Cristiane
Agostine – Valor Econômico
SÃO PAULO - A provável vitória do Centrão no comando da Câmara dos Deputados, com a eleição de Arthur Lira (PP-AL), deve ajudar o presidente Jair Bolsonaro a barrar não só um processo de impeachment contra ele, mas também investigações de irregularidades no governo federal em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). No entanto, não garante a aprovação de projetos de interesse do presidente, nem o avanço da agenda econômica e de pautas conservadoras. Na análise do cientista político Carlos Pereira, professor da FGV, a consolidação da aliança de Bolsonaro com o Centrão não dará ao presidente o controle das votações nem a certeza de governabilidade.
O
Centrão, diz o cientista político, é a “maior minoria” na Câmara: tem apoio
suficiente para impedir o impeachment, mas não tem votos na Câmara para dar
maioria simples nem qualificada para aprovar projetos.
Pereira
avalia a aliança com o Centrão como um “estelionato eleitoral” do presidente. A
defesa da agenda anticorrupção e as críticas à “velha política” e às práticas
do “toma-lá-dá-cá”, que marcaram a campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018 e o
primeiro ano do governo, caíram por terra, diz o professor da FGV. O presidente
deu um “cavalo de pau” na forma de se relacionar com o Legislativo, ao trocar o
tom belicoso por um acordo com o partidos como PP, PL e Republicanos, com a
oferta de cargos e recursos vultuosos. A vitória de Lira, afirma Pereira, é
sinônimo da derrota das bandeiras defendidas por Bolsonaro e, ao mesmo tempo, a
vitória do presidencialismo de coalizão no Brasil.
O
avanço da agenda econômica dependerá mais do empenho do governo do que do novo
presidente da Câmara, independentemente de quem for eleito. Na avaliação de
Pereira, as pautas de interesse da equipe econômica não foram aprovadas por
falta de articulação política e por erros do governo. Se o presidente não
aprovar reformas como a administrativa e tributária, diz o professor, não
poderá mais culpar o Congresso por divergências e assinará uma “sentença de
incompetência”.
Para
o cientista político, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), errou ao
não usar a ameaça de abertura de impeachment contra Bolsonaro para fortalecer a
candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) contra Lira.
A
seguir, trechos da entrevista ao Valor ontem,
antes da votação na Câmara e no Senado.
Valor: A
vitória de Lira coroa o fortalecimento do Centrão, com o retorno do
protagonismo na Câmara depois de Eduardo Cunha?
Carlos Pereira: É uma vitória de Bolsonaro, não do
Centrão. Bolsonaro fez uma mudança radical, deu cavalo de pau na política que
implementou inicialmente com o Legislativo. Ele teve uma postura desde o início
do governo de muito confronto com o Legislativo e acreditou que poderia
governar através de conexões diretas com sua base eleitoral, passando os
partidos e o Congresso. Ele colheu tempestade, muitas derrotas no Legislativo e
viu crescer a possibilidade real de que seu governo terminasse de forma
prematura pelo impeachment. Diante das sinalizações que o presidencialismo
multipartidário deu, fez uma mudança radical, um cavalo de pau, e passou a
querer governar com os partidos, montando uma coalizão com Centrão. O Centrão
soube aproveitar essa inflexão. Estavam disponíveis a participar de uma
coalizão dependendo do que fosse ofertado em troca.
Valor: Essa
coalizão garante governabilidade? E enterra as possibilidades de um
impeachment?
Pereira: Não está claro se essa coalizão
poderá dar maioria consistente e sustentável ao governo no Legislativo, mas
pelo menos é capaz de dificultar iniciativas que o governo julga não desejáveis
como o impeachment. O Executivo está oferecendo execução de emendas individuais
e coletivas, espaço no governo, ministérios.
O presidente se torna dependente dessas figuras que são ideologicamente amorfas e fica mais vulnerável”
Valor: Mas a
vitória de Lira afasta um eventual impeachment?
Pereira: Fica mais difícil, mas vale salientar
que esse alinhamento entre o Executivo e o Legislativo, na figura dos
presidentes da Câmara e do Senado não é a exceção, mas sim a regra. Raramente
os presidentes da República não dispõem da preferência dos presidentes das
Casas do Legislativo. Só aconteceu três vezes desde a Nova República. Aconteceu
com Collor, com a eleição de Ibsen Pinheiro para a Câmara - Collor ignorou esse
processo e recebeu impeachment do Legislativo. Com Lula, no segundo mandato,
quando perdeu popularidade depois do mensalão e perdeu capacidade governativa.
Severino Cavalcanti venceu, mas logo caiu ao ser pego em escândalo de
corrupção. E com Dilma, quando o governo também errou ao peitar de frente
Eduardo Cunha, insistindo na candidatura de Arlindo Chinaglia. Nesses três
episódios em todos esses anos de democracia o presidente teve essa arena de
animosidade com os presidentes das Casas Legislativas. No restante, os
presidentes têm tido capacidade de influenciar no processo eleitoral e eleger
presidentes da Câmara e do Senado comprometidos com a agenda do presidente.
Valor: Essa
interferência não reduz a independência do Congresso?
Pereira: O grande receio desse alinhamento é
que o Legislativo perca a capacidade fiscalizatória, de constranger, de
restringir o presidente diante de eventuais desvios. Isso é preocupação
relevante, mas o alinhamento entre os presidentes das duas Casas do Legislativo
e do presidente não é o único elemento que define o grau de subordinação do
Legislativo ao Executivo. Há outros aspectos. O fato de o presidente da Câmara
ser do mesmo partido ou da coalizão ou do arco de alianças do presidente não
significa subserviência. Mas é uma preocupação, sim. Existe esse risco.
Valor: Mas o
presidente terá maior controle da agenda no Legislativo com um aliado no
comando...
Pereira: Não diria controle, mas maior
influência. Em última instância, a decisão continuará sendo de Lira e de
Pacheco. Bolsonaro terá que negociar com essas figuras importantes, mas é
melhor negociar com alguém do seu campo do que da oposição. O ganho de
Bolsonaro é de articulação, mas não significa necessariamente que vai passar o
rolo compressor e que a decisão dele vai prevalecer sempre. Há um controle
endógeno, que é a fragmentação política. Os partidos têm muita dificuldade de
agir de forma coesa.
Valor: Um
aliado no comando pode barrar não só impeachment, mas também investigações,
CPIs...
Pereira: Pode, desde que seja premiado a
contento. Tem que levar em consideração a gerência da coalizão. Montar a
coalizão não é fácil, mas mais difícil ainda é gerir a coalizão. É uma coalizão
minoritária. O Centrão não tem votos suficientes para dar maioria nem simples
nem qualificada. Tem a maior minoria, pode dificultar o impeachment, mas não
tem maioria para aprovar o que Bolsonaro quer. Bolsonaro necessariamente vai
precisar dos votos da oposição para aprovar sua agenda. O que o Centrão pode
ofertar para Bolsonaro é uma agenda muito mais negativa do que positiva. Ele
pode dificultar um impeachment, mas é muito difícil que Centrão consiga oferecer
a aprovação de uma agenda ultraconservadora, anti-gay, pró-arma, de costumes se
Bolsonaro quiser levar para frente. O Centrão não tem votos para aprovar isso.
Tem quantidade de votos para vetar coisas, mas não para aprovar coisas.
Valor: Essa
blindagem é confiável? O apoio tende a ser duradouro?
Pereira: Lira é jogador estratégico. Está
observando os retornos para ele e para um conjunto de forças que estão jogando
hoje. Se mais na frente Lira ou Pacheco perceberem que Bolsonaro não gerencia
bem a coalizão, não recompensa de acordo com o peso proporcional de cada um dos
parceiros, se monopoliza o jogo, os termos dessa negociação podem mudar. No
governo Dilma, o PMDB foi maltratado, era desproporcional a alocação de
recursos e de poder entre os parceiros, apesar de os parceiros terem o mesmo
peso no Legislativo.
Valor: Bolsonaro
foi eleito com um discurso contra a “velha política”, mas essa aliança com o
Centrão derruba essa bandeira, não?
Pereira: Sim, com certeza. É um estelionato
eleitoral. Bolsonaro desceu do pedestal do discurso dele da antipolítica, de
que é o limpo, o poderoso’, de que não vai negociar com as armas do
presidencialismo multipartidário, porque igualava isso a corrupção. Agora, joga
com as mesmas armas ou armas piores do presidentes anteriores. Obviamente ele
comete um estelionato eleitoral de marca maior. Mas isso não se dá pela
preferência do presidente, mas sim porque percebeu que se continuasse jogando
do jeito anterior, ele talvez não terminasse o mandato dele. Houve um
aprendizado institucional, percebeu que o presidencialismo multipartidário é
mais forte do que ele.
É
muito difícil que Centrão consiga oferecer a aprovação de agenda
ultraconservadora, de costumes, pró-arma
Valor: E o
desgaste político?
Pereira: Bolsonaro negocia com o Centrão em
troca de recursos, de cargos, e isso se choca com o discurso de que jamais
faria isso. Obviamente terá custo político e eleitoral com seus eleitores, que
cobram a coerência. Mas do ponto de vista institucional, da democracia, é muito
melhor ter um presidente que negocia e se subjuga às regras e ditames do
presidencialismo multipartidário do que um presidente que nega tudo isso e diz
que vai derrubar as instituições, que desrespeita o Judiciário e o Congresso.
Bolsonaro perde o jogo ao cometer estelionato eleitoral, perde o discurso e a
agenda renovadora. Mas, em última instância, quem venceu foram as regras do
jogo do sistema político brasileiro.
Valor: Lira tem
sido um antagonista na pauta anticorrupção na Câmara. Essa é outra bandeira de
Bolsonaro que foi derrubada?
Pereira: Não resta dúvida. A agenda
anticorrupção do governo foi por terra. Mas já tinha ido com a saída de Sergio
Moro. Quem votou em Bolsonaro na expectativa de que fosse aprovar uma agenda
anticorrupção, dançou. E esse eleitor já abandonou Bolsonaro. A vitória de Lira
é o sinônimo da derrota de Bolsonaro, do que ele representava. Mas é uma
vitória para o presidencialismo de coalizão no Brasil.
Valor: Como
ficará a agenda econômica? Rodrigo Maia era um aliado de Paulo Guedes, mas Lira
vai em sentido contrário, com a defesa de medidas que geram maior gasto
público. As reformas devem passar?
Pereira: Acho que pouco muda. O que vai
definir é a preferência mediana do Congresso e não a presidência das Casas. E a
preferência mediana do Congresso é muito favorável ao equilíbrio das contas
públicas, equilíbrio macroeconômico, controle inflacionário, redução da carga
tributária. Então, independentemente do eleito, nada muda na pauta econômica. A
agenda econômica não avançou mais não em função de Maia, mas sim em função do
governo, que foi tímido, teve problemas de coordenação, teve incompetência. Não
conseguiu avançar na agenda liberal que prometeu na campanha por erros do
próprio governo, não pelo Legislativo. O Legislativo não será empecilho para
que o presidente consiga, se assim o quiser, colocar para frente uma agenda
econômica vigorosa, que seja consistente com o ajuste fiscal, equilíbrio das
contas públicas, controle inflacionário. Se Bolsonaro e Guedes colocarem para
frente essa agenda, não terá problemas para aprová-la, porque a maioria do
Congresso é favorável.
Valor: O senhor
vê um ambiente mais favorável para as reformas administrativa e tributária?
Pereira: Vai depender do Executivo. Se tiver
capacidade de gerir esse jogo e ter celeridade na proposição da agenda, o
Congresso não será obstáculo. Com Lira ou Baleia Rossi, não vejo impacto tanto
na agenda de reformas econômicas como administrativas. O que acho pouco
provável é agenda relacionada a costumes, a agenda conservadora, que muitos têm
receio. O Congresso é muito diverso e o presidente não terá maioria para
construir essa vitória. Do ponto de vista econômico, vai depender do governo.
Se não tiver mudanças, governo não poderá mais culpar o Congresso. Se essas
reformas não ocorrerem, o governo assina sua sentença de incompetência.
Valor: A gestão
de Rodrigo Maia foi vista como uma espécie de freio a ações antidemocráticas do
presidente. Sem esse limite na Câmara e com um líder do Centrão no comando da
Câmara, o que se pode esperar? De onde virá esse limite?
Pereira: Isso ainda não está claro. A
presidência da Câmara e do Senado não são os únicos elementos de veto para o
Executivo. Há também o tamanho da coalizão e a gerência da coalizão, por
exemplo. Esses elementos estarão em movimentação, mesmo quando o presidente tem
a presidência da Câmara e do Senado aliados de primeira hora, fiéis. Essa coalizão
não é majoritária, mas sim minoritária. Não capacita o governo a colocar para
frente uma agenda muito distante do que a maioria do Congresso deseja, do que a
maioria vem a desejar. A maioria do Congresso não faz parte da coalizão do
presidente. O presidente ainda tem que remar contra. Vai ter que negociar e se
dobrar não só à maioria da Câmara, mas também ao próprio Centrão. E cada vez
mais o Centrão se torna importante para Bolsonaro, para a continuidade do
governo. Com isso, o presidente se torna dependente dessas figuras que são
ideologicamente amorfas e fica mais vulnerável. Fica refém dessas figuras.
Valor: Como
analisa a articulação de Maia em torno da candidatura de Baleia Rossi? Quais
erros foram cometidos?
Pereira: O erro de Maia foi não ter utilizado
o instrumento do impeachment há muito tempo. A única saída para que o candidato
de Maia fosse vencedor era ter usado crivelmente a ameaça de aceitar alguns dos
pedidos de impeachment. Tinha o poder e não usou. Como não fez isso, não tinha
nada a ofertar e daí dançou. A desidratação da candidatura de Baleia Rossi era
esperada, porque a única coisa que poderia ele ofertar era espaço na Mesa
Diretora da Câmara e nas comissões, mas Lira podia ofertar isso também e mais:
ministérios, espaços no governo, execução de emendas, outras políticas
públicas. A candidatura de Lira ficou mais atrativa. O que pegou foi a
oportunidade de retornos que possam conferir sobrevivência eleitoral nas
próximas eleições. Quanto mais recursos financeiros e eleitorais puder acumular
nesse processo, maiores as chances de reeleição. Maia, mesmo sendo experiente,
cometeu esse erro básico de não perceber o que estava em jogo e quais os
poderes tinha. Se queria fazer sucessor, deveria ter usado a bala do
impeachment na mão. Mesmo se não fosse aprovado, a ameaça iria deixar o
Executivo em uma posição defensiva e não proativa e ofensiva como se deu nesse
processo. Usar essa ameaça nas últimas horas soou como mal perdedor.
Valor: O senhor
vê reflexos para 2022 dessas alianças que foram costuradas na disputa pela
Câmara e pelo Senado?
Pereira: Está se costurando um campo mais
orgânico de Bolsonaro com Centrão, além de um campo de centro-direita e a
esquerda. Mas nem sempre ter poder no Congresso significa ter poder eleitoral.
Se Bolsonaro souber jogar o jogo, aprovar reformar, se o Brasil começar a
crescer de novo, aí essa articulação que começa a se formar com a eleição de
Lira e Pacheco pode se configurar em uma aliança eleitoral. Mas se o governo
não gerencia bem, se a economia continua patinando, o desemprego continua alto,
a pandemia continua forte, com o número de mortes aumentando e sem uma
vacinação eficiente, aí o jogo será outro. As peças estão se movendo tendo como
horizonte 2022, mas se Centrão vê que a economia não decola, que popularidade
do presidente cai, não será surpresa que Lira e líderes deem uma banana para
Bolsonaro e embarquem em uma candidatura de oposição.
Valor: O DEM e
PSDB saíram divididos das eleições para o Legislativo. Houve divergências no
MDB no Senado. Como avalia a situação desses partidos agora? E a composição de
uma frente desses partidos para 2022 ficará comprometida?
Pereira: Com a dissidência dentro do DEM, Rodrigo Maia deveria sair do partido e buscar uma alternativa. Do contrário, vai virar parlamentar de baixo clero. Não vai ganhar mais um centavo do governo Bolsonaro. De forma geral, sobre as alianças para 2022, não creio que o apoio a Lira ou a Pacheco configuram um apoio a Bolsonaro em 2022. Não se pode confundir isso. Não se deve avaliar que os deputados do DEM, PSDB, DEM que votaram no candidato do Bolsonaro, votarão no Bolsonaro.
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