União
de interesses fisiológicos com Planalto preocupa por impacto institucional
As
vitórias de Rodrigo
Pacheco (DEM-MG) e sobretudo de Arthur
Lira (PP-AL) para as presidências, respectivamente, do Senado e da
Câmara consolidam a ascendência do centrão na política federal. Essa geleia
geral de legendas —com poucas ideias e muito apetite por cargos e verbas— selou
um pacto de ocasião com um presidente acossado pelo risco de impeachment.
Jair
Bolsonaro, por seu turno, consumou o estelionato eleitoral ao despir-se dos
últimos fiapos do disfarce de vingador da política que vestiu em 2018. Enganou
apenas quem não acompanhou seus sete mandatos como deputado federal
especializado na arraia-miúda das transações parlamentares.
Não
deixa de ser uma evolução positiva, contudo, o presidente ter deixado de atiçar
quarteladas e escaramuças com outros Poderes e passado a fazer política, ainda
que no modo rebaixado que lhe restou.
A
nota preocupante nessa acomodação de interesses e interessados diz respeito ao
equilíbrio institucional. Desaparece das presidências do Congresso, pelo menos
enquanto o butim prometido pelo Planalto estiver sendo entregue, a disposição
de confrontar investidas autoritárias de Bolsonaro.
O
provável enfraquecimento do contrapeso legislativo vai requerer de outras
instâncias de controle, em especial do Supremo Tribunal Federal, uma vigilância
ainda mais atenta. Aumentam as chances de novos desafios contra a marcha
civilizatória nos próximos meses.
O
correr do tempo vai responder às dúvidas sobre o tamanho real da força
parlamentar do governismo e sobre o que o presidente da República deseja fazer
com ela além de se proteger da deposição.
A
perspectiva para a renda e o emprego das vultosas parcelas mais pobres da
população é de acentuada deterioração. Qualquer remédio que não inclua impor
derrotas a grupos privilegiados pelos orçamentos e as regras públicas vai
resultar em desconfiança e inflação.
No combate à pandemia, o horizonte não é menos carregado. Meses de incúria e falseamento da realidade por Bolsonaro deixaram o país de joelhos diante do vírus, com precária capacidade de vacinação.
Ter-se
associado a chapas vencedoras na Câmara e no Senado não dota o governo de uma
súbita competência ou de uma instantânea disposição para enfrentar essas
batalhas cruciais. Pelo contrário, o respaldo de maiorias legislativas acaba
com desculpas esfarrapadas de que o presidente não pode fazer nada contra as
crises.
Talvez
ele não queira fazer nada. Talvez ele não saiba como extrair bem-estar para a
população brasileira do imenso e ubíquo aparato do Executivo federal. Nesse
caso, as vitórias no Congresso vão no máximo adiar a prestação de contas.
As vitórias de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) nas disputas pelas presidências, respectivamente, da Câmara e do Senado são também vitórias do presidente Jair Bolsonaro. Sobretudo a de Lira — que derrotou Baleia Rossi (MDB-SP), candidato do agora ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) — traz a Bolsonaro o que ele mais queria (e do que mais precisava) neste momento: um seguro contra um risco imediato de impeachment. Maia era um rival, mesmo tendo se recusado a aceitar qualquer um dos mais de 60 pedidos que se acumularam em sua mesa, boa parte usando como justificativa o negacionismo do presidente, que agravou o morticínio na pandemia.
O
outro lado dessa realidade é que está oficialmente dada a largada para a
corrida eleitoral de 2022, com Bolsonaro na disputa. Partir na frente, com a
Câmara na retaguarda e o reforço do Senado, lhe dá condições amplas de
trabalhar pela reeleição com os recursos de poder que o Planalto lhe concede.
Fora a simpatia do Centrão, que conquistou à custa de todo o toma lá dá cá que
condenava na campanha eleitoral, Bolsonaro ainda conta com Augusto Aras, à
disposição na Procuradoria-Geral da República (PGR) para sufocar qualquer
investigação numa emergência (como tem feito no célebre caso das “rachadinhas”,
que atinge o senador e filho Zero Um, Flávio Bolsonaro).
Bolsonaro
tem demonstrado, como se vê, grande capacidade de aglutinar aliados. Para seu
azar, a vitória de ontem não elimina as crises que o cercam. Seu projeto
continuísta enfrenta um desafio óbvio: a tragédia pandêmica poderá ser
revigorada por uma recessão econômica ainda mais funda nos próximos dois anos.
Terá de trabalhar para resolver problemas bem mais urgentes que a agenda
corporativista dos militares e das forças de segurança ou a “pauta de costumes”
que envolve o ensino em casa, a proibição de qualquer forma de aborto, o
incentivo às armas, o combate a toda política cujo mote seja igualdade de
gênero e outros temas de sua predileção.
O
avanço das mortes pela Covid-19 tende a criar dificuldades de outra ordem. A
situação se tornará cada vez mais trágica em virtude da leniência de um governo
incapaz de zelar pela prevenção e de garantir vacinas para todos no tempo
devido. Falta vacina no mundo, mas a situação brasileira é mais crítica graças
a Bolsonaro. O agravamento da pandemia adiará ainda mais a recuperação
econômica.
Bolsonaro
entra no jogo tendo de pagar a dívida com o Centrão, numa reforma política que
colocará em postos-chave do governo representantes do bloco e seus aliados.
Tamanha a avidez com que se lançam a negociatas e tal a apatia da PGR sob Aras,
que ninguém ficará surpreso se surgirem novos escândalos (para quem já
esqueceu, o mensalão começou assim).
O
trunfo maior de Bolsonaro é uma oposição desacorçoada, incapaz de se aglutinar
em torno de um nome com força para enfrentá-lo (nem o próprio partido Maia
conseguiu unir em torno de Rossi). O tal candidato do centro democrático, da
mítica “frente ampla” que concilie interesses e partidos díspares como PT,
PSDB, MDB ou DEM, por enquanto pertence ao campo do desejo. O futuro é incerto,
mas, sem união no time adversário, ninguém será páreo para o jogo de
Bolsonaro.
No país em que faltam vacinas, número de armas não para de subir – Opinião | O Globo
Faltam vacinas, mas sobram armas. O Brasil tem hoje 1,15 milhão de armas legalizadas nas mãos de cidadãos. O número representa um aumento de 65% em relação ao arsenal registrado pela Polícia Federal e pelo Exercito em dezembro de 2018, antes da posse do presidente Jair Bolsonaro, como mostrou levantamento feito pelo GLOBO em parceria com os institutos Igarapé e o Sou da Paz.
Pelos
dados, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, o maior salto se deu nas
licenças para pessoas físicas, sob responsabilidade da Polícia Federal: 72% (de
346 mil em 2018, para 595 mil no fim de 2020). Nos registros do Exército, que
incluem caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), o aumento foi de 58% (de
351 mil para 556 mil).
Não
se pode dizer que o presidente Jair Bolsonaro não esteja cumprindo uma de suas
principais promessas de campanh: facilitar o acesso às armas, mesmo de guerra,
como fuzis, antes restritas às forças de segurança. Também não se pode dizer
que esse afrouxamento das normas para compra, posse e porte de armas tenha nos
conduzido a um país mais seguro. Ao contrário.
Basta
observar o cotidiano das cidades brasileiras, sobressaltadas por chacinas,
feminicídios, assaltos cinematográficos, guerras entre quadrilhas, confrontos
sangrentos entre policiais e bandidos e saraivadas de balas perdidas, que
sempre encontram inocentes pelo caminho. Basta lembrar os nomes de Ágatha,
Rebecca, Emilly, João Pedro e tantos outros, cujas vidas foram interrompidas
brutalmente por essa desgraça que rouba o futuro de nossas crianças e
adolescentes.
Não
poderia ser diferente. Armar a população não é política de segurança, mas de
morticínio. Nunca será. A esperança de haver alguma política séria para o setor
morreu com a saída do então ministro da Justiça e Segurança Publica, Sergio
Moro, em meio às pressões de Bolsonaro para interferir na PF. Restou o salve-se
quem puder de cidadãos reféns da violência. No seu despreparo, Bolsonaro
confunde armas com segurança.
De
nada adianta alegar que essas armas e munições são legais e estão nas mãos de
“cidadãos de bem”. Balela. Sabe-se bem o destino que tomam, indo parar nas mãos
dos bandidos. O próprio Bolsonaro foi assaltado em 1995, e a arma não o
protegeu. Foi levada pelos bandidos. As balas que mataram Marielle Franco e seu
motorista Anderson Gomes saíram de um lote desviado ou roubado da Polícia
Federal. Triste ironia: o Estado acaba por financiar o crime.
Cidadãos
mais armados representam um risco que ainda não se mostrou nos indicadores de
violência, mas certamente aparecerá depois da pandemia. Tarda, mas não falha.
Uma hora a Covid-19 passará. Mas a epidemia de violência que fustiga os
brasileiros continuará matando, sob o beneplácito do governo Bolsonaro. Ainda
não se descobriu uma vacina contra a insensatez.
O ministro que prometia – Opinião | O Estado de S. Paulo
Capaz
de fazer promessas grandiosas e incapaz de cumpri-las, Paulo Guedes agora
aposta no novo comando do Congresso para destravar sua agenda.
Já entrou para o anedotário da política nacional a capacidade do ministro da Economia, Paulo Guedes, de fazer promessas grandiosas e também sua incapacidade de cumpri-las. A “revolução liberal” anunciada por Guedes desde a campanha eleitoral de 2018 não chegou nem ao ensaio geral – a ponto de alguns dos expoentes da vanguarda revolucionária do ministro terem deixado o governo, frustrados com a prevalência da parolagem sobre a ação. Nada disso parece desanimar o ministro, que agora aposta suas fichas no novo comando do Congresso para destravar sua agenda.
O
governo, seja por meio de Paulo Guedes, seja pela voz do próprio presidente
Jair Bolsonaro, atribuía ao deputado Rodrigo Maia, até ontem presidente da
Câmara, o atraso na tramitação das reformas. Removido esse alegado obstáculo, a
expectativa da equipe econômica, segundo noticiou o Estado, é que os projetos
deslanchem.
Nada
mais falso. A Câmara sob a presidência de Rodrigo Maia apresentou uma notável
feição liberal. Havia genuína disposição para tocar adiante não somente as
propostas de reformas espinhosas, como a tributária e a administrativa, mas
também a privatização de estatais importantes, como a Eletrobrás. Pode-se dizer
que, para um governo que se dizia liberal, era uma chance de ouro.
Como
se sabe, a chance foi desperdiçada, e nada garante que a nova direção da Câmara
terá a mesma disposição demonstrada por Rodrigo Maia. Ainda que o sucessor de
Maia se apresente disposto a tocar a agenda liberal, contudo, o problema
principal permanece: é Jair Bolsonaro quem não quer nem reformas nem
privatizações.
Por
mais habilidoso que o ministro da Economia seja – e ainda esperamos que ele
revele ter essa qualidade –, reformas constitucionais não deslancham se o
presidente da República não se envolve pessoalmente na articulação para
aprová-las. Jair Bolsonaro, ao contrário, muitas vezes age como oposição, e
nisso é mais competente do que a maioria de seus opositores jamais será.
Antes
da eleição para o comando da Câmara, o presidente dizia apostar que a nova
direção, se alinhada ao governo, ajudaria a “destravar a pauta” de interesse do
Palácio do Planalto. Para os que acreditam nas promessas de Paulo Guedes, isso
significa o avanço dos projetos que, ao modernizar o Estado e o sistema
tributário, farão o País superar a profunda crise que já se avizinhava mesmo antes
da pandemia de covid-19; para quem tem um pouco de bom senso e jamais se deixou
enfeitiçar pelas falsas juras liberais bolsonaristas, no entanto, isso
significa dar impulso à agenda “conservadora” que Bolsonaro prometeu a seus
devotos.
Ou
seja, Bolsonaro, como sempre, só se interessa por aquilo que tem potencial
eleitoral e que nem de longe deveria ser prioridade neste momento tão grave da
história nacional. O presidente se anima quando fala em facilitar a compra de
armas pela população, em acabar com o “comunismo” nas escolas e em combater a
“ideologia de gênero” na cultura. Mas, quando é chamado a liderar o País no
enfrentamento da pandemia e da crise econômica e social, Bolsonaro lava as mãos
e repele a responsabilidade intrínseca ao exercício da chefia do governo.
Milhões
de compatriotas estão à míngua, sem renda, mas Bolsonaro desestimula a
discussão sobre um novo auxílio emergencial, porque, segundo diz, vai “quebrar
o Brasil”. Nada oferece no lugar, pois nada tem a oferecer, a não ser bravatas
e palavrões que excitam seus camisas pardas. Os brasileiros que se virem – para
conter o coronavírus, para comer e para respirar.
Assim,
mesmo que conte com a boa vontade da nova direção da Câmara, o ministro Paulo
Guedes terá que demonstrar qualidades políticas até agora inéditas para
conciliar a emergência nacional em razão da pandemia, a conta a pagar pelos
votos nos candidatos governistas ao comando do Congresso e os impasses sobre o
Orçamento, tudo isso em meio às sabotagens de Bolsonaro. Salvo um milagre, que,
de uma hora para outra, ponha Bolsonaro e o Centrão a trabalhar pelo bem do
País, restará à Nação continuar ouvindo promessas que não serão cumpridas.
Decisões absurdas – Opinião | O Estado de S. Paulo
No
curso da pandemia, vidas poderão ser salvas se bobagens deixarem de ser cometidas.
O desastre de Manaus, uma tragédia dentro da tragédia, foi construído por uma sucessão de ações e omissões das autoridades locais, do governo federal e de parte da população. Se os erros fatais que lá foram cometidos não forem prontamente reparados, não apenas a situação da capital amazonense piorará muito antes de começar a melhorar, como Manaus será apenas o prenúncio do que pode acontecer no restante do País.
E
nada indica que as chamadas autoridades passaram a agir com mais cuidado diante
da situação calamitosa.
Veja-se
a espantosa decisão da juíza Jaiza Fraxe, da 1.ª Vara Federal do Amazonas.
Diante de alguns casos de desrespeito à fila de vacinação no Estado, a
magistrada ordenou a suspensão de todo o envio de vacinas para Manaus até que o
governo local passasse a publicar uma lista diária com os dados dos vacinados.
Também proibiu que os fura-filas recebam a segunda dose da vacina. Seria
inacreditável se este país não fosse pródigo em decisões judiciais que desafiam
o bom senso e até mesmo a lei.
Por
qualquer ângulo que se a analise, a decisão da juíza Fraxe é um descalabro. Em
primeiro lugar, obviamente, é consenso que apenas a ampliação do número de
vacinados no País, o mais rápido possível, é capaz de conter o avanço do novo
coronavírus e diminuir o número de casos e mortes por covid-19. Interromper uma
campanha de vacinação em seus primeiros estágios, ainda que por alguns dias, ou
mesmo por horas, é jogar a favor do vírus e contra a vida dos cidadãos. É tão
simples quanto isso. Segundo, exigir uma lista com dados dos vacinados viola o
sigilo do prontuário médico. A rigor, não importa se os pacientes que terão
seus dados divulgados furaram ou não a fila de vacinação, são pacientes. A
magistrada deveria ser a primeira a saber que não se corrige um erro cometendo outro.
No
dia 27 passado, a mesma juíza determinou que a vacinação de idosos tivesse
início “imediatamente” no Amazonas após a apresentação de um plano do governo
para aplicação de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, importadas pela Fiocruz.
A elaboração da tal lista consta deste plano.
Mas
decisões absurdas não são privilégio do Poder Judiciário. O Poder Executivo
também faz das suas. Está em plena circulação no Amazonas uma nova cepa do
coronavírus, a chamada variante P.1, que é mais infecciosa do que as cepas já
conhecidas (ver editorial A tempestade perfeita, de 1/2/2021). Hoje,
a variante P.1 já é detectada em cerca de 90% dos casos de covid-19 no Estado
da Região Norte.
E
o que faz o governo local? Transfere os pacientes mais graves para outros
Estados da Federação, elevando o risco de disseminação da nova cepa pelo
restante do País. Não por acaso, governos de nações desenvolvidas já
manifestaram profunda preocupação com a falta de cuidado das autoridades
brasileiras para lidar com a variante P.1. É preciso ficar claro de uma vez por
todas que uma pandemia, por definição, não é um problema local.
Evidentemente,
seria muito mais seguro para todos – sobretudo para os enfermos – que o governo
estadual e a prefeitura trabalhassem para que a ajuda médica fosse enviada a
Manaus, e não que os pacientes fossem levados para outras cidades.
Transferências de doentes em condições críticas são sempre arriscadas.
Não
menos importante, está-se diante de uma nova cepa que ainda está sendo
estudada, mas que já é reconhecida como mais transmissível e também pode ser
mais mortal. Com base em dados de registro de Síndrome Respiratória Aguda Grave
(SRAG) do Ministério da Saúde, o Estado tabulou
que 20% do número de mortos por covid-19 no Amazonas não apresentavam qualquer
fator de risco associado. No restante do País, apenas 7,4% dos mortos não
tinham as chamadas comorbidades.
No
curso da pandemia no Brasil, muitos erros foram cometidos pelo poder público e
por cidadãos. Não se chega a um total de quase 230 mil mortes por acaso. Vidas
poderão ser salvas se bobagens deixarem de ser cometidas.
Inflação de muitas caras – Opinião | O Estado de S. Paulo
Custos
sobem para famílias e indústrias e impõem desafio incomum ao governo.
Preços em alta seguem assombrando consumidores, principalmente os mais pobres, e empresários industriais de todos os portes. Custo de vida e custo de produção têm sido fortemente pressionados pelas cotações de produtos básicos, pelo dólar valorizado e por desarranjos ocasionados pela pandemia de covid-19. Famílias de baixa renda reduziram as compras e comprimiram severamente seus padrões de consumo. Com os custos inflados, empresas têm pouco espaço, como informa reportagem do Estado, para absorver aumentos e reduzir a margem de lucro. Tudo ainda ficará pior se o governo assustar o mercado, os juros subirem e o setor público tiver de enfrentar um ajuste mais drástico.
Com
desemprego elevado e consumidor sem dinheiro, as empresas só têm repassado ao
varejo uma pequena parte de seu aumento de custos. Ainda assim, os preços
finais têm subido perigosamente. A prévia da inflação de janeiro, de 0,78%, foi
a maior para o mês desde 2016, quando a taxa bateu em 0,92%, como apontou o
IPCA-15, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15, divulgado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2020 os preços da
indústria subiram 19,40%, na maior alta anual desde 2014.
O
contraste entre custos de produção e preços finais aparece também nos dados da
Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os preços ao consumidor aumentaram 4,70% nos 12
meses até janeiro, segundo o IGP-M, o Índice Geral de Preços – Mercado. No
mesmo período a alta dos preços ao produtor chegou a 35,40%, impulsionada
principalmente pelo custo das matérias-primas brutas (+68,91%), com destaque
para os alimentos e outros produtos de origem agropecuária.
Em
janeiro, os preços ao produtor aumentaram 1,09% e aqueles pagos pelo
consumidor, 0,41%, puxados pelo custo da alimentação (+1,52%). Os preços por
atacado (ou ao produtor) são o maior componente do IGP-M, com peso de 60%. Os
preços ao consumidor correspondem a 30% e os custos da construção, a 10%. O
IGP-M avançou 2,58% em janeiro e 25,71% em 12 meses.
Embora
tenham superado a meta oficial em 2020, os indicadores da inflação ao
consumidor, em suas medidas mais amplas, de certa forma disfarçam os piores
efeitos da alta de preços, suportados pelas pessoas mais pobres. Os diferentes
efeitos são mostrados em relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea).
Em
2020, a inflação das famílias de renda muito baixa (abaixo de R$ 900 por mês)
atingiu 6,22% (4,42% em 2019). A das famílias do andar seguinte (renda mensal
entre R$ 900 e R$ 1.350) atingiu 5,43%. No topo, onde a renda supera R$ 9.000 por
mês, a alta de preços ficou em 2,74%, abaixo da registrada um ano antes
(4,18%).
Para
os mais pobres, inflação mais alta no ano e com aumento em 12 meses; para o
pessoal da cobertura, inflação mais baixa no ano e com redução no período. O
peso dos gastos com alimentação explica boa parte da diferença. Os analistas do
Ipea consideram seis faixas de renda.
A
situação das famílias pobres foi agravada pela redução e, depois, pela extinção
do auxílio emergencial. Sem medidas para socorrer esse grupo, a manutenção da
retomada será muito complicada. A equipe econômica, ainda sem um claro roteiro
de ação, continua sem resposta para o problema da sustentação do consumo.
Do
outro lado do quadro estão as indústrias pressionadas pelos custos altos e, por
enquanto, sem perspectiva de acomodação. As empresas têm enfrentado elevação de
custos internos, de insumos importados e do frete internacional. Vários setores
importam componentes. Essa dependência é bem visível na indústria
eletroeletrônica, mas também é considerável em outros segmentos. Empresas podem
mexer nos custos, mas, no limite, a saída será tentar o repasse. Problemas do
lado do consumidor ou do lado da indústria bastariam, separadamente, para
complicar a retomada. Se quiser agir, o governo terá de considerar problemas
dos dois lados, ao mesmo tempo, além das próprias limitações. Será uma
excelente oportunidade para as autoridades mostrarem trabalho e competência.
Carnaval da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo
Covid-19
impede festejos, mas mau exemplo de cima permite prever desobediência
O
governo do estado e a Prefeitura de São Paulo agem corretamente ao suspender
o ponto facultativo costumeiro em dias de Carnaval. O início lento da
vacinação contra a Covid-19 desautoriza relaxar o distanciamento social,
imprescindível para conter a escalada presente de casos e mortes no país.
Criticou-se
a falta dessa medida restritiva na folia de 2020, que decerto contribuiu para a
explosão de infecções no primeiro semestre. A pandemia então mal se iniciava e
havia pouca informação sobre sua dinâmica. Agora, 225 mil mortos depois, não se
pode alegar ignorância e brincar com a doença.
É
de prever, no entanto, que parte da população desobedecerá às autoridades e ao
bom senso. Uma amostra de tal vezo para festas fora de hora se viu nas
comemorações da torcida palmeirense pela conquista da Libertadores da América,
e não será surpresa se blocos independentes de foliões ganharem igualmente as
ruas.
Compreende-se,
até certo ponto, a necessidade de extravasar ansiedade e angústia acumuladas em
quase um ano de epidemia, porém isso não torna tal comportamento menos
perigoso. Quem se contaminar no folguedo terá de voltar para casa ou para o
trabalho, assumindo assim o risco de infectar parentes e colegas.
Os
maus exemplos, nem é preciso dizer, vêm de cima. O prefeito paulistano, Bruno
Covas (PSDB), compareceu
ao Maracanã para ver a final da Copa Libertadores. Outros 20 alcaides
paulistas ignoraram restrições da fase vermelha determinadas pelo governador
João Doria, também tucano.
O
caso do presidente Jair Bolsonaro, desnecessário dizer, é patológico. Desde o
advento da Covid ele contraria recomendações da medicina: incentiva
aglomerações, não usa máscara em público, lança desconfiança contra vacinas e
promove terapias fraudulentas contra o coronavírus.
A
vacinação seria a solução para conter a pandemia, mas o governo federal
fracassa em garantir a segurança dos brasileiros.
Não
providenciou a quantidade necessária de imunizantes, e mesmo com a escassez de
doses disponíveis preside uma campanha lenta e descoordenada, com falhas
logísticas após a distribuição ter sido terceirizada na administração de Michel
Temer (MDB).
Perante
tanto descaso e incúria, a população perde confiança até nas autoridades de
saúde que destoam do negacionismo. Com um presidente ocupado em escapar do
impeachment e proteger os filhos de processos judiciais, o Brasil enfrenta às
cegas a pior emergência sanitária em um século.
Entregar-se
ao Carnaval, nessa conjuntura, seria manifestação somente de desespero.
Sem esquecimento – Opinião | Folha de S. Paulo
Direito
geral à informação precisa prevalecer sobre intentos de apagar passado
“Quero que me esqueçam.” Assim pediu o general
João Figueiredo, numa de suas últimas declarações antes de deixar a
Presidência, em 1985, aos brasileiros em geral e à imprensa em particular. Sua
súplica não foi atendida —e nem poderia. Não se pode, afinal, apagar o passado
nem privar uma sociedade de contar sua própria história.
Figueiredo
não esteve sozinho a proclamar um suposto direito ao esquecimento. Pelo
contrário, em tempos de internet, em que todo tipo de arquivo, público e
privado, está a poucos cliques de distância, cada vez mais pessoas vão às
cortes pleiteando restrições à indexação por mecanismos de busca e até o
apagamento de registros.
Entendem
os queixosos que são prejudicados pela constante rememoração de fatos
negativos, e os resultados dos julgamentos variam.
O
Supremo Tribunal Federal deverá fazer, a partir desta quarta (3), mais
uma tentativa de discutir o tema e lançar balizas jurisprudenciais. O
caso escolhido não chega a ser representativo dos dias de hoje, já
que não envolve o mundo virtual.
Trata-se
de uma vítima de assassinato nos anos 1950 que teve sua história contada num
episódio do programa “Linha Direta”, da Rede Globo, exibido uma única vez em
2004. Os irmãos da morta reclamam o direito de não ver a tragédia reencenada,
além de pedir indenização por uso indevido de imagem. Perderam no Superior
Tribunal de Justiça e recorreram.
Não
é difícil solidarizar-se com o cidadão comum que, tendo feito um comentário
infeliz nas redes sociais, passa a ter sua existência atormentada pelo passado.
O mesmo se dá com o indivíduo que, por ter cometido um pequeno ilícito na
juventude, não consegue mais obter um bom emprego.
Algo
parecido vale para autores de delitos mais graves, mas que já cumpriram suas
penas e tentam a reinserção social. A empatia não basta, porém, para recomendar
que se autorizem as pessoas a interferir em sistemas de indexação nem a
reeditar seu passado.
O
fato é que não podemos pensar o direito ao esquecimento como uma modalidade do
direito à privacidade que não precisa ser conciliado com outros princípios
fundamentais enunciados na Constituição, como a liberdade de expressão, de
investigação científica, de informar e ser informado.
Assim
como Figueiredo não pode ser esquecido, cada um de nós precisa lidar com seu
próprio histórico, por mais doloroso que seja.
Recuperação do mercado de trabalho deixa a desejar – Opinião | Valor Econômico
Tanto
o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro Paulo Guedes estão cantando
vitória antes da hora
O
governo comemorou o desempenho do mercado de trabalho em 2020. O Cadastro Geral
de Empregados e Desempregados (Caged) fechou o ano com saldo positivo de 142,7
mil empregos formais, com carteira assinada. O presidente Jair Bolsonaro
exagerou ao dizer que “nós terminamos o ano de 2020 com mais gente com carteira
assinada do que em dezembro de 2019”. O ministro da Economia, Paulo Guedes,
afirmou que, “em um ano terrível, em que o PIB caiu 4,5%, criamos 142 mil novos
empregos. A prioridade para o Brasil agora é saúde, emprego e renda”.
Guedes
comparou o desempenho do mercado de trabalho em 2020 com o de 2015 e 2016,
quando a economia encolheu menos, 3,6% e 3,3%, respectivamente, na recessão do
governo Dilma Rousseff, mas perdeu mais postos de trabalho, 1,5 milhão e 1,3
milhão, em cada um dos anos. “Agora, com a maior pandemia dos últimos 100 anos,
geramos 142 mil empregos”, disse.
No
entanto, diferentemente do que disse Bolsonaro, o número de empregos criados em
2020 é inferior ao de 2019, de 644,1 mil postos. A pandemia acabou com 1,6
milhão de postos entre março e junho. Foram recuperados 1,4 milhão depois da
fase mais aguda. O saldo do ano só fechou positivo graças aos empregos criados
antes, em janeiro e fevereiro. O Brasil não foi o único afetado. A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) estima que a covid-19 dizimou 255 milhões de
empregos no mundo todo.
Outro
fator que contrabalança os números do Caged é o fato de metade das vagas
criadas, 73,2 mil, se referirem a contratos intermitentes, quando o
profissional trabalha em dias alternados ou por horas determinadas, que podem
variar de um mês para outro, adequadas para a formalização de profissionais
inexperientes, mas que têm sido oferecidas por empresas inseguras em relação à
evolução dos negócios.
Além
disso, deve-se levar em conta que o mercado formal de trabalho foi ancorado
pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que
permitiu a suspensão de contratos de trabalho e redução de salário e de
jornada. Foram celebrados 20,1 milhões de acordos no âmbito do BEm, com custo
de R$ 33,4 bilhões em complementação dada pelo governo. O programa deixou de
valer neste ano e pode vir a ser renovado.
Reforçam
a cautela em relação à recuperação do mercado de trabalho os dados da Pnad
Contínua, apurada pelo IBGE, que vem indicando uma situação ainda frágil e o
predomínio da ocupação informal, mais vulnerável por natureza, e não captada
pelo Caged. Segundo a Pnad, a taxa de desemprego ficou em 14,1% no trimestre
encerrado em novembro, inferior aos 14,3% do trimestre terminado em outubro.
Mas o número de desempregados é de 14,023 milhões, perto do recorde, de 14,105
milhões no início de 2017, fundo do poço da recessão de 2014 a 2016, e 2
milhões a mais do que o de um ano antes.
A
população ocupada, incluindo empregados e empregadores, somava 85,6 milhões de
pessoas, sendo que 39,1%, ou 33,5 milhões de pessoas, estavam em trabalhos
informais. O contingente de trabalhadores subutilizados, também chamada de “mão
de obra desperdiçada”, que compreende desempregados, pessoas que trabalham
menos horas do que gostariam e os que não buscam emprego, mas gostariam de
trabalhar, além dos desalentados, somavam nada menos do que 32,2 milhões de
pessoas.
Os
números, no entanto, devem ainda piorar. Há quem projete que o desemprego pode
chegar aos 15%. Um dos motivos é a expectativa de que a recuperação da economia
ficará aquém do projetado em consequência do prolongamento da pandemia do novo
coronavírus, da demora no processo de vacinação da população e do renovado
risco provocado pelas novas variantes do vírus. O fim do BEm deve levar
empresas a revisarem suas políticas e, muito provavelmente, demitirem parte dos
funcionários que estavam com contratos suspensos.
Além disso, há o fim do auxílio emergencial que vai forçar o aumento da procura por trabalho. Somente o grupo de desalentados é estimado em 5,7 milhões de pessoas, que não estavam procurando ocupação por receio da covid-19 ou por achar que não encontrariam trabalho, mas aceitariam uma vaga se alguém oferecesse. Tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro Paulo Guedes estão cantando vitória antes da hora.
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