente, além de supervisionar os trabalhos e a ordem da Casa, representa a Câmara quando ela se pronuncia coletivamente. Quem ocupa o cargo já não fala apenas em nome de seus eleitores ou de seu partido, ou mesmo de um grupo de deputados. O mesmo se dá no Senado. Ou seja, as duas presidências não são cargos talhados para quem pratica a política pequena. 

Mais do que eventual afinidade de interesses políticos, os votos que deputados e senadores darão hoje devem expressar, assim o exige a Constituição, compromisso com a independência e a autonomia do Congresso. Não cabe ignorar a insistente e despudorada tentativa do Palácio do Planalto de colocar o Legislativo de joelhos, como se vassalo fosse.

O País acompanha muito de perto as sessões de votação de hoje. São tempos difíceis, nos quais o Congresso tem a responsabilidade de enfrentar com determinação os problemas e entraves nacionais.

Há importantes reformas a serem realizadas. Há urgência de um novo equacionamento das contas públicas. Existem muitas frentes – na educação e saúde, especialmente – à espera de lideranças públicas competentes. E há, como poucas vezes se viu, a premente necessidade de um Poder Legislativo que exerça, sem descanso e sem hesitação, o seu dever constitucional de fiscalização e controle do Executivo.

Não merece voto, portanto, quem, de antemão, já prometeu ficar calado – assegurou encolhimento – perante os arroubos, confusões e omissões do presidente da República. A Constituição exige do Congresso outro papel, muito mais nobre, responsável e comprometido com o interesse público. É hora de preservar a independência e a autonomia do Legislativo.

O legado de uma estadista – Opinião | O Estado de S. Paulo

A era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como nunca.

“Nada de experimentos.” Com este lema, Konrad Adenauer, o primeiro chanceler da Alemanha ocidental pós 2.ª Guerra e principal artífice de sua reconstrução, conseguiu sua vitória eleitoral mais robusta em 1957. Este anseio por estabilidade se fez sentir de novo agora, quando o seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), que governou a Alemanha por 50 dos últimos 70 anos, elegeu como seu líder Armin Laschet, o candidato mais alinhado à chanceler Angela Merkel. A era Merkel está no fim, mas o espírito de sua administração segue forte como nunca.

Desde que assumiram o comando em 2005, Merkel e o CDU consolidaram a posição da Alemanha como a principal economia da Europa, com finanças públicas sólidas e baixas taxas de desemprego. Primeira chanceler mulher da Alemanha, ela é a líder mais longeva da União Europeia (UE), foi frequentemente descrita como a sua líder de facto e também como a mulher mais poderosa do mundo e, após a eleição de Donald Trump, a “líder do mundo livre”.

O prestígio não foi conquistado em águas calmas. Ela enfrentou o colapso financeiro de 2008, a crise dos refugiados, o Brexit e agora a pandemia, mas, em contraste com seus pares – pense-se, por exemplo, nos destinos de Gordon Brown, David Cameron e Theresa May, no Reino Unido, ou Nicolas Sarkozy, François Hollande e Emmanuel Macron, na França –, a cada provação ela emergiu mais forte.

Na política externa, ela enfatizou a necessidade de cooperação internacional, fortalecendo os laços com a UE e a Otan. Na crise da dívida europeia, arriscou o dinheiro alemão, mas manteve a estabilidade do euro. Merkel liderou a UE nas sanções à Rússia após a anexação da Ucrânia e na crise dos refugiados se posicionou firmemente, quase sozinha, em nome dos valores europeus, recebendo mais de 1 milhão de exilados.

Em um perfil de Merkel, a revista The Economist delineou três marcas de sua gestão: ética, não ideológica; reativa, não programática; e desapegada, não engajada. “Sua fé luterana (‘uma bússola interior’) se expressa em seu estilo discreto e seus instintos: a dívida é ruim; ajudar os necessitados é bom.” Como disse seu colega do CDU Jens Spahn, “ela trabalha como uma cientista: lê muito, pondera os fatos e não tem preconceitos”. Merkel sempre mantém as opções abertas e evita polarizar os debates. “Sou um pouco liberal, um pouco social-cristã, um pouco conservadora”, definiu-se ela. Para a revista Der Spiegel, ela é inescrutável como as “esfinges, divas e rainhas”.

Com essas qualidades pessoais, ela transformou a aliança da CDU com a União Social Cristã (CSU) numa máquina eleitoral, conduziu a coalizão com os social-democratas e, a um tempo, ganhou a confiança dos conservadores e promoveu políticas caras ao progressismo liberal, como a abolição do serviço militar compulsório, o fechamento das usinas nucleares, o casamento gay e a assistência aos desfavorecidos.

A vitória de Laschet sobre Friedrich Merz mostra que o CDU optou por manter a orientação ao centro ao invés de uma guinada incerta à direita. As pesquisas de opinião estão massivamente a seu favor. Mas ele terá de manter a unidade e a integridade de seu partido, após flertes temerários nas coalizões regionais tanto com a extrema direita quanto com a extrema esquerda, e possivelmente precisará costurar uma aliança com os verdes, em ascensão, enquanto seus aliados tradicionais na centro-esquerda, os social-democratas, sofrem contínuo desgaste. Laschet é mais simpático aos verdes do que Merz, mas, por causa das suas relações com a indústria do carvão, não está tão perto daquele partido para disputar as eleições de setembro.

Com a saída de Merkel, as democracias liberais perderão uma protagonista decisiva no teatro global. Em tempos de ascensão do populismo, sua trajetória à frente de seu partido e de seu país são um exemplo de estabilidade, pragmatismo e decência. Laschet herda esse rico legado. Mas ainda terá de se mostrar capaz de colher seus frutos.

A tempestade perfeita – Opinião | O Estado de S. Paulo

A combinação mortal de nova cepa do vírus, um presidente irresponsável e cidadãos descuidados.

O Brasil se encontra em um ponto muito perigoso da trajetória da pandemia de covid-19, talvez o mais perigoso desde julho do ano passado. Está em formação uma tempestade perfeita que poderá levar o País a experimentar um dramático aumento do número de casos e mortes em decorrência da doença nos próximos meses.

Não se pretende aqui alarmar a população, já angustiada o bastante, mas sim exortar as chamadas autoridades, em especial do governo federal, a cumprirem seu dever constitucional de zelar pela saúde pública e despertar a consciência cidadã para evitar o recrudescimento de uma tragédia que voltou a matar mais de 1,2 mil brasileiros por dia. É inaceitável conviver com isso. Achar normal um patamar de letalidade como esse é aceitar nossa morte como nação.

Três fatos concomitantes compõem a tal tempestade perfeita: 1) circula no País uma nova cepa do coronavírus que é potencialmente mais infecciosa, a variante P.1, identificada pela primeira vez em Manaus (AM); 2) a atuação tíbia do Ministério da Saúde, sob as ordens do presidente Jair Bolsonaro, sabotador de primeira hora de todos os esforços para frear o avanço da doença no Brasil; 3) a irresponsabilidade de muitos cidadãos, que a cada dia parecem mais convencidos de que, se a pandemia não acabou, também já passou o tempo das medidas restritivas e é hora de “voltar a viver a vida”.

Cientistas do Centro Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde), que conta com pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), publicaram um estudo no dia 16 passado que revela que a variante P.1 do novo coronavírus tem maior potencial de transmissão.

No dia 27, outro grupo de pesquisadores, oriundos da Universidade de Oxford, do King’s College de Londres, da Universidade Harvard e do Instituto de Medicina Tropical da USP, publicou um artigo apontando a variante P.1 como uma das causas mais prováveis do vertiginoso aumento de casos de covid-19 na capital amazonense, o que contribuiu para levar o sistema de saúde da cidade ao colapso.

A precariedade da testagem e rastreamento de casos no Brasil impede a identificação de outros casos da variante P.1 no País. Sabe-se que apenas em São Paulo, Estado com a melhor infraestrutura para diagnóstico, houve ao menos três casos. Não é improvável que a nova cepa já esteja em circulação em outros Estados.

Em entrevista à TV Cultura, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta alertou que o País corre um sério risco de ter uma “megaepidemia” de covid-19 nos próximos dois meses por conta da circulação da variante P.1, que já está presente em 90% dos casos da doença em Manaus. “O mundo inteiro está fechando os voos para o Brasil e o Brasil está não só aberto normalmente, como está retirando pacientes de Manaus e mandando para Goiás, para a Bahia, mandando para outros lugares sem os bloqueios de biossegurança”, disse Mandetta.

Enquanto isso, aprisionado pelas grades de seus interesses particulares, o presidente Jair Bolsonaro segue imperturbável diante das aflições dos brasileiros. Na última edição de sua live semanal, Bolsonaro recomendou que a sociedade precisa “aprender a conviver com a covid-19”. “Eu lamento as mortes, antes que falem que eu sou insensível”, disse, “mas temos que conviver com esse problema.” Até a quinta-feira passada, quando a famigerada live foi ao ar, o “problema” já tinha causado a morte de 221.676 brasileiros. O que se pode esperar de um governo encabeçado por alguém com esta índole?

É justamente diante da incúria e da brutal insensibilidade de agentes do Estado – muitos dos quais ainda haverão de responder pelos crimes que estão cometendo contra a saúde pública – que deve prevalecer a responsabilidade individual dos cidadãos. Aproxima-se o carnaval e teme-se pela falta de cuidado de muitas pessoas dispostas a ignorar as medidas de prevenção, o que já tem ocorrido em boa medida.

Jair Bolsonaro já basta como embaixador da morte.

Lições práticas da vida para um presidente – Opinião | O Globo

Diante da liberação pela China de insumos para vacina, Bolsonaro se vê obrigado a fazer jus ao cargo

Jair Bolsonaro completou metade do mandato agindo quase como chefe de grupo extremista recrutando adeptos nas redes sociais. Nas últimas semanas, porém, tem enfrentado uma série de problemas que começam talvez a ensinar-lhe a diferença entre comportar-se como líder político de uma falange radical e exercer a Presidência da República.

Numa atitude que faz jus à liturgia do cargo, Bolsonaro viu-se obrigado a ensaiar reverências à China pelo desembaraço de uma remessa retida por Pequim do principal insumo da Coronavac, a vacina que o Instituto Butantan produz em São Paulo numa parceria com a chinesa Sinovac.

Impossível não relacionar o caso à série de ataques que ele próprio, o chanceler Ernesto Araújo e um séquito de bolsonaristas fizeram aos chineses, numa imitação canhestra das diatribes de Donald Trump, deidade máxima no universo do nacional-populismo. Fustigar o principal parceiro comercial do país e um dos fornecedores mundiais de imunizantes contra a Covid-19 não passou de irresponsabilidade, como os fatos posteriores deixaram claro.

Ao comunicar em rede social a liberação da carga dos chineses e também de um lote da vacina da Oxford/AstraZeneca, fabricada na Índia, Bolsonaro fez questão de fazer elogios a dois dos maiores equívocos de seu governo, responsáveis pela série ininterrupta de trapalhadas que têm atrasado a vacinação no Brasil: Araújo e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.

Além de integrar a inconcebível artilharia verbal contra os chineses, Araújo patrocinou uma rusga gratuita com a Índia. Numa discussão na OMC, foi contra a proposta indiana e sul-africana para quebra de patentes que facilitassem o acesso a vacinas, drogas e insumos usados no combate à pandemia. Por coerência, o Brasil deveria ter apoiado seus dois parceiros de Brics, pois liderou o grupo que se bateu em organismos multilaterais, com sucesso, pela quebra da patente dos antivirais usados contra a Aids.

O governo depois se viu na posição desconfortável de aceitar ajuda de políticos experientes para conseguir a liberação das vacinas. No caso da China, precisou pedir que o ex-presidente Michel Temer interviesse. No lado do Congresso, Rodrigo Maia agendou audiência com o embaixador chinês, Yang Wanming, para tentar apagar o incêndio.

Pazuello, general que nenhum governante dotado de um mínimo de bom senso colocaria no cargo que ocupa, responde a inquérito aberto no Supremo, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras. A investigação apura responsabilidades pela tragédia de Manaus, onde infectados pelo novo coronavírus morreram asfixiados em virtude da falta de oxigênio na cidade e no interior do Amazonas, apesar de o ministro ter sido avisado do risco. A nomeação desse general de Brigada, pretensamente especializado em logística, quando a disseminação da pandemia ganhava velocidade no ano passado, foi obra daquele Bolsonaro chefe de facção política radical.

Nada garante que o Bolsonaro presidencial, com o pragmatismo recém-demonstrado diante da China, vá prevalecer. A personalidade do presidente sugere que deverá repetir os mesmos erros. Mas as crises que tem produzido na saúde e na diplomacia, com reflexos negativos na economia, pelo menos têm lhe dado a chance de saber como não ser um presidente da República.

Nova política ambiental de Biden expõe equívocos de Bolsonaro – Opinião | O Globo

Ao fazer da questão climática prioridade diplomática, Estados Unidos deixam Brasil mais isolado

O presidente americano, Joe Biden, superou a expectativa criada em torno de sua política ambiental. Não apenas pôs os Estados Unidos de volta no Acordo de Paris, mas baixou na semana passada uma série de decretos que mudarão drasticamente a atitude americana diante das mudanças climáticas e obrigarão os demais países — inclusive o Brasil — a também rever o próprio papel.

O governo americano investirá numa frota de veículos elétricos e criará uma rede de postos de eletricidade espalhada pelo país. Das terras, lagos e rios de propriedade federal, 30% serão reservados a preservação. Foram suspensas novas concessões para exploração de petróleo e foi cancelada a construção do controverso oleoduto ligando o Canadá ao Texas. Espera-se que amplie o compromisso de emissão de gases de efeito estufa firmado em Paris, de 28% para 40% ou 50% até 2030.

Não tardou a haver reação da oposição republicana e dos estados cuja economia depende da extração de carvão e petróleo. Biden tenta compensar o impacto negativo apostando nos negócios baseados em energia limpa. Em seu decreto, repete a palavra “empregos” 15 vezes. Só na indústria automotiva, quer criar um milhão de novos postos de trabalho (meta considerada exagerada por quem acompanha o setor).

Para os ambientalistas, Biden transmite um sinal cristalino de que suas vozes serão doravante levadas a sério. Sobretudo porque, mais surpreendente do que a aposta econômica, foi a mudança de status político que deu à questão climática, tornada prioridade tanto para a segurança nacional quanto para a política externa.

A principal dúvida despertada entre os analistas internacionais é o impacto da nova política ambiental na relação dos Estados Unidos com os centros produtores de petróleo no Oriente Médio, em especial com a Arábia Saudita, país com que Donald Trump fez questão de desenvolver um relacionamento estreito. Para o Brasil, ela expôs ainda mais os erros cometidos pelo governo Bolsonaro.

O incentivo do ministro Ricardo Salles às queimadas e à devastação da Amazônia sempre foi nocivo ao meio ambiente, contribuindo para agravar o aquecimento global. Também dificulta as exportações de produtos agrícolas. Agora, põe o Brasil em confronto aberto com o país mais poderoso do planeta e nosso segundo maior parceiro comercial.

Certamente a política ambiental de Biden não é bom augúrio para Bolsonaro, Salles e companhia. Além do enfrentamento recorrente com a União Europeia, o Brasil fica ainda mais isolado na cena internacional. Ao mesmo tempo, se os americanos souberem exercer pressão diplomática de modo construtivo — como Biden sugeriu num debate ainda na campanha, quando falou na criação de um fundo para financiar a preservação da Amazônia —, poderá ser uma oportunidade para deter a devastação dos biomas brasileiros, fortalecer a economia baseada em energias renováveis, contribuir para conservar o clima da Terra e salvar o planeta da catástrofe ambiental.

Risco de servilismo – Opinião | Folha de S. Paulo

Um comando do Congresso subserviente a Bolsonaro representaria grave retrocesso

Jair Bolsonaro voltou ao jogo da política tradicional no ano passado, quando se viu encurralado pelas investigações sobre os negócios de sua família em meio à pandemia do coronavírus e ao aprofundamento de uma recessão.

Sentindo que seu pescoço estava a prêmio, o presidente abandonou o discurso adotado na campanha eleitoral e retomou a negociação de cargos e verbas com partidos que dão as cartas no Congresso, como fizeram seus antecessores.

O objetivo principal sempre foi criar uma barreira de contenção para garantir seu mandato, reunindo uma base de apoio que, mesmo minoritária, tivesse número suficiente para impedir o avanço de um processo de impeachment.

A estratégia foi bem-sucedida até aqui, e o mandatário decerto espera coroá-la nesta segunda (1º), com as eleições que renovarão a liderança das duas Casas legislativas.

Bolsonaro não faz segredo de seu endosso a Arthur Lira (Progressistas-AL), que concorre à presidência da Câmara dos Deputados, e a Rodrigo Pacheco (DEM-MG), postulante no Senado, que contam com o Planalto na cooptação de aliados.

Os principais adversários, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a senadora Simone Tebet (MDB-MS), tiveram defecções em suas fileiras. Trata-se de cenário inquietante.

Embora não tenha faltado apoio para uma agenda reformista no período em que Rodrigo Maia (DEM-RJ) presidiu a Câmara, quando se aprovou a reforma da Previdência, os desentendimentos entre ele, Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, inviabilizaram outras iniciativas desde então.

Mais importante, Maia foi sustentáculo da postura altiva com que o Congresso enfrentou os rosnados autoritários de Bolsonaro, seja ao rejeitar decretos e medidas provisórias abusivas, seja ao responder a ataques abertos aos Poderes. Deixa ao sucessor a tarefa de deliberar sobre dezenas de pedidos de impeachment do chefe de Estado.

Um presidente da República cioso de suas responsabilidades saberia aproveitar a situação favorável para negociar uma pauta ambiciosa, que possa colocar as contas do governo em ordem e restaurar a confiança na economia.

Entretanto Bolsonaro já demonstrou à farta que a agenda do país está em segundo plano, se tanto, neste governo. Sua conduta se pauta tão somente por dar vazão aos anseios raivosos de seguidores extremistas e safar-se de responder por desmandos em série, dos quais os cometidos na gestão da pandemia são apenas os mais recentes.

Sobram, pois, razões para temer os riscos envolvidos nas eleições desta segunda. Um Congresso subserviente ao Planalto —com o que parecem acenar os candidatos patrocinados por Bolsonaro, em particular Arthur Lira— representaria um retrocesso intolerável.

Sem margem de erro – Opinião | Folha de S. Paulo

Com explosão da dívida, governo não tem escolha além de evitar crise calamitosa

Com os gastos de combate à pandemia e a queda da receita ocasionada pela contração da atividade econômica, houve inédita piora das condições orçamentárias do governo. Pôr as finanças em ordem e reverter a descrença na política fiscal exigirá esforço ainda mais hercúleo nos próximos anos.

O rombo nas contas do Tesouro Nacional ficou em R$ 743,1 bilhões em 2020, sem considerar despesas com juros. O legado da crise é a dívida pública equivalente a 89,3% do Produto Interno Bruto, alta de 15 pontos percentuais em um ano.

Trata-se do maior patamar já registrado pelas estatísticas disponíveis e uma das piores posições entre os países emergentes.

As consequências são evidentes. A moeda brasileira teve um dos piores desempenhos no mundo desde o surgimento da pandemia, as taxas de juros de longo prazo permanecem elevadas e vão se agravando os riscos inflacionários que já levam o Banco Central a sugerir que poderá elevar os juros.

Se não há uma fronteira a partir da qual a insolvência se torna inevitável, na medida em que o financiamento do governo depende da confiança de agentes privados, é inegável que essa confiança vai escasseando. O governo paralisou as reformas destinadas a reduzir despesas e tampouco mostra ações de curto prazo.

No momento em que se discute a volta do auxílio emergencial, tema que poderá se tornar inevitável apesar das declarações em contrário do presidente Jair Bolsonaro e de seu ministro da Economia, será necessário indicar de onde poderá vir o dinheiro.

Qualquer irresponsabilidade, como simplesmente flertar com o abandono do teto constitucional para os gastos, levará a uma crise de descrédito ainda maior.

Também é necessário avançar na agenda de crescimento econômico, sem o qual será impossível equilibrar as contas a médio prazo. A reforma tributária, por exemplo, tem o potencial de simplificar os impostos, destravar a produtividade e aproximar o país das cadeias internacionais de valor.

Pode-se reverter a desconfiança atual com sinais claros na direção de uma política econômica mais consistente. Acreditar numa agenda ampla, contudo, não é realista. Mas não há como fugir do básico para carregar o país até a eleição de 2022 sem uma nova crise fiscal, que a esta altura seria calamitosa.

O futuro da Eletrobras e a agenda de privatizações – Opinião | Valor Econômico

Na sucessão de Wilson Ferreira Jr., o governo terá a oportunidade de deixar seus planos mais claros

Mais de metade do mandato de Jair Bolsonaro se passou, sem avanços palpáveis no ambicioso programa de privatizações alardeado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A saída do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr., constitui apenas o último baque. Um dos executivos de maior reputação no mercado, ele admitiu que sua baixa expectativa sobre o processo de desestatização da companhia pesou na decisão de renunciar ao cargo.

Vai aumentando mês a mês, assim, o risco de que Bolsonaro se apresente como candidato à reeleição, em outubro de 2022, sem nenhuma venda de estatal relevante para amparar o discurso de frutífero casamento de conveniência entre liberais na economia e conservadores nos costumes.

Sem grandes repercussões econômicas, mas simbólica por abrigar emissora outrora chamada de “TV do Lula”, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) deixou de estar na lista de privatizações para incluir em sua programação um show de uso político: abraços ao presidente durante partida da seleção brasileira, inserções ao vivo com Bolsonaro acenando para motoristas na estrada após a entrega de obra viária, transmissão de jogo de futebol beneficente em que ele faz gol e sai comemorando com gestos de arma de fogo.

Menos alegórica e mais representativa da lentidão na agenda de privatizações são os Correios. Em agosto do ano passado, a equipe econômica anunciou o envio “nas próximas semanas” de um projeto de lei, ao Congresso, para regular os serviços postais e pavimentar o caminho de sua venda. Sabe-se que a noção de tempo não é uma das principais virtudes de Guedes e que não basta mandar uma proposta ao Legislativo, é preciso ter sensibilidade para calcular a hora certa das ofensivas. No entanto, a longa espera pelo encaminhamento do projeto - sem explicações do governo sobre seu teor - só reforça a imagem de falta de empenho e desarticulação em torno do tema.

Pouco se fez também no caso da Trensurb e da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que operam redes de passageiros em seis capitais do país e têm baixa capacidade para modernizar sua frota - quem dera para ampliar suas linhas - com recursos públicos.

Juntas, segundo números da Secretaria de Desestatização do Ministério da Economia, essas quatro estatais - Correios, EBC, Trensurb e CBTU - receberam aportes ou subvenções do Tesouro Nacional no valor de R$ 16,6 bilhões entre 2011 e 2020. Qualquer análise sobre a conveniência de mantê-las como patrimônio da União deve ser feita à luz desses números.

Comandada por um executivo consagrado no mercado, que passou quase duas décadas à frente do grupo CPFL antes de assumi-la em meados de 2016, a Eletrobras melhorou seus indicadores de forma notável nos últimos quatro anos e meio. Reduziu sua alavancagem e diminuiu custos operacionais com a venda de distribuidoras endividadas. Enxugou pela metade sua participação em sociedades de propósito específico e cortou em 55% seu quadro de pessoal, da forma menos dolorosa possível, com planos de demissão voluntária.

Desde 2018, a Eletrobras acumula lucro líquido de R$ 29 bilhões. O plano de negócios quinquenal prevê investimentos de R$ 41,1 bilhões - mais de um terço para a conclusão da usina nuclear de Angra 3 - até 2025. Apesar da melhoria, é insuficiente para que ela preserve sua participação de mercado, faça a transição para o mundo das energias renováveis e atraia os melhores talentos. Além disso, há restrições de caráter prático, como a renovação da concessão da hidrelétrica de Tucuruí - que representa 70% das receitas da subsidiária Eletronorte - ou sua eventual relicitação.

O governo Bolsonaro gastou quase um ano para enviar ao Congresso um projeto de lei que praticamente repetia a versão de Michel Temer para autorizar a privatização da Eletrobras. Demorou mais um ano para reconhecer o óbvio - que seria preciso retomar pontos como a existência de uma “golden share” - a fim de tornar a proposta politicamente palatável para parlamentares resistentes ao assunto.

Na sucessão de Wilson Ferreira Jr., o governo terá a oportunidade de deixar seus planos mais claros. Poderá reforçar a governança corporativa, levando adiante a busca de um executivo de renome por meio de “headhunter”, ou ceder a indicações partidárias. Poderá, ainda, recorrer a um método comum da gestão Bolsonaro: para todo grande problema, uma solução fácil - nomear um oficial das Forças Armadas. Dependendo do caminho escolhido, seria melhor simplesmente redimensionar promessas do passado e abandonar de vez expectativas em torno da agenda de privatizações. Vida que segue.

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