O Globo
A CPI da Covid é um Big Brother da
política, que mistura nomes ilustres com nomes desconhecidos, produzindo
desconhecidos ilustres.
Nesse programa da TV Senado, amplamente
divulgado pela mídia e comentado nas redes sociais, a grande estrela é o
relator Renan Calheiros (MDB-AL), que se comporta com a experiência de quem
está no Senado há mais de 26 anos, já foi quatro vezes o presidente da Casa e é
pai do governador de Alagoas.
Mas o presidente da comissão de inquérito,
Omar Aziz (PSD-AM), e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), também
não são nada bobos: um já foi governador do Amazonas, e o outro é o senador
mais votado da história do Amapá.
Renan, Omar e Randolfe protagonizam seus papéis individuais nesse reality show, mas, quando juntos, se transformam numa espécie de Tiago Leifert, coordenando a participação dos brothers, que, de brothers, não têm nada.
Entre os senadores, alguns se mostram mais
atuantes, como Otto Alencar (PSD-BA), que faz questão de deixar claros seus
conhecimentos sobre medicina, ou como Luis Carlos Heinze (PP-RS), que fez
questão de deixar claros seus desconhecimentos sobre esse assunto. Numa sessão,
ele exaltou o microbiologista francês Didier Raoult, defensor da cloroquina e
vencedor do prêmio Rusty Razor. Fez isso sem saber que, em português, rusty
razor quer dizer “navalha enferrujada” e que esse prêmio foi criado pela
revista britânica “The Skeptic” para desmoralizar os cultores da pseudociência.
Outra figura presente na CPI é a senadora
Leila Barros (PSB-DF), a Leila do Vôlei, muitas vezes elogiada por suas
sacadas, levantadas e cortadas, que na verdade aconteciam quando ela ainda
estava nas quadras.
Entre os depoentes, tivemos personagens como
o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que garantiu que o fato
de ter escrito que o coronavírus é o comunavírus não atrapalhou em nada a
relação com os chineses na compra de vacinas. E que não sabia dizer por que o
Brasil rejeitou o oxigênio que os venezuelanos ofereceram mandar para as
vítimas de Manaus.
Dos outros depoentes, um dos mais evasivos
foi o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, que, durante horas, disse
nada sobre coisa alguma.
E os dois mais afirmativos foram os presidentes
da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, e da Anvisa, Antonio Barra Torres.
O presidente da Pfizer contou as inúmeras cartas sobre vacinas que a empresa
mandou ao governo brasileiro, sem obter nenhuma resposta. E o da Anvisa
comentou que o governo brasileiro queria bulir na bula da cloroquina.
Quem não soube falar desses fatos foi o
ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, que, estratégico que é, se
manteve camuflado, apesar de à paisana.
Destacou-se também a doutora Nise
Yamaguchi, com ideias tão desencontradas quanto seus cabelos.
Aconteceram ainda, na CPI, novos
depoimentos do ministro Queiroga, investigações sobre um possível gabinete de
saúde paralelo e até conversas sobre futebol, discutindo se o Brasil devia ou
não devia sediar a Copa América.
Enfim, polêmicas, estapafurdices e
discussões são uma tradição das CPIs.
Mas, desta vez, tivemos pelo menos uma
grande revelação: a médica infectologista Luana Araújo. Jovem, aprendeu a ler
aos 2 anos de idade. Fez mestrado em saúde pública na Universidade Johns
Hopkins, nos EUA, e foi a primeira brasileira a ganhar a prestigiada Bolsa
Sommer. Luana disse o certo com as palavras certas: “Discussão sobre tratamento
precoce é delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente. É como se a
gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana vai pular”.
Seu depoimento foi bem definido por Tutty
Vasques: “O Brasil está dividido: metade aplaude entusiasticamente a lucidez da
infectologista Luana Araújo. A outra metade quer casar com ela!”.
Neste momento tão polarizado, quando muitos
sonham com uma terceira via, periga Luana Araújo virar candidata a presidente.
Como, além dos seus méritos profissionais,
ela também toca piano, canta bem e gosta da Nina Simone, sua eventual
candidatura é música para os ouvidos de quem não aguenta mais ouvir tanta
besteira.
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