O Estado de S. Paulo
O País corre o risco de entrar em combates
fratricidas, a violência tomando conta da cena
O Brasil está saciado, para não dizer
farto, das polarizações da vida política nos governos Lula, Dilma e Bolsonaro,
com distintas versões do “nós contra eles”, de esquerda e de extrema direita,
dominando a cena do País. Seja de uma cor ideológica, seja de outra, os
brasileiros foram atirados uns contra outros, como se não houvesse unidade
nacional ou valores coletivos, morais e religiosos que pudessem ser
compartilhados por todos.
Eram as hordas do MST infernizando o campo,
o MTST fazendo o mesmo nas cidades, com o beneplácito e apoio dos governos Lula
e Dilma; hoje são as hordas digitais e de motocicleta das milícias
bolsonaristas, ostensivamente sustentadas pelo atual presidente. A continuar
nesse ritmo, o País corre o risco de entrar em combates fratricidas, com a
violência tomando conta do cenário. A violência verbal e os discursos
demagógicos acarretam consequências práticas.
Mais vale parar a corrida contra o abismo,
antes de nele cairmos. No entanto, para os atuais contendores, Bolsonaro e
Lula, mais vale que o cenário permaneça como está, até com maiores tensão e
acirramento. Quanto mais um vociferar contra o outro, tanto maior será o
benefício de ambos. A retroalimentação é o ar que eles respiram. Não há nenhuma
intenção deles em criar um ambiente de apaziguamento e entendimento. O bem da
Nação passa ao largo de suas estratégias. Bem coletivo, bem-estar social de
todos? Ora bolas, quem se preocupa com isso?!
Há um desânimo crescente na sociedade e, ao mesmo tempo, uma esperança de mudança. Desânimo porque a polarização só produz novos conflitos, numa multiplicação infinita que leva à conservação do status quo e, enquanto barganha, ao fortalecimento dos interesses corporativos e estamentais. Os mais desfavorecidos pioram sua condição, enquanto os privilegiados, os que gozam de “direitos adquiridos”, usufruem parcela cada vez maior do bolo coletivo. Uns comem mais, outros comem menos. Uns têm melhor atendimento de saúde, outros morrem pelo vírus que grassa no País, alguns mesmo sufocados ou em corredores de hospitais. Uns têm melhor educação, graças aos meios tecnológicos, outros nem educação têm, pela falta desses meios.
Esperança porque todos pensam ou têm o
pressentimento de que há um mundo para além da polarização, para além da
violência e da insegurança que primam em nosso dia a dia. O caminho do bem
coletivo é o da democracia, do diálogo, da negociação republicana, da busca
incessante de acordos e consensos em questões essenciais, as que afligem a
maior parte da população deste país. A sociedade está muito mais propensa ao
entendimento do que o mundo político, que o dispensa. Aflita, ela procura novos
caminhos, enquanto percebe, estarrecida, que os atores políticos mais
importantes, os da polarização, tudo fazem para barrar seu caminho.
A mudança sinalizando para a superação da
radicalização de direita e de esquerda está no ar, porém esses atores do “nós
contra eles”, dos “amigos contra os inimigos”, tudo aspiram para si. É como se
o oxigênio da política e da democracia fosse exclusivamente deles. Os demais,
os que almejam o bem comum, seriam nada mais que atores coadjuvantes, sempre e
quando submissos a cada um desses polos. Do contrário, nem coadjuvantes
deveriam ser.
Os bolsonaristas procuram capturar e
subordinar a si a direita conservadora, com destaque para os evangélicos e os
militares, os liberais e, de modo geral, o centro do espectro político,
amalgamando os seus valores, distintos, com os desses grupos e correntes. Os
petistas, repetindo sua experiência histórica, que terminou no desastre do
governo Dilma e na corrupção generalizada, procuram impor a sua hegemonia aos
outros grupos de esquerda, encenando uma aparência de conciliação, algo que só
serve para os seus crédulos. Fanáticos há em ambos os lados!
Em cenário tão controverso, para não dizer,
perigoso, há dois fatores que apontam para uma saída. O primeiro, já
assinalado, é o desejo da sociedade de ultrapassar esse tipo de oposição
excludente, ciente de que tal radicalização é prejudicial a todos. A sociedade,
por assim dizer, exige que os partidos e líderes políticos encarnem e
representem essa mudança, não se submetendo aos agentes da polarização. Ela
exige que eles não se apequenem.
O segundo é o processo em curso de erosão
das candidaturas de centro, algumas tendo se mostrado apenas como balões de
ensaio ou formas de aparecer na cena pública, conforme diferentes interesses
particulares.
A redução do número dos participantes é aqui um elemento importante, pois quanto maior o seu número, menores serão as chances de sucesso. Ficarão na corrida os mais experientes, os que tiverem a pele mais grossa para enfrentar uma campanha desse tipo, que tende a ser acirrada, até mesmo violenta, no mundo digital e no físico. Talvez algum dos candidatos presentes consiga se impor, galvanizando essa alternativa; talvez algum outro, que não esteja sendo nomeado pelo momento, surja, dando ao País um alento de esperança.
*Professor de filosofia na UFGRS.
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