terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Centrão no comando – Opinião | Folha de S. Paulo

União de interesses fisiológicos com Planalto preocupa por impacto institucional

As vitórias de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e sobretudo de Arthur Lira (PP-AL) para as presidências, respectivamente, do Senado e da Câmara consolidam a ascendência do centrão na política federal. Essa geleia geral de legendas —com poucas ideias e muito apetite por cargos e verbas— selou um pacto de ocasião com um presidente acossado pelo risco de impeachment.

Jair Bolsonaro, por seu turno, consumou o estelionato eleitoral ao despir-se dos últimos fiapos do disfarce de vingador da política que vestiu em 2018. Enganou apenas quem não acompanhou seus sete mandatos como deputado federal especializado na arraia-miúda das transações parlamentares.

Não deixa de ser uma evolução positiva, contudo, o presidente ter deixado de atiçar quarteladas e escaramuças com outros Poderes e passado a fazer política, ainda que no modo rebaixado que lhe restou.

A nota preocupante nessa acomodação de interesses e interessados diz respeito ao equilíbrio institucional. Desaparece das presidências do Congresso, pelo menos enquanto o butim prometido pelo Planalto estiver sendo entregue, a disposição de confrontar investidas autoritárias de Bolsonaro.

O provável enfraquecimento do contrapeso legislativo vai requerer de outras instâncias de controle, em especial do Supremo Tribunal Federal, uma vigilância ainda mais atenta. Aumentam as chances de novos desafios contra a marcha civilizatória nos próximos meses.

O correr do tempo vai responder às dúvidas sobre o tamanho real da força parlamentar do governismo e sobre o que o presidente da República deseja fazer com ela além de se proteger da deposição.

A perspectiva para a renda e o emprego das vultosas parcelas mais pobres da população é de acentuada deterioração. Qualquer remédio que não inclua impor derrotas a grupos privilegiados pelos orçamentos e as regras públicas vai resultar em desconfiança e inflação.

No combate à pandemia, o horizonte não é menos carregado. Meses de incúria e falseamento da realidade por Bolsonaro deixaram o país de joelhos diante do vírus, com precária capacidade de vacinação.

Ter-se associado a chapas vencedoras na Câmara e no Senado não dota o governo de uma súbita competência ou de uma instantânea disposição para enfrentar essas batalhas cruciais. Pelo contrário, o respaldo de maiorias legislativas acaba com desculpas esfarrapadas de que o presidente não pode fazer nada contra as crises.

Talvez ele não queira fazer nada. Talvez ele não saiba como extrair bem-estar para a população brasileira do imenso e ubíquo aparato do Executivo federal. Nesse caso, as vitórias no Congresso vão no máximo adiar a prestação de contas.

 Bolsonaro sai fortalecido para disputa em 2022 – Opinião | O Globo

As vitórias de Arthur Lira (PP-AL) e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) nas disputas pelas presidências, respectivamente, da Câmara e do Senado são também vitórias do presidente Jair Bolsonaro. Sobretudo a de Lira — que derrotou Baleia Rossi (MDB-SP), candidato do agora ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) — traz a Bolsonaro o que ele mais queria (e do que mais precisava) neste momento: um seguro contra um risco imediato de impeachment. Maia era um rival, mesmo tendo se recusado a aceitar qualquer um dos mais de 60 pedidos que se acumularam em sua mesa, boa parte usando como justificativa o negacionismo do presidente, que agravou o morticínio na pandemia.

O outro lado dessa realidade é que está oficialmente dada a largada para a corrida eleitoral de 2022, com Bolsonaro na disputa. Partir na frente, com a Câmara na retaguarda e o reforço do Senado, lhe dá condições amplas de trabalhar pela reeleição com os recursos de poder que o Planalto lhe concede. Fora a simpatia do Centrão, que conquistou à custa de todo o toma lá dá cá que condenava na campanha eleitoral, Bolsonaro ainda conta com Augusto Aras, à disposição na Procuradoria-Geral da República (PGR) para sufocar qualquer investigação numa emergência (como tem feito no célebre caso das “rachadinhas”, que atinge o senador e filho Zero Um, Flávio Bolsonaro).

Bolsonaro tem demonstrado, como se vê, grande capacidade de aglutinar aliados. Para seu azar, a vitória de ontem não elimina as crises que o cercam. Seu projeto continuísta enfrenta um desafio óbvio: a tragédia pandêmica poderá ser revigorada por uma recessão econômica ainda mais funda nos próximos dois anos. Terá de trabalhar para resolver problemas bem mais urgentes que a agenda corporativista dos militares e das forças de segurança ou a “pauta de costumes” que envolve o ensino em casa, a proibição de qualquer forma de aborto, o incentivo às armas, o combate a toda política cujo mote seja igualdade de gênero e outros temas de sua predileção.

O avanço das mortes pela Covid-19 tende a criar dificuldades de outra ordem. A situação se tornará cada vez mais trágica em virtude da leniência de um governo incapaz de zelar pela prevenção e de garantir vacinas para todos no tempo devido. Falta vacina no mundo, mas a situação brasileira é mais crítica graças a Bolsonaro. O agravamento da pandemia adiará ainda mais a recuperação econômica.

Bolsonaro entra no jogo tendo de pagar a dívida com o Centrão, numa reforma política que colocará em postos-chave do governo representantes do bloco e seus aliados. Tamanha a avidez com que se lançam a negociatas e tal a apatia da PGR sob Aras, que ninguém ficará surpreso se surgirem novos escândalos (para quem já esqueceu, o mensalão começou assim).

O trunfo maior de Bolsonaro é uma oposição desacorçoada, incapaz de se aglutinar em torno de um nome com força para enfrentá-lo (nem o próprio partido Maia conseguiu unir em torno de Rossi). O tal candidato do centro democrático, da mítica “frente ampla” que concilie interesses e partidos díspares como PT, PSDB, MDB ou DEM, por enquanto pertence ao campo do desejo. O futuro é incerto, mas, sem união no time adversário, ninguém será páreo para o jogo de Bolsonaro. 

No país em que faltam vacinas, número de armas não para de subir – Opinião | O Globo

Faltam vacinas, mas sobram armas. O Brasil tem hoje 1,15 milhão de armas legalizadas nas mãos de cidadãos. O número representa um aumento de 65% em relação ao arsenal registrado pela Polícia Federal e pelo Exercito em dezembro de 2018, antes da posse do presidente Jair Bolsonaro, como mostrou levantamento feito pelo GLOBO em parceria com os institutos Igarapé e o Sou da Paz.

Pelos dados, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, o maior salto se deu nas licenças para pessoas físicas, sob responsabilidade da Polícia Federal: 72% (de 346 mil em 2018, para 595 mil no fim de 2020). Nos registros do Exército, que incluem caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), o aumento foi de 58% (de 351 mil para 556 mil).

Não se pode dizer que o presidente Jair Bolsonaro não esteja cumprindo uma de suas principais promessas de campanh: facilitar o acesso às armas, mesmo de guerra, como fuzis, antes restritas às forças de segurança. Também não se pode dizer que esse afrouxamento das normas para compra, posse e porte de armas tenha nos conduzido a um país mais seguro. Ao contrário.

Basta observar o cotidiano das cidades brasileiras, sobressaltadas por chacinas, feminicídios, assaltos cinematográficos, guerras entre quadrilhas, confrontos sangrentos entre policiais e bandidos e saraivadas de balas perdidas, que sempre encontram inocentes pelo caminho. Basta lembrar os nomes de Ágatha, Rebecca, Emilly, João Pedro e tantos outros, cujas vidas foram interrompidas brutalmente por essa desgraça que rouba o futuro de nossas crianças e adolescentes.

Não poderia ser diferente. Armar a população não é política de segurança, mas de morticínio. Nunca será. A esperança de haver alguma política séria para o setor morreu com a saída do então ministro da Justiça e Segurança Publica, Sergio Moro, em meio às pressões de Bolsonaro para interferir na PF. Restou o salve-se quem puder de cidadãos reféns da violência. No seu despreparo, Bolsonaro confunde armas com segurança.

De nada adianta alegar que essas armas e munições são legais e estão nas mãos de “cidadãos de bem”. Balela. Sabe-se bem o destino que tomam, indo parar nas mãos dos bandidos. O próprio Bolsonaro foi assaltado em 1995, e a arma não o protegeu. Foi levada pelos bandidos. As balas que mataram Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes saíram de um lote desviado ou roubado da Polícia Federal. Triste ironia: o Estado acaba por financiar o crime.

Cidadãos mais armados representam um risco que ainda não se mostrou nos indicadores de violência, mas certamente aparecerá depois da pandemia. Tarda, mas não falha. Uma hora a Covid-19 passará. Mas a epidemia de violência que fustiga os brasileiros continuará matando, sob o beneplácito do governo Bolsonaro. Ainda não se descobriu uma vacina contra a insensatez.

O ministro que prometia – Opinião | O Estado de S. Paulo

Capaz de fazer promessas grandiosas e incapaz de cumpri-las, Paulo Guedes agora aposta no novo comando do Congresso para destravar sua agenda.

Já entrou para o anedotário da política nacional a capacidade do ministro da Economia, Paulo Guedes, de fazer promessas grandiosas e também sua incapacidade de cumpri-las. A “revolução liberal” anunciada por Guedes desde a campanha eleitoral de 2018 não chegou nem ao ensaio geral – a ponto de alguns dos expoentes da vanguarda revolucionária do ministro terem deixado o governo, frustrados com a prevalência da parolagem sobre a ação. Nada disso parece desanimar o ministro, que agora aposta suas fichas no novo comando do Congresso para destravar sua agenda.

O governo, seja por meio de Paulo Guedes, seja pela voz do próprio presidente Jair Bolsonaro, atribuía ao deputado Rodrigo Maia, até ontem presidente da Câmara, o atraso na tramitação das reformas. Removido esse alegado obstáculo, a expectativa da equipe econômica, segundo noticiou o Estado, é que os projetos deslanchem.

Nada mais falso. A Câmara sob a presidência de Rodrigo Maia apresentou uma notável feição liberal. Havia genuína disposição para tocar adiante não somente as propostas de reformas espinhosas, como a tributária e a administrativa, mas também a privatização de estatais importantes, como a Eletrobrás. Pode-se dizer que, para um governo que se dizia liberal, era uma chance de ouro.

Como se sabe, a chance foi desperdiçada, e nada garante que a nova direção da Câmara terá a mesma disposição demonstrada por Rodrigo Maia. Ainda que o sucessor de Maia se apresente disposto a tocar a agenda liberal, contudo, o problema principal permanece: é Jair Bolsonaro quem não quer nem reformas nem privatizações.

Por mais habilidoso que o ministro da Economia seja – e ainda esperamos que ele revele ter essa qualidade –, reformas constitucionais não deslancham se o presidente da República não se envolve pessoalmente na articulação para aprová-las. Jair Bolsonaro, ao contrário, muitas vezes age como oposição, e nisso é mais competente do que a maioria de seus opositores jamais será.

Antes da eleição para o comando da Câmara, o presidente dizia apostar que a nova direção, se alinhada ao governo, ajudaria a “destravar a pauta” de interesse do Palácio do Planalto. Para os que acreditam nas promessas de Paulo Guedes, isso significa o avanço dos projetos que, ao modernizar o Estado e o sistema tributário, farão o País superar a profunda crise que já se avizinhava mesmo antes da pandemia de covid-19; para quem tem um pouco de bom senso e jamais se deixou enfeitiçar pelas falsas juras liberais bolsonaristas, no entanto, isso significa dar impulso à agenda “conservadora” que Bolsonaro prometeu a seus devotos.

Ou seja, Bolsonaro, como sempre, só se interessa por aquilo que tem potencial eleitoral e que nem de longe deveria ser prioridade neste momento tão grave da história nacional. O presidente se anima quando fala em facilitar a compra de armas pela população, em acabar com o “comunismo” nas escolas e em combater a “ideologia de gênero” na cultura. Mas, quando é chamado a liderar o País no enfrentamento da pandemia e da crise econômica e social, Bolsonaro lava as mãos e repele a responsabilidade intrínseca ao exercício da chefia do governo.

Milhões de compatriotas estão à míngua, sem renda, mas Bolsonaro desestimula a discussão sobre um novo auxílio emergencial, porque, segundo diz, vai “quebrar o Brasil”. Nada oferece no lugar, pois nada tem a oferecer, a não ser bravatas e palavrões que excitam seus camisas pardas. Os brasileiros que se virem – para conter o coronavírus, para comer e para respirar.

Assim, mesmo que conte com a boa vontade da nova direção da Câmara, o ministro Paulo Guedes terá que demonstrar qualidades políticas até agora inéditas para conciliar a emergência nacional em razão da pandemia, a conta a pagar pelos votos nos candidatos governistas ao comando do Congresso e os impasses sobre o Orçamento, tudo isso em meio às sabotagens de Bolsonaro. Salvo um milagre, que, de uma hora para outra, ponha Bolsonaro e o Centrão a trabalhar pelo bem do País, restará à Nação continuar ouvindo promessas que não serão cumpridas.

Decisões absurdas – Opinião | O Estado de S. Paulo

No curso da pandemia, vidas poderão ser salvas se bobagens deixarem de ser cometidas.

O desastre de Manaus, uma tragédia dentro da tragédia, foi construído por uma sucessão de ações e omissões das autoridades locais, do governo federal e de parte da população. Se os erros fatais que lá foram cometidos não forem prontamente reparados, não apenas a situação da capital amazonense piorará muito antes de começar a melhorar, como Manaus será apenas o prenúncio do que pode acontecer no restante do País.

E nada indica que as chamadas autoridades passaram a agir com mais cuidado diante da situação calamitosa.

Veja-se a espantosa decisão da juíza Jaiza Fraxe, da 1.ª Vara Federal do Amazonas. Diante de alguns casos de desrespeito à fila de vacinação no Estado, a magistrada ordenou a suspensão de todo o envio de vacinas para Manaus até que o governo local passasse a publicar uma lista diária com os dados dos vacinados. Também proibiu que os fura-filas recebam a segunda dose da vacina. Seria inacreditável se este país não fosse pródigo em decisões judiciais que desafiam o bom senso e até mesmo a lei.

Por qualquer ângulo que se a analise, a decisão da juíza Fraxe é um descalabro. Em primeiro lugar, obviamente, é consenso que apenas a ampliação do número de vacinados no País, o mais rápido possível, é capaz de conter o avanço do novo coronavírus e diminuir o número de casos e mortes por covid-19. Interromper uma campanha de vacinação em seus primeiros estágios, ainda que por alguns dias, ou mesmo por horas, é jogar a favor do vírus e contra a vida dos cidadãos. É tão simples quanto isso. Segundo, exigir uma lista com dados dos vacinados viola o sigilo do prontuário médico. A rigor, não importa se os pacientes que terão seus dados divulgados furaram ou não a fila de vacinação, são pacientes. A magistrada deveria ser a primeira a saber que não se corrige um erro cometendo outro.

No dia 27 passado, a mesma juíza determinou que a vacinação de idosos tivesse início “imediatamente” no Amazonas após a apresentação de um plano do governo para aplicação de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, importadas pela Fiocruz. A elaboração da tal lista consta deste plano.

Mas decisões absurdas não são privilégio do Poder Judiciário. O Poder Executivo também faz das suas. Está em plena circulação no Amazonas uma nova cepa do coronavírus, a chamada variante P.1, que é mais infecciosa do que as cepas já conhecidas (ver editorial A tempestade perfeita, de 1/2/2021). Hoje, a variante P.1 já é detectada em cerca de 90% dos casos de covid-19 no Estado da Região Norte.

E o que faz o governo local? Transfere os pacientes mais graves para outros Estados da Federação, elevando o risco de disseminação da nova cepa pelo restante do País. Não por acaso, governos de nações desenvolvidas já manifestaram profunda preocupação com a falta de cuidado das autoridades brasileiras para lidar com a variante P.1. É preciso ficar claro de uma vez por todas que uma pandemia, por definição, não é um problema local.

Evidentemente, seria muito mais seguro para todos – sobretudo para os enfermos – que o governo estadual e a prefeitura trabalhassem para que a ajuda médica fosse enviada a Manaus, e não que os pacientes fossem levados para outras cidades. Transferências de doentes em condições críticas são sempre arriscadas.

Não menos importante, está-se diante de uma nova cepa que ainda está sendo estudada, mas que já é reconhecida como mais transmissível e também pode ser mais mortal. Com base em dados de registro de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) do Ministério da Saúde, o Estado tabulou que 20% do número de mortos por covid-19 no Amazonas não apresentavam qualquer fator de risco associado. No restante do País, apenas 7,4% dos mortos não tinham as chamadas comorbidades.

No curso da pandemia no Brasil, muitos erros foram cometidos pelo poder público e por cidadãos. Não se chega a um total de quase 230 mil mortes por acaso. Vidas poderão ser salvas se bobagens deixarem de ser cometidas.

Inflação de muitas caras – Opinião | O Estado de S. Paulo

Custos sobem para famílias e indústrias e impõem desafio incomum ao governo.

Preços em alta seguem assombrando consumidores, principalmente os mais pobres, e empresários industriais de todos os portes. Custo de vida e custo de produção têm sido fortemente pressionados pelas cotações de produtos básicos, pelo dólar valorizado e por desarranjos ocasionados pela pandemia de covid-19. Famílias de baixa renda reduziram as compras e comprimiram severamente seus padrões de consumo. Com os custos inflados, empresas têm pouco espaço, como informa reportagem do Estado, para absorver aumentos e reduzir a margem de lucro. Tudo ainda ficará pior se o governo assustar o mercado, os juros subirem e o setor público tiver de enfrentar um ajuste mais drástico.

Com desemprego elevado e consumidor sem dinheiro, as empresas só têm repassado ao varejo uma pequena parte de seu aumento de custos. Ainda assim, os preços finais têm subido perigosamente. A prévia da inflação de janeiro, de 0,78%, foi a maior para o mês desde 2016, quando a taxa bateu em 0,92%, como apontou o IPCA-15, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2020 os preços da indústria subiram 19,40%, na maior alta anual desde 2014.

O contraste entre custos de produção e preços finais aparece também nos dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os preços ao consumidor aumentaram 4,70% nos 12 meses até janeiro, segundo o IGP-M, o Índice Geral de Preços – Mercado. No mesmo período a alta dos preços ao produtor chegou a 35,40%, impulsionada principalmente pelo custo das matérias-primas brutas (+68,91%), com destaque para os alimentos e outros produtos de origem agropecuária.

Em janeiro, os preços ao produtor aumentaram 1,09% e aqueles pagos pelo consumidor, 0,41%, puxados pelo custo da alimentação (+1,52%). Os preços por atacado (ou ao produtor) são o maior componente do IGP-M, com peso de 60%. Os preços ao consumidor correspondem a 30% e os custos da construção, a 10%. O IGP-M avançou 2,58% em janeiro e 25,71% em 12 meses.

Embora tenham superado a meta oficial em 2020, os indicadores da inflação ao consumidor, em suas medidas mais amplas, de certa forma disfarçam os piores efeitos da alta de preços, suportados pelas pessoas mais pobres. Os diferentes efeitos são mostrados em relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Em 2020, a inflação das famílias de renda muito baixa (abaixo de R$ 900 por mês) atingiu 6,22% (4,42% em 2019). A das famílias do andar seguinte (renda mensal entre R$ 900 e R$ 1.350) atingiu 5,43%. No topo, onde a renda supera R$ 9.000 por mês, a alta de preços ficou em 2,74%, abaixo da registrada um ano antes (4,18%).

Para os mais pobres, inflação mais alta no ano e com aumento em 12 meses; para o pessoal da cobertura, inflação mais baixa no ano e com redução no período. O peso dos gastos com alimentação explica boa parte da diferença. Os analistas do Ipea consideram seis faixas de renda.

A situação das famílias pobres foi agravada pela redução e, depois, pela extinção do auxílio emergencial. Sem medidas para socorrer esse grupo, a manutenção da retomada será muito complicada. A equipe econômica, ainda sem um claro roteiro de ação, continua sem resposta para o problema da sustentação do consumo.

Do outro lado do quadro estão as indústrias pressionadas pelos custos altos e, por enquanto, sem perspectiva de acomodação. As empresas têm enfrentado elevação de custos internos, de insumos importados e do frete internacional. Vários setores importam componentes. Essa dependência é bem visível na indústria eletroeletrônica, mas também é considerável em outros segmentos. Empresas podem mexer nos custos, mas, no limite, a saída será tentar o repasse. Problemas do lado do consumidor ou do lado da indústria bastariam, separadamente, para complicar a retomada. Se quiser agir, o governo terá de considerar problemas dos dois lados, ao mesmo tempo, além das próprias limitações. Será uma excelente oportunidade para as autoridades mostrarem trabalho e competência.

Carnaval da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo

Covid-19 impede festejos, mas mau exemplo de cima permite prever desobediência

O governo do estado e a Prefeitura de São Paulo agem corretamente ao suspender o ponto facultativo costumeiro em dias de Carnaval. O início lento da vacinação contra a Covid-19 desautoriza relaxar o distanciamento social, imprescindível para conter a escalada presente de casos e mortes no país.

Criticou-se a falta dessa medida restritiva na folia de 2020, que decerto contribuiu para a explosão de infecções no primeiro semestre. A pandemia então mal se iniciava e havia pouca informação sobre sua dinâmica. Agora, 225 mil mortos depois, não se pode alegar ignorância e brincar com a doença.

É de prever, no entanto, que parte da população desobedecerá às autoridades e ao bom senso. Uma amostra de tal vezo para festas fora de hora se viu nas comemorações da torcida palmeirense pela conquista da Libertadores da América, e não será surpresa se blocos independentes de foliões ganharem igualmente as ruas.

Compreende-se, até certo ponto, a necessidade de extravasar ansiedade e angústia acumuladas em quase um ano de epidemia, porém isso não torna tal comportamento menos perigoso. Quem se contaminar no folguedo terá de voltar para casa ou para o trabalho, assumindo assim o risco de infectar parentes e colegas.

Os maus exemplos, nem é preciso dizer, vêm de cima. O prefeito paulistano, Bruno Covas (PSDB), compareceu ao Maracanã para ver a final da Copa Libertadores. Outros 20 alcaides paulistas ignoraram restrições da fase vermelha determinadas pelo governador João Doria, também tucano.

O caso do presidente Jair Bolsonaro, desnecessário dizer, é patológico. Desde o advento da Covid ele contraria recomendações da medicina: incentiva aglomerações, não usa máscara em público, lança desconfiança contra vacinas e promove terapias fraudulentas contra o coronavírus.

A vacinação seria a solução para conter a pandemia, mas o governo federal fracassa em garantir a segurança dos brasileiros.

Não providenciou a quantidade necessária de imunizantes, e mesmo com a escassez de doses disponíveis preside uma campanha lenta e descoordenada, com falhas logísticas após a distribuição ter sido terceirizada na administração de Michel Temer (MDB).

Perante tanto descaso e incúria, a população perde confiança até nas autoridades de saúde que destoam do negacionismo. Com um presidente ocupado em escapar do impeachment e proteger os filhos de processos judiciais, o Brasil enfrenta às cegas a pior emergência sanitária em um século.

Entregar-se ao Carnaval, nessa conjuntura, seria manifestação somente de desespero.

Sem esquecimento – Opinião | Folha de S. Paulo

Direito geral à informação precisa prevalecer sobre intentos de apagar passado

 “Quero que me esqueçam.” Assim pediu o general João Figueiredo, numa de suas últimas declarações antes de deixar a Presidência, em 1985, aos brasileiros em geral e à imprensa em particular. Sua súplica não foi atendida —e nem poderia. Não se pode, afinal, apagar o passado nem privar uma sociedade de contar sua própria história.

Figueiredo não esteve sozinho a proclamar um suposto direito ao esquecimento. Pelo contrário, em tempos de internet, em que todo tipo de arquivo, público e privado, está a poucos cliques de distância, cada vez mais pessoas vão às cortes pleiteando restrições à indexação por mecanismos de busca e até o apagamento de registros.

Entendem os queixosos que são prejudicados pela constante rememoração de fatos negativos, e os resultados dos julgamentos variam.

O Supremo Tribunal Federal deverá fazer, a partir desta quarta (3), mais uma tentativa de discutir o tema e lançar balizas jurisprudenciais. O caso escolhido não chega a ser representativo dos dias de hoje, já que não envolve o mundo virtual.

Trata-se de uma vítima de assassinato nos anos 1950 que teve sua história contada num episódio do programa “Linha Direta”, da Rede Globo, exibido uma única vez em 2004. Os irmãos da morta reclamam o direito de não ver a tragédia reencenada, além de pedir indenização por uso indevido de imagem. Perderam no Superior Tribunal de Justiça e recorreram.

Não é difícil solidarizar-se com o cidadão comum que, tendo feito um comentário infeliz nas redes sociais, passa a ter sua existência atormentada pelo passado. O mesmo se dá com o indivíduo que, por ter cometido um pequeno ilícito na juventude, não consegue mais obter um bom emprego.

Algo parecido vale para autores de delitos mais graves, mas que já cumpriram suas penas e tentam a reinserção social. A empatia não basta, porém, para recomendar que se autorizem as pessoas a interferir em sistemas de indexação nem a reeditar seu passado.

O fato é que não podemos pensar o direito ao esquecimento como uma modalidade do direito à privacidade que não precisa ser conciliado com outros princípios fundamentais enunciados na Constituição, como a liberdade de expressão, de investigação científica, de informar e ser informado.

Assim como Figueiredo não pode ser esquecido, cada um de nós precisa lidar com seu próprio histórico, por mais doloroso que seja.

Recuperação do mercado de trabalho deixa a desejar – Opinião | Valor Econômico

Tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro Paulo Guedes estão cantando vitória antes da hora

O governo comemorou o desempenho do mercado de trabalho em 2020. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) fechou o ano com saldo positivo de 142,7 mil empregos formais, com carteira assinada. O presidente Jair Bolsonaro exagerou ao dizer que “nós terminamos o ano de 2020 com mais gente com carteira assinada do que em dezembro de 2019”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que, “em um ano terrível, em que o PIB caiu 4,5%, criamos 142 mil novos empregos. A prioridade para o Brasil agora é saúde, emprego e renda”.

Guedes comparou o desempenho do mercado de trabalho em 2020 com o de 2015 e 2016, quando a economia encolheu menos, 3,6% e 3,3%, respectivamente, na recessão do governo Dilma Rousseff, mas perdeu mais postos de trabalho, 1,5 milhão e 1,3 milhão, em cada um dos anos. “Agora, com a maior pandemia dos últimos 100 anos, geramos 142 mil empregos”, disse.

No entanto, diferentemente do que disse Bolsonaro, o número de empregos criados em 2020 é inferior ao de 2019, de 644,1 mil postos. A pandemia acabou com 1,6 milhão de postos entre março e junho. Foram recuperados 1,4 milhão depois da fase mais aguda. O saldo do ano só fechou positivo graças aos empregos criados antes, em janeiro e fevereiro. O Brasil não foi o único afetado. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que a covid-19 dizimou 255 milhões de empregos no mundo todo.

Outro fator que contrabalança os números do Caged é o fato de metade das vagas criadas, 73,2 mil, se referirem a contratos intermitentes, quando o profissional trabalha em dias alternados ou por horas determinadas, que podem variar de um mês para outro, adequadas para a formalização de profissionais inexperientes, mas que têm sido oferecidas por empresas inseguras em relação à evolução dos negócios.

Além disso, deve-se levar em conta que o mercado formal de trabalho foi ancorado pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permitiu a suspensão de contratos de trabalho e redução de salário e de jornada. Foram celebrados 20,1 milhões de acordos no âmbito do BEm, com custo de R$ 33,4 bilhões em complementação dada pelo governo. O programa deixou de valer neste ano e pode vir a ser renovado.

Reforçam a cautela em relação à recuperação do mercado de trabalho os dados da Pnad Contínua, apurada pelo IBGE, que vem indicando uma situação ainda frágil e o predomínio da ocupação informal, mais vulnerável por natureza, e não captada pelo Caged. Segundo a Pnad, a taxa de desemprego ficou em 14,1% no trimestre encerrado em novembro, inferior aos 14,3% do trimestre terminado em outubro. Mas o número de desempregados é de 14,023 milhões, perto do recorde, de 14,105 milhões no início de 2017, fundo do poço da recessão de 2014 a 2016, e 2 milhões a mais do que o de um ano antes.

A população ocupada, incluindo empregados e empregadores, somava 85,6 milhões de pessoas, sendo que 39,1%, ou 33,5 milhões de pessoas, estavam em trabalhos informais. O contingente de trabalhadores subutilizados, também chamada de “mão de obra desperdiçada”, que compreende desempregados, pessoas que trabalham menos horas do que gostariam e os que não buscam emprego, mas gostariam de trabalhar, além dos desalentados, somavam nada menos do que 32,2 milhões de pessoas.

Os números, no entanto, devem ainda piorar. Há quem projete que o desemprego pode chegar aos 15%. Um dos motivos é a expectativa de que a recuperação da economia ficará aquém do projetado em consequência do prolongamento da pandemia do novo coronavírus, da demora no processo de vacinação da população e do renovado risco provocado pelas novas variantes do vírus. O fim do BEm deve levar empresas a revisarem suas políticas e, muito provavelmente, demitirem parte dos funcionários que estavam com contratos suspensos.

Além disso, há o fim do auxílio emergencial que vai forçar o aumento da procura por trabalho. Somente o grupo de desalentados é estimado em 5,7 milhões de pessoas, que não estavam procurando ocupação por receio da covid-19 ou por achar que não encontrariam trabalho, mas aceitariam uma vaga se alguém oferecesse. Tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto o ministro Paulo Guedes estão cantando vitória antes da hora.

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