Nem
bem deu com a cara na porta dos quartéis ao tentar bagunçar o coreto por lá com
sua forma deliberada e sistemática de minar as instituições, comprometendo sua
tonicidade, Jair Bolsonaro voltou-se para outra delas que muito interessa a seu
projeto de aparelhamento do Estado, a Polícia Federal.
Não
que o ex-ministro da Justiça, atual advogado-geral de Bolsonaro e candidato a
ministro do Supremo, André Mendonça, tenha oferecido qualquer resistência a
esse projeto, muito pelo contrário.
Mas
o novo ocupante da pasta, o delegado da PF Anderson Torres, que chegou ao posto
demonstrando grande apetite por poder e por aparecer nas redes sociais, quer
colocar sua própria turma por lá.
E
sendo, ele próprio, da patota de Bolsonaro e dos filhos, a troca fica em casa e
serve ao propósito do chefe.
Desde
que venceu as eleições, o capitão não esconde sua compreensão absolutamente
peculiar do que seja o exercício da Presidência da República: o uso ilimitado
da caneta Bic para nomear e destituir pessoas não pelo currículo, algo de que
ele aliás desdenhou nesta terça-feira, mas de acordo com seu também muito
próprio código de lealdades.
O presidente não se furta a se referir ao Exército, à Polícia Federal ou ao Ministério como “meu” isso, “meu” aquilo, deixando explícita a maneira nada republicana com que enxerga as atribuições de cada uma dessas estruturas que são de Estado, e não puxadinhos do condomínio Vivendas da Barra ou mesmo do Palácio da Alvorada.
A
primeira troca feita na PF, no ano passado, teve o objetivo declarado aos
quatro ventos de blindar o filho Flávio de dissabores, em razão do cerco de
investigações que se fechava contra ele no Rio de Janeiro. Tanto que a
exigência de aparelhamento era dupla: a direção-geral e a superintendência do Rio.
Como
o STF não deixou que o preferido do pai e dos filhos, Alexandre Ramagem,
assumisse, outro Alexandre, de prenome significativo, Rolando, ficou no seu
lugar e, agora, sai para dar espaço ao indicado por Torres.
O
mexe-mexe numa instituição como a PF vai minando sua independência aos poucos.
Um período de semelhante volatilidade se deu no governo FHC 2, quando nenhum
diretor-geral se fixou no cargo depois da queda do todo-poderoso Vicente
Chelotti, que comandou o órgão no primeiro quadriênio.
O
período de maior estabilidade recente na PF se deu nos mandatos de Dilma
Rousseff: mesmo no apogeu da Lava-Jato, com o órgão integrando a força-tarefa
que atingiu em cheio cabeças coroadas do PT, a então presidente não teve
coragem de demitir Leandro Daiello, que ficou no posto de 2011 a 2017
(permaneceu mesmo com Temer, que depois também tratou de tentar aparelhar a
polícia quando sua vez na fila da Lava-Jato chegou).
Sob
Bolsonaro, essa sem-cerimônia com que ocupantes de cargos-chave em corporações
igualmente essenciais vão caindo ao bel-prazer dos interesses do presidente e
de sua família é parte fundamental do esfacelamento da capacidade de resposta a
abusos retóricos e administrativos.
As
Forças Armadas ainda tentam curar a ferida deixada pelo escancaramento dessa
forma insidiosa com que o presidente e seus ideólogos investem sobre as
estruturas que integram o Estado. O artigo de ontem do vice Hamilton Mourão no
jornal “O Estado de S.Paulo” tenta colocar um band-aid nessa chaga, mas
ela segue purgando.
A
PF também já está corroída por essa praga, bem como as bases das polícias
militares, a respeito das quais já escrevi aqui.
Episódios
como aquele em que André Mendonça, ainda em sua encarnação de ministro da
Justiça, mandou reabrir um inquérito arquivado contra alguém que escreveu num
outdoor que Bolsonaro vale menos que um caroço de pequi roído são o símbolo
dessa hipotonia, que a dança das cadeiras apenas trata de agravar.
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