Valor Econômico
A velha política está de volta em Brasília
Nas eleições de 2018, o brasileiro
manifestou seu desejo de mudança. Indignado com a combinação de uma severa
recessão econômica e uma crise política sem precedentes na história, o eleitor
escolheu não apenas um presidente sem tradição na política, como renovou boa
parte dos ocupantes das cadeiras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Nas várias pesquisas feitas àquela época, o
cidadão que foi às urnas em outubro de 2018 buscava um novo modo de fazer
política - e o candidato vencedor soube muito bem captar esse espírito,
prometendo romper com as tradições do “toma-lá-dá-cá”, combater a corrupção
(não por acaso escolheu como Ministro da Justiça o juiz que conduziu os
processos da Operação Lava-Jato) e aplicar um choque liberal na economia.
Passados dois anos e meio da posse de Jair Bolsonaro, podemos dividir seu governo em três momentos distintos.
No primeiro ano, a pauta legislativa ficou
bastante concentrada na Reforma da Previdência e o Poder Executivo tratou de
avançar alguns pontos de sua agenda pouco definida com base em decretos e
portarias, evitando negociar com o Congresso.
Com a chegada do novo coronavírus, todas as
atenções voltaram-se para o combate aos efeitos econômicos e sanitários da
pandemia. O Congresso assumiu as rédeas dessa tarefa, enquanto o governo tratou
de abrir as comportas do gastou público e, enquanto isso, tentou aproveitar a
comoção nacional para “passar a boiada” nos temas que lhe eram mais caros -
meio ambiente e armas foram alguns dos exemplos principais.
Em fevereiro de 2021, chegamos à terceira
fase. Com a vitória de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para as
presidências da Câmara e do Senado, inaugurou-se o estágio atual, com o pacto
firmado entre Bolsonaro e os partidos do Centrão. Os resultados dessa parceria
ficaram bem nítidos na semana passada.
A aprovação, por ampla maioria, de mudanças
na Lei de Improbidade Administrativa, não deixa nenhum traço de dúvida de que a
agenda anticorrupção morreu. Combinado com o “tratoraço” do orçamento paralelo,
vê-se que o “toma-lá-dá-cá” de Bolsonaro é o sinal mais eloquente de que a
velha política venceu.
Já houve um tempo em que um superministro
da Economia dizia que, em Brasília, “piratas privados, burocratas corruptos e
criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”. A
solução mágica, na sua visão, seria “privatizar, privatizar, privatizar”.
No desespero de evitar terminar o primeiro
mandato perdendo de zero em termos de desestatização, Paulo Guedes fez vista
grossa e deixou o barco correr na votação da MP da Eletrobras. Assim, corsários
do setor de termeletricidade se aliaram à escória política e burocrática do
Planalto Central para escrever mais um capítulo da longa história de benefícios
privados arcados pela massa amorfa de consumidores e pagadores de impostos no
Brasil.
Até mesmo um animal que andava sumido na
crônica política voltou a dar as caras. Os jabutis - dispositivos nada
republicanos colocados sorrateiramente no meio de uma proposta legislativa, com
o objetivo de conceder benesses a grupos específicos - apareceram em bando na
última semana. Teve jabuti de todas as espécies: daqueles que burlam o
licenciamento do Ibama, que liberalizam o mercado de distribuição de energia,
que garantem emprego para empregados demitidos da Eletrobras, entre muitos
outros.
A votação da MP da Eletrobras trouxe ainda
uma inovação que daria inveja a Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara dos
Deputados que elevou a um outro patamar a arte de manobrar as filigranas do
regimento interno do Congresso. Como revelaram no Valor os repórteres Daniel
Rittner e Renan Truffi, os senadores inseriram um artigo na norma com 652
palavras, sem qualquer ponto entre elas - 3.197 caracteres escolhidos a dedo
apenas para eliminar o risco de o presidente vetar a garantia de contratação de
termelétricas nos próximos anos.
E vem mais por aí. A próxima sangria nos
bolsos do contribuinte é o novo Refis, que está sendo costurado nos bastidores
da Câmara e do Senado, com a complacência do Ministério da Economia. Sob a
desculpa de beneficiar a sociedade como um todo - e a pandemia é a desculpa
perfeita para tanto -, elabora-se entre quatro paredes um projeto que tem CPF e
CNPJ certeiros: grandes empresas e empresários bem relacionados com o poder,
que sempre apostam na boa vontade do governo de plantão.
No caso do novo Refis, temos no Congresso
uma verdadeira “bancada da dívida”. A partir do cruzamento de dados públicos
divulgados pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional é
possível identificar 127 deputados e senadores que aparecem como sócios
principais ou representantes legais de empresas em débito com a União. E
trata-se de uma estimativa conservadora, pois não foram consideradas
participações minoritárias ou empresas em que outros membros da família figuram
como responsáveis.
Nessa “bancada do Refis” aparecem com
proeminência os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo
Pacheco - razão pela qual se explica tanto empenho para emplacar um novo
parcelamento de dívidas, com prestações a perder de vista e o abatimento do
pagamento de multas, juros e outros encargos.
Não faz muitos anos, o mercado se
aterrorizava com as perspectivas de aprovação, pelo Congresso, das chamadas
“pautas-bomba” - propostas que eram fruto do mais absoluto populismo econômico,
sem qualquer preocupação com a sustentabilidade das contas públicas no país.
Nas últimas semanas, vemos tanto o governo
Bolsonaro quanto o Congresso Nacional propondo uma série de medidas
eleitoreiras - extensões do auxílio-emergencial, reformulação do Bolsa Família,
reajustes na tabela do imposto de renda, entre outras -, todas com
significativo impacto fiscal, e enquanto isso, na bolsa de valores, recordes em
cima de recordes.
De novo mesmo, em nossa política, só a
marca trágica das 500 mil vidas perdidas. Quantas delas poderiam ter sido
evitadas?
*Bruno Carazza é mestre em
economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro”.
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