O Globo
Na semana passada, participei de uma
audiência pública no STF, presidida pelo eminente ministro Gilmar Mendes, para
discutir o sistema prisional brasileiro. Minha missão — em nome da Educação e
Cidadania de Afrodescendentes e Carentes — era expor o recorte racial que
precisa existir nesse debate.
Por ser um caso de grande relevância para o
país, refletido na mais alta Corte nacional, confesso que fiquei bastante
nervoso, mas enfrentei as dificuldades e fiz minha apresentação abordando todos
os pontos que desejava: (i) a foto atual das penitenciárias; (ii) um histórico
do aprisionamento da população negra no Brasil; (iii) o impacto do coronavírus
sobre os negros; e, por fim, (iv) a desumanização nas cadeias por causa do
racismo.
Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, a população carcerária pátria é predominantemente negra, contando 64% do total, havendo também uma curva crescente no que diz respeito ao aprisionamento dessa parcela da sociedade. Enquanto o encarceramento de pessoas brancas caiu 19% nos últimos 15 anos, o número de negros presos subiu 14%. E, ao contrário do que possa parecer e do senso comum, os estudos sobre o tema mostram que brancos cometem mais crimes do que negros, mas tendem a ter um julgamento tão mais brando quanto mais clara for a cor da pele.
Essa ideia de que negros cometem mais
crimes foi construída historicamente, com a utilização do poder coercivo do
Estado. É só lembrar que o Brasil impedia o negro de ter um emprego e, ao mesmo
tempo, criminalizou o fato de alguém não ter renda e a mendicância, além das
práticas e costumes de pessoas escravizadas, como a capoeira. Em verdade, já no
século XIX, o sistema penal era extremamente racializado, e hoje temos uma
nefasta perpetuação desse panorama ora desenhado.
O impacto da pandemia sobre a população
negra brasileira — e até mesmo mundial — é evidente. Negros são os mais
expostos, por pertencer às camadas mais baixas de renda da sociedade e por
figurar nos postos de trabalho ditos essenciais. Além disso, falta acesso a
itens básicos, como água limpa para lavar as mãos, bem como a um serviço de
saúde minimamente aparelhado para oferecer tratamento adequado.
Tal quadro é fruto do processo de
desumanização sobre o qual se fundou o país. Quando se fala no racismo,
precisamos entender que esse fenômeno produz a exclusão e o sentimento de não
pertencimento, que gera situações inaceitáveis, como o caso em que o
Departamento Penitenciário Nacional propôs que presos contaminados pela
Covid-19 fossem removidos para contêineres. Essa classificação como seres
humanos de segunda categoria faz com que o imaginário coletivo desenhe o negro
como um suspeito de crime violento. Ser considerado um ser humano de segunda
classe permite que um casal branco aborde violentamente um jovem negro,
atribuindo-lhe o furto de uma bicicleta elétrica, sem qualquer evidência
concreta. Ter menos valor na sociedade é o que faz serem rotina sessões de
tortura dos presos.
Assim, vemos que o sistema carcerário,
infelizmente, tem cor. Até quando?
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