Valor Econômico
Mercado deve ter novo encontro com o risco
fiscal na eleição
O mercado financeiro está vivendo de ondas
que empurram os preços de ativos para cima. É o “trade” da reflação americana,
o “trade” da vacinação e o “trade” do alívio fiscal. Quanto tempo esse último
vai durar?
A visão mais pessimista é que dure até
agosto, quando o governo deve enviar o Orçamento de 2022 para o Congresso. Num
ano de eleições, as pressões por gastos serão naturalmente maiores. Já há
notícias, por exemplo, de que o presidente Bolsonaro pretende conceder reajuste
salarial para o funcionalismo e turbinar o Bolsa Família.
Uma visão um pouco menos pessimista é que,
apesar de alguns solavancos na discussão do Orçamento, o clima só vá mesmo
azedar durante as eleições presidenciais. A polarização entre Bolsonaro e Lula,
e a possibilidade de uma eventual vitória do candidato petista, poderia trazer
de volta o receio do populismo fiscal e o risco de dominância fiscal.
Christopher Garman, do Eurasia Group, divulgou uma carta aos clientes na sexta-feira com um cenário mais otimista. Apesar de idas e vindas, dos vários momentos de tensão, no fim as instituições brasileiras - Congresso, especialistas, órgãos de controle, imprensa - estão funcionando bem para conter o descarrilhamento fiscal. “Se Lula for eleito, sua administração não se provará tão fiscalmente irresponsável como os especialistas provavelmente temem, e os riscos de uma virada populista de Bolsonaro também podem estar sendo superestimados.”
As contas fiscais tiveram uma melhora
inesperada desde o começo do ano passado, com a queda da dívida pública e a
redução do déficit primário. Esse sopro positivo, com certa ironia, tem sido
festejada pelos dois extremos nessa disputa eleitoral. Economistas ligados à
administração petista vêm afirmando que os dados fiscais comprovam a tese de
que a coisa não era tão ruim como se pregava e que, durante a pandemia, houve o
chamado terrorismo fiscal. Já a equipe econômica de Bolsonaro vem destacando
uma presumida virtude fiscal, que preservou o teto de gastos, tirando o que
ficou além dele.
Na verdade, a melhora nas contas fiscais
foi causada pela sorte. A inflação de forma geral, e os preços de commodities
em particular, subiu muito, corroendo uma parte da dívida pública e favorecendo
a arrecadação dos governos. Mas os economistas ainda não sabem qual será o
impacto total neste ano. Também se dividem sobre qual poderá ser a ajuda total
ao longo dos anos.
Várias instituições financeiras, como o
Santander, a XP e o BTG Pactual, preveem que a dívida bruta do governo geral vá
cair dos 88,8% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2020 para cerca de 82% do PIB
em 2021. Mas a Instituição Fiscal Independente (IFI) foi mais conservadora nas
suas contas, apontando um percentual de 85,6% do PIB, embora esteja aberta a
observar os dados para ver se poder rever para baixo.
O ponto central das divergências das projeções
é a estimativa para o chamado deflator do PIB. Enquanto que a corrente mais
otimista do mercado cita percentuais da ordem de 10%, a IFI trabalha com 8%. O
mercado também aposta em crescimento real do PIB mais próximo de 5%, ante 4,2%
estimados pela IFI.
Boa parte dessa discussão, porém, é sobre a
ajuda da inflação na melhora dos indicadores fiscais, algo que não se pode
contar que vá ocorrer de novo. Seja em 82% do PIB, seja em 85,6% do PIB, a
dívida está muito alta - cerca de 30 pontos percentuais do PIB acima da média
dos países emergentes. Só as variáveis reais, como o efetivo crescimento do
PIB, o superávit primário e a taxa real de juros, podem fazê-la baixar.
Ninguém sabe exatamente como essas
variáveis reais vão se comportar daqui para diante, mas o quadro geral não é
dos melhores. A sorte pode ajudar aqui e ali, mas não é algo que pode se contar
Um ponto de divergência entre os
economistas é quanto, exatamente, a arrecadação vai responder ao crescimento da
economia. Normalmente, os economistas preveem que uma alta de 1% no PIB gera um
aumento entre 1% e 1,1% na arrecadação. Mas a IFI examinou os dados passados e
constatou que em períodos de boom das “commodities” a arrecadação costuma subir
entre 1,5% e 2% a cada ponto percentual de alta do PIB.
Pelos dados acima, fica claro que, se o
“boom” das commodities durar muito tempo, poderá levar a uma melhora acima do
esperado da dívida pública. Naturalmente, também vai depender de como a
arrecadação responde ao PIB.
A economista-chefe do Santander, Ana Paula
Vescovi, publicou um estudo na semana passada que ilustra muito bem esse ponto.
No cenário básico do banco, o Brasil só vai voltar a ter superávits primários
em 2027. Esse cálculo leva em conta que, no longo prazo, a capacidade de
crescimento da economia vá ficar em 1,5% e que, para cada ponto percentual de
PIB, a arrecadação cresça 1,1%. Mas, segundo as estimativas do Santander, o
superávit primário poderá chegar em 2025 se a resposta da receita for de 1,3%.
O próprio crescimento real da economia é
muito importante para a dinâmica da dívida. A IFI estima uma expansão anual de
2,3% ao ano, que traria de volta os superávits primários em 2025. O percentual
parece exagerado. Desde o Plano Real, a economia cresceu, em média, 2,2%,
apesar de uma expansão mais significativa da população. Para crescer mais,
seria preciso ampliar investimentos e a produtividade da economia, algo que
poucos acreditam.
Outra premissa polêmica é a taxa de juros
que incide sobre a dívida. A IFI trabalha com 3,3% reais ao ano, um pouco mais
alto do que o juro neutro estimado pelo Banco Central, de 3%. A realidade é
que, apesar de a estimativa do Banco Central parecer precisa, ela não é. Na
verdade, o BC estima uma faixa em que o juro neutro deve se encontrar. Pelos
seus cálculos, há 95% de chances de que esteja entre 1% e 5%. Aos poucos, o
mercado vem estimando percentuais maiores. O Santander, por exemplo, estima em
4%.
De todas essas variáveis, a que o governo
tem controle mais imediato é o superávit primário. Mas, daqui até a eleição, o
cenário é de mais gastos, não de contenção.
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