Houve
um período em que a vontade popular influenciava as decisões tomadas pelos
deputados
Houve
uma época na vida política nacional em que a Câmara dos Deputados
subordinava-se ao eleitor. Os movimentos das massas, o clamor das ruas, o rufar
dos tambores mexiam com posições enraizadas, transformavam "verdades
absolutas" e forçavam deputados a votar de acordo com o pleito manifesto
pela maioria. Na votação do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, o
então deputado Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara, promulgou o resultado com
uma frase emblemática que resumia esse sentimento. “O que o povo quer, esta
casa acaba querendo”, disse o deputado.
Muitos
outros exemplos comprovam a tese de Ibsen. Inúmeras matérias que contrariavam
interesses de governos e de suas bases parlamentares acabaram sendo aprovadas
para atender aquele grito rouco que é impossível não se ouvir. O segundo
impeachment no Brasil, da ex-presidente Dilma Rousseff, também confirma que é
bom não contrariar a vontade do povo. A cassação do odiado Eduardo Cunha, que
perdeu a presidência da casa e em seguida o mandato, acabando preso, da mesma
forma corrobora a máxima de Ibsen.
Mas, nos dois últimos anos, contrariando a história, os parlamentares aparentemente deram as costas ao clamor popular. O presidente do Brasil que cometeu uma dúzia de crimes de responsabilidade permanece no cargo e, mesmo tendo apenas 37% de apoio popular, não teve na Câmara seu processo de cassação encaminhado. Na noite de segunda-feira, viu-se outro sinal inequívoco de que os senhores deputados e as senhoras deputadas estão se lixando para o que o povo quer ao elegerem o deputado Arthur Lira para a presidência da Câmara. O que importa é o que esta casa quer.
Talvez
a explosão das mídias sociais tenha alguma parte nisso, já que os parlamentares
falam apenas com os que os apoiam, com puxa-sacos, com sua curriola nos seus
estados. Não ouvem o macro, o maior, o todo. O fato é que a Câmara elegeu Lira,
candidato apoiado pelo presidente Bolsonaro, que abriu o cofres em favor do
deputado condenado em duas instâncias por peculato e lavagem de dinheiro e
denunciado por outros crimes, inclusive violência doméstica.
Sua
posse lembrou a de Eduardo Cunha, com a gritaria entusiasmada do centrão e do
baixo clero. Houve até foguetório na Praça dos Três Poderes ao final da sessão.
Em frente ao Congresso, alguns dos mais fiéis seguidores de Bolsonaro rezavam
na tarde de ontem pela eleição de Lira.
Nos
salões da Câmara, os eleitores do deputado pareciam adestrados, em grande
parte. Alguns foram instados a gravar o registro do seu voto sob pena de não
levar um prometido “agrado” do Palácio do Planalto, na forma de dinheiro ou
cargo público. Lembraram eleitores dos coronéis do passado não muito remoto dos
rincões brasileiros. Votaram com o cabresto no focinho, sendo encaminhados na
posição que Lira e Bolsonaro apontaram.
A
Câmara tem agora no comando uma réplica mais elaborada de Jair Bolsonaro. O
primeiro ato do novo presidente da Câmara, excluindo unilateralmente seus
adversários da mesa diretora, mostra o caráter vingativo, revanchista e
intolerante do deputado. Lira, que se elegeu com as verbas e os cargos do
Executivo, pode agora querer dominar o próprio presidente. O primeiro gesto do
eleito cria um problema para Bolsonaro, que sonhava com uma Câmara mais
pacificada sem Rodrigo Maia. O que Lira fez foi implodir de saída qualquer
apaziguamento.
A Casa, que não quer mais o que o povo quer, sob Lira pode também não querer o que o presidente quer. Bolsonaro vai ter que alimentar sem parar a bocarra gigante do deputado que já mostrou que não tolera negativas e não aceita perdas de prazo. O capitão que se cuide, o deputado é que carrega a chave que pode abrir um dos mais de 60 pedidos de impeachment que repousam na mesa que era de Rodrigo Maia.
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