EDITORIAIS
A classe média não é culpada
O Estado de S. Paulo
Incapaz de promover crescimento seguro,
geração de empregos e bom uso do dinheiro público, o ministro da Economia,
Paulo Guedes, tenta associar o drama dos mais pobres ao desperdício de comida pela
classe média. “Precisamos dar incentivos para que o que é jogado fora possa ser
endereçado aos mais necessitados”, disse o ministro num evento da Associação
Brasileira de Supermercados. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina,
presente na ocasião, poderia ter informado seu companheiro de governo sobre a
produção e a disponibilidade de alimentos no Brasil, mas preferiu acompanhá-lo
em seus comentários sobre a perda de alimentos e a necessidade de rever prazos
de validade.
Há desperdícios, de fato, mas só por imensa
ignorância ou escandalosa má-fé se pode lançar sobre a classe média a
responsabilidade pela fome. Até 2014 a desnutrição era um problema limitado a
uma parcela muito pequena da população. As condições pioraram a partir da
recessão de 2015-2016, mas a fome só chegou a proporções desastrosas durante o
desgoverno do presidente Jair Bolsonaro. Não se passa fome por escassez de
comida, mas por falta de dinheiro para comprá-la.
Antes de falar sobre os hábitos da classe média, o ministro da Economia deveria dar atenção ao mercado de trabalho, com 14,8 milhões de desempregados no primeiro trimestre e mais de 30 milhões de subutilizados – contingente formado pelos desocupados, desalentados e outros milhões de trabalhadores potenciais. O quadro seria pior se milhões de indivíduos, em vez de tentar uma precária sobrevivência trabalhando por conta própria, continuassem buscando uma vaga.
O fracasso da impropriamente chamada
política econômica ficou visível já em 2019, início da infeliz era
bolsonariana. Naquele ano a economia cresceu menos que em 2018 e o desemprego
permaneceu elevado. O único resultado positivo foi a aprovação da reforma da
Previdência, um assunto já encaminhado na gestão do presidente Michel Temer. No
primeiro trimestre de 2020 o Produto Interno Bruto (PIB) foi menor que nos três
meses finais do ano anterior, embora o impacto da pandemia só se tenha
manifestado na segunda quinzena de março.
As ações a favor da sustentação da economia
e da renda dos trabalhadores, em 2020, deram algum resultado, e nessa fase o
Brasil quase se alinhou aos mais de cem países governados por líderes mais
sérios e responsáveis. Todos tentaram, nos limites de suas possibilidades e
recorrendo, em muitos casos, a ajuda externa, atenuar os efeitos da crise
sanitária. Mas o Brasil novamente se distinguiu, a partir do segundo semestre
daquele ano, com a elaboração de um projeto orçamentário irrealista e a redução
do auxílio emergencial. A suspensão do auxílio no começo de 2021 jogou milhões
de famílias no desespero, tornando-as dependentes de campanhas de
solidariedade.
Gente de todas as camadas, incluída a
classe média atacada pelo ministro Guedes, participou do socorro às famílias
sem dinheiro e sem comida, enquanto a equipe econômica tropeçava nos próprios
pés e o Executivo negociava fatias do Orçamento com o Centrão. Um dos produtos
dessas negociações foi a criação de um Orçamento paralelo, concebido para
favorecer parlamentares dispostos a colaborar com o presidente e sua turma. A
equipe econômica, muito bem comportada, foi incapaz de resistir ao
dilaceramento das verbas enquanto faltava emprego e a grande massa continuava
desassistida.
Além de se mostrar incapaz de promover a
criação de empregos e de ajudar os pobres na fase mais crítica deste ano, o
desgoverno federal contribuiu para o aumento da inflação, desde o ano passado,
assustando os investidores financeiros e motivando enorme valorização do dólar.
A instabilidade cambial, atenuada só recentemente, alimentou a inflação. Nos 12
meses terminados em maio os preços ao consumidor aumentaram mais de 8%. Os
piores efeitos, obviamente, foram sentidos pelos mais pobres, finalmente
lembrados, na quinta-feira, pelo ministro da Economia. Mas a culpa da fome,
segundo ele, é da classe média.
O dever do Senado
O Estado de S. Paulo
No início deste mês, o presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, pediu a Jair Bolsonaro que,
por cortesia com a Corte, aguarde a aposentadoria do ministro Marco Aurélio
para indicar um novo nome para o cargo. O decano do STF vai se aposentar no dia
12 de julho.
O pedido de Luiz Fux não foi sem motivo. Em
outubro de 2020, desrespeitando o protocolo, o presidente Jair Bolsonaro
indicou o nome de Kassio Nunes Marques para a vaga do ministro Celso de Mello,
quando este ainda estava no tribunal.
De toda forma, ainda que seja importante
zelar pelos protocolos – o modo como cada autoridade respeita as normas de
educação e cortesia costuma ser um bom indicativo da compreensão do seu papel
institucional –, o essencial no processo de escolha de um novo ministro do STF
é cumprir a Constituição. Aqui, o Senado tem um papel fundamental.
Ao longo de 30 meses de governo, o
presidente Jair Bolsonaro não manifestou especiais preocupações com as
disposições constitucionais. Sua atuação foi em sentido contrário, o que pode
ser constatado pelo próprio comportamento de André Mendonça e Augusto Aras – os
dois nomes mais cotados para a próxima vaga do STF.
Em vez de buscarem manifestar, no exercício
de suas funções públicas, um irreprochável conhecimento do Direito e um
irredutível compromisso com a Constituição – afinal, são os elementos que devem
integrar o currículo da pessoa indicada para a vaga no Supremo –, André
Mendonça e Augusto Aras notabilizaram-se pelo descuido com os mandamentos
constitucionais.
Por exemplo, enquanto esteve no Ministério
da Justiça, André Mendonça pôs o aparato estatal para perseguir um professor
que instalou, no Tocantins, dois outdoors críticos a Jair Bolsonaro. Por sua
vez, Augusto Aras – apenas para ficar no campo de desrespeito às liberdades de
expressão – acionou o Conselho de Ética da USP pedindo punição a um professor,
que qualificou de omissa sua atuação à frente da Procuradoria-Geral da
República.
Em tempos normais, condutas assim
desqualificariam de imediato um eventual nome para o Supremo, cuja missão é
defender a Constituição. Em tempos de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto,
atos desse teor – moldados não pelo Direito, mas por uma adesão
antirrepublicana aos interesses pessoais do presidente – podem fazer com que o
seu autor seja o indicado para ocupar a mais alta Corte do País.
Diante desse cenário, vislumbra-se uma
certeza. Não se sabe quem será o indicado para o lugar do ministro Marco
Aurélio, mas já se sabe que o Senado terá um árduo trabalho na sabatina do nome
escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro.
A sabatina não é uma tarefa burocrática.
Recai sobre os senadores a grave responsabilidade de atestar o cumprimento dos
requisitos para a vaga. A Constituição é expressa: “O STF compõe-se de 11
ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de
idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.
Estas duas condições – notável saber
jurídico e reputação ilibada – não são requisitos abstratos ou de difícil
aferição. Por exemplo, o texto constitucional exige que o saber jurídico do
indicado seja facilmente percebido por todos. Se há dúvida a respeito do grau
de conhecimento jurídico do indicado, o requisito constitucional não está
preenchido.
O mesmo se pode dizer a respeito da
reputação. Ilibada é “límpida, intacta, sem mancha, sem sombra, sem nenhuma
suspeita”, como já se escreveu neste espaço.
Há hoje muitas críticas contra o Supremo,
pelos mais variados motivos. Muitas vezes, acusa-se o Judiciário de ser
insubmisso ao critério democrático. Ele estaria à margem do poder do eleitor.
Ao menos na escolha do ministro do Supremo, isso não é verdade. Na sabatina do
Senado, são os representantes eleitos pelo voto que decidem sobre a composição
do Supremo.
Poucos atos da vida pública têm tantos e
tão duradouros efeitos sobre a vida dos brasileiros e o funcionamento do Estado
como a nomeação de um novo ministro do STF. Que o Senado atue à altura de sua
responsabilidade.
Os prumos da Otan
O Estado de S. Paulo
Aliança também debateu desafios como as mudanças climáticas e novas tecnologias
A cúpula da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan) marcou um passo significativo na sua adaptação ao novo
desenho geopolítico do século 21. A médio prazo, isso implica alinhar os
ponteiros da agenda “Otan 2030”. A curto prazo, os 30 membros da Aliança se
comprometeram a produzir até 2022 a nova versão de seu Conceito Estratégico, o
documento que define suas linhas de ação, revisado há 10 anos. Além das novas
ameaças de seu velho adversário, a Rússia, a Otan tratou de desafios como as
mudanças climáticas, tecnologias de ponta e, sobretudo, a ascensão da China.
A cúpula foi a primeira com o presidente
americano Joe Biden, sucessor de Donald Trump, que, entre suas diatribes
antimultilateralistas, chegou a chamar a Aliança de “obsoleta”. O alívio, ainda
que expresso em linguagem diplomática, foi indisfarçável. “Nos últimos quatro
anos tivemos alguns desafios no relacionamento transatlântico”, disse o
secretário-geral, Jens Stoltenberg. “Temos uma oportunidade única de abrir um
capítulo novo no relacionamento entre a América do Norte e a Europa.” O
capítulo é novo, alguns dramas são antigos. Em 2014, os aliados se
comprometeram a despender 2% de seu PIB em defesa até 2024, mas só 1/3 atingiu
a meta. Os EUA continuam a pressioná-los, com boas razões.
Entre as melhores está a necessidade de
adaptação à revolução tecnológica. “Por décadas, os aliados da Otan lideraram o
avanço tecnológico”, disse Stoltenberg, “mas isso não é mais óbvio”, seja pelos
investimentos em tecnologia da Rússia e sobretudo da China, seja porque a
antiga dinâmica do setor de defesa promovendo inovações – como internet,
energia nuclear, GPS – depois absorvidas pelo setor civil “agora se inverteu” –
vide o desenvolvimento da Inteligência Artificial ou da computação quântica.
A Aliança está redigindo uma estratégia
para a Inteligência Artificial e estabeleceu um “acelerador de tecnologia
transatlântica” para conectar fornecedores civis à defesa. Também aprovou uma
estratégia de defesa cibernética e definiu inequivocamente que o espaço
cibernético, junto com o espaço sideral, vem se juntar aos tradicionais “terra,
mar e ar”, como domínios abrangidos pelo art. 5.º da Carta, segundo o qual o
ataque a um dos membros agride todos.
A Rússia segue sendo uma preocupação
central para a Aliança, que criticou a proliferação de seus arsenais, suas
agressões híbridas, ataques cibernéticos e campanhas de desinformação.
Todas essas pautas convergem para os
“desafios sistêmicos” impostos pela China. No Conceito Estratégico da Otan de
2010, a China não era sequer mencionada. Na cúpula anterior, há 18 meses,
falou-se em “oportunidades e desafios”. Agora, a ênfase esteve claramente nos
desafios da China.
A caminho de se tornar a maior economia do
mundo, a China construiu a maior frota naval e está expandindo seu arsenal
nuclear. O comunicado do G-7, emitido dias antes, foi assertivo nas críticas a
Pequim sobre direitos humanos, comércio e falta de transparência em relação à
origem do coronavírus. O da Otan citou as “políticas coercitivas” da China, a
conversão de tecnologias disruptivas em armas e sua participação com a Rússia
em exercícios militares na área Euro-Atlântica e no espaço. O envolvimento de
companhias chinesas em infraestruturas críticas é outra preocupação. “Nós os
vemos na África, no Ártico e os vemos tentando controlar nossa infraestrutura”,
disse Stoltenberg.
A resposta dos diplomatas “lobos
guerreiros” chineses foi imediata. “Não apresentaremos um ‘desafio sistêmico’ a
ninguém, mas se quiserem nos impor um ‘desafio sistêmico’ não ficaremos
indiferentes.”
A cúpula foi embutida entre o encontro do G-7 e a reunião entre EUA e União Europeia. Ao embarcar para o seu tour europeu, Biden afirmou que pretendia “deixar claro para (o presidente da Rússia, Vladimir) Putin e a China que a Europa e os EUA estão firmemente unidos”. Em que pesem as reservas dos europeus por causa dos seus laços econômicos com ambos os países, do ponto de vista geopolítico o intento foi bem-sucedido. Resta ver se, e como, essa união se traduzirá em ação.
Derrotar milícias exigirá combate às fontes
de renda
O Globo
A queima de fogos de cinco minutos durante
o sepultamento do miliciano Wellington da Silva Braga, o Ecko, morto pela
Polícia Civil no último dia 12, mostrou de forma ruidosa que, apesar da
retirada de cena do chefão mais procurado do Rio, a milícia está mais viva do
que nunca. Ecko, baleado durante uma operação policial quando estava na casa da
mulher em Paciência, na Zona Oeste do Rio, comandava a maior milícia do estado,
com atuação não só na capital, mas também na Baixada Fluminense e na região da
Costa Verde.
Não se sabe se o espólio de Ecko ficará em
família — o próprio bandido herdara o negócio ilícito de um irmão, morto pela
polícia em 2017 — ou se será alvo de disputa entre quadrilhas. Tanto num caso
quanto no outro, não é improvável uma guerra sangrenta por territórios a partir
da nova configuração de poder. Não se deve imaginar que a contenda ficará
restrita às milícias. Ecko foi responsável por convulsionar o submundo do
crime, unindo grupos rivais num poderoso e letal conglomerado, conhecido como
“narcomilícia”.
As milícias já controlam 57% do território
do Rio, segundo levantamento do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos
(Geni-UFF) e do Núcleo de Estudos de Violência da USP, em parceria com Fogo
Cruzado, Pista News e Disque-Denúncia. De acordo com a pesquisa, 2,1 milhões
vivem sob domínio dessas quadrilhas. Surgidas em comunidades da Zona Oeste no
início dos anos 1990, formadas originalmente por policiais e bombeiros, elas
rapidamente se espalharam pelo estado e hoje já controlam uma área maior que a
ocupada pelo tráfico. Num estado democrático, é inaceitável que milicianos
exerçam um poder paralelo para subjugar a população.
As quadrilhas começaram “vendendo” proteção
a moradores, de forma compulsória. Depois expandiram suas atividades, passando
a controlar sinais de TV e internet, comércio de botijões de gás, extração de
areia, contrabando de cigarros, transporte de Kombis e vans etc. O domínio é
tamanho que chegam a cobrar “taxas de segurança” de pipoqueiros. Hoje o negócio
mais rentável é a construção de casas e prédios clandestinos em terrenos
invadidos ou áreas de proteção ambiental. Tudo
sob a vista grossa do poder público. A expansão se beneficiou da leniência de autoridades
e do avanço dessas organizações criminosas sobre o Legislativo e o Executivo,
estratégia política para legitimar o crime que hoje contamina os escalões mais
altos da República.
Há muito as milícias deixaram de ser um
problema apenas de segurança pública. São também um risco de degradação urbana
e ambiental. Em 2019, dois prédios erguidos clandestinamente por milicianos
numa área de proteção ambiental na Muzema, Zona Oeste, desabaram, matando 24
pessoas. A indústria imobiliária irregular não reduziu o ritmo nem na pandemia.
Por mais rumorosa que seja, a morte de Ecko
move as peças, mas não muda o jogo. Evidentemente, a atuação das milícias
precisa ser alvo de combate sistemático, e são necessárias operações contra as
quadrilhas e seus líderes, detentores de extensas folhas corridas. Mas o
crucial é atacar o flanco financeiro dessas organizações criminosas, para que
elas realmente sejam desarticuladas. Caso contrário, a morte do chefão
significará tão somente que a quadrilha está sob nova direção.
Crise da pandemia atingiu mais as
empreendedoras brasileiras
O Globo
Uma pesquisa do banco Goldman Sachs com
ex-alunas do seu curso de empreendedorismo em 37 países, divulgada na semana
passada, mostra como mulheres donas de pequenos negócios estão enfrentando a
crise provocada pela pandemia. O dado mais relevante: 12% das brasileiras dizem
ter encerrado de forma permanente as atividades, número alto quando comparado a
1% entre as chinesas e 3% da média global. O percentual elevado na comparação
internacional é reflexo evidente da falta de coordenação do governo federal com
estados e municípios no combate à Covid-19, da demora na vacinação da população
e dos totais de infecções e mortes — fatores que prolongaram a crise.
Mulheres de várias partes do mundo relataram
queda no faturamento, mas aqui o quadro foi sentido com mais intensidade. Ao
todo, 66% das brasileiras disseram que perderam receita, ante menos de 60% na
média dos 37 países. A pesquisa não aponta diferenças entre os países como
justificativa para os dados de faturamento no Brasil. As empreendedoras
brasileiras atuam em setores semelhantes aos de empresárias de outros lugares.
O que as torna únicas é viver sob um governo que virou uma espécie de
referência mundial em erros cometidos durante a atual crise sanitária.
Como não poderia deixar de ser, há também
questões culturais. Por aqui, 55% apontaram as responsabilidades com os filhos
e a casa como maior desafio, ante 43% da média global. Cinquenta e três por
cento das brasileiras disseram ter dado mais atenção à família. Desse grupo,
mais de 25% acreditam que isso afetou negativamente suas empresas. Como se vê,
além de injusto e antiquado, o machismo também é ruim para os negócios.
Mesmo diante de tantos problemas, as
empresárias brasileiras mostraram poder de adaptação. Quase 80% disseram ter
mudado o modelo de negócios. Quase 60% declararam que a adoção de soluções
digitais e novas práticas de trabalho tornaram a gestão da empresa mais fácil,
com ganho de produtividade.
Não é possível, numa economia com o tamanho
e a complexidade da brasileira, subestimar o sentimento das empresárias e sua
importância. O programa de pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), uma
parceria entre a London Business School, do Reino Unido, e o Babson College,
dos Estados Unidos, calcula que haja 9,7 milhões de empreendedoras
estabelecidas no Brasil. Pela classificação do GEM, são mulheres que
administram um negócio consolidado, pagando salários, pró-labore ou qualquer
outra forma de remuneração aos sócios por mais de 42 meses. Juntas, representam
43,5% do total de empreendedores no país.
O Brasil só tem a ganhar se pararem de atrapalhá-las. Essas mulheres precisam de mais ajuda nas atividades domésticas, mais treinamento em tecnologia, mais acesso a financiamentos e escolas abertas com segurança para receber seus filhos.
Cerco ao Enem
Folha de S. Paulo
Inoperante para o que importa, MEC faz nova
investida ideológica contra exame
Como se não houvesse questões mais graves e
urgentes num país cujas escolas estão entre aquelas há mais tempo fechadas no
mundo por causa da pandemia, o Ministério da Educação segue priorizando sua
delirante cruzada ideológica.
A mais recente investida mira o Exame
Nacional do Ensino Médio. A prova, que desde 2009 é o principal meio de acesso
às universidade federais, acumulou durante sua história não poucos problemas e
dificuldades —de falhas ligadas ao gigantismo adquirido a dúvidas sobre sua
finalidade pedagógica.
A busca por aprimorar alguns de seus
aspectos, assim, é não só legítima como desejável. Não é isso, contudo, o que
vem fazendo o atual ocupante do MEC, Milton Ribeiro.
Conforme reportagem da Folha, a pasta está
em vias de criar uma estapafúrdia comissão para fazer a revisão ideológica da
prova. O dirigismo está longe de constituir novidade no governo Jair Bolsonaro.
Em 2019, o Inep, órgão responsável pelo
Enem, criou comitê para filtrar as questões daquele ano.
Pretende-se agora tornar essa instância permanente, com membros remunerados
para censurar o conteúdo desse e de outros exames, como o Sistema de Avaliação
da Educação Básica.
Do rol de critérios que deverão nortear o
processo de revisão constam algumas das obsessões bolsonaristas, como barrar
perguntas que atentem contra “valores cívicos, como respeito, patriotismo” e
“valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade”, ou ainda que sejam
“subjetivas”, conceito tão amplo quanto vago.
Totalmente alheia às necessidades
educacionais do país, a iniciativa é combatida por setores do próprio MEC. A
área técnica do Inep foi contrária à criação da comissão, argumentando que o
exame já conta com um longo processo de elaboração das questões, com ao menos
sete etapas de revisão.
Tais tentativas de impor ideologia barata
sobre práticas e conhecimentos acumulados vêm acompanhadas, desde de 2019, de
uma sucessão de desarranjos na prova.
Atrasos no cronograma de preparação do
exame tornaram-se comuns; erros na correção das provas geraram confusão e
prejuízo a milhares de estudantes em 2019; no ano passado, o necessário
adiamento da prova só ocorreu após um extenso e conturbado processo.
Longe de estarem circunscritas ao Enem, a
inépcia administrativa e a confrontação ideológica constituem a própria
essência do MEC sob Jair Bolsonaro e explicam por que, passados dois anos e
meio, o ministério segue sendo uma máquina inoperante e disfuncional.
Casa de torturas
Folha de S. Paulo
Denúncia mostra rotina de maus-tratos a
adolescente sob custódia do Estado em SP
Adolescentes em isolamento por semanas em
quartos úmidos e mofados; braços quebrados em sessão de maus-tratos; ferimentos
roxos nas pernas e costas de jovens submetidos a pancadarias.
Esses são alguns dos relatos
de práticas reiteradas contra 147 adolescentes que cumpriam medida
socioeducativa na unidade Cedro, no Complexo Raposo Tavares, da Fundação Casa
da capital paulista, entre 2015 e 2017.
Denúncia à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), apresentada pela Defensoria Pública do estado,
documenta tais relatos por meio de fotos e registros de atendimentos médicos
emergenciais a rapazes feridos com instrumentos como cinto, cabos de vassoura,
tijolos e cadeiras.
A denúncia acusa o caráter sistemático das
agressões ocorridas na unidade Cedro da Fundação Casa, seja por meio do ritual
de “recepção”, espancamento de reincidentes recém-chegados por funcionários,
seja por meio do ritual intitulado de “tranca”, isolamento de adolescentes por
24 horas.
Importa assinalar a omissão em punir
eventuais responsáveis. A denúncia internacional à entidade de direitos humanos
da Organização dos Estados Americanos (OEA) sugere haver um jogo de empurra entre
os órgãos de polícia e Justiça.
De acordo com a defensoria, falta
responsabilização penal ou cível dos agentes —houve tão somente a demissão de
alguns funcionários— e reparação às vítimas.
Em que pesem as eventuais discordâncias
sobre fatos específicos e a necessidade de apurar casos individuais, resta
claro que, de um lado, adolescentes em custódia do Estado foram torturados
—essa é a palavra— e, de outro, investigações não avançaram.
Tampouco se trata da primeira denúncia em
unidades para adolescentes no país. Em 2016, a CIDH determinou medidas ao poder
público brasileiro por causa de outros casos de agressões a adolescentes.
No ano seguinte, a Folha analisou relatórios
de inspeções feitas em 14 unidades da Federação e, em todas elas, constatou
relatos de tortura, superlotação e insuficiência de prestação de serviços.
“Ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante.” É o que preconiza a Constituição de 1988,
de forma categórica e sem admitir exceção.
Em contraste com o texto da Carta, o caso da Fundação Casa em São Paulo indica a persistência de práticas bárbaras. Resta saber se os órgãos policiais e de Justiça responsabilizarão eventuais agressores ou se esperarão a entidade internacional assim determinar.
Uma PEC para evitar a politização dos
militares
Valor Econômico
Iniciativa precisa ser olhada com mais
atenção pelo Parlamento
Avança, a uma velocidade bem abaixo da
ideal, a proposta de emenda constitucional (PEC) que veda a nomeação de
militares da ativa para cargos civis da administração pública.
A ideia é positiva. Afinal, no Brasil de
hoje o chefe do Poder Executivo insiste em mesclar sua imagem pessoal e a de
seu governo com a reputação das Forças Armadas, instituições de Estado bem
avaliadas por parte considerável da população.
Nesta equação, saem perdendo Exército,
Marinha e Aeronáutica. Em praticamente todas as semanas o presidente Jair
Bolsonaro aproveita-se da estrutura militar para realizar uma solenidade,
inaugurar uma obra ou participar de alguma cerimônia. Barracas de campanha já
viraram até cenário para as tradicionais “lives” de quinta-feira ancoradas pelo
presidente.
Foi numa dessas viagens, por exemplo, que
uma organização do Exército passou a figurar, no inquérito que tramita no
Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar a realização de atos
antidemocráticos, como um dos locais de onde foram acessados perfis suspeitos.
Bolsonaro acena para parte de sua base eleitoral sem se preocupar com os danos
institucionais que pode causar.
Entre oficiais, não há registro de críticas
em relação à PEC. Ela tornou-se, portanto, uma iniciativa que precisa ser
olhada com mais atenção pelo Parlamento.
De autoria da deputada Perpétua Almeida
(PCdoB-AC), a proposta de emenda à Constituição é debatida há meses entre os
parlamentares. Ela tomou força com a nomeação do general da ativa Eduardo
Pazuello para o Ministério da Saúde e ganhou ainda mais evidência depois que o
militar participou de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no
Rio de Janeiro.
A história é conhecida. Pazuello desrespeitou
não apenas o bom senso como também atropelou as regras de conduta que se espera
dos integrantes das Forças Armadas. Subiu em um carro de som e, ao lado do seu
comandante em chefe, falou à plateia como se num evento de campanha eleitoral
estivesse. Isso tudo depois de comparecer à CPI da Covid do Senado para
defender sua gestão no Ministério da Saúde, uma passagem que ficará marcada na
história pela ineficiência e pelos tristes números de mortes que até hoje não
param de crescer.
Ainda assim, até agora a PEC só recebeu o
apoio de 150 dos 513 deputados. Para entrar oficialmente no sistema da Câmara e
começar a ser discutida - inicialmente pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ), que analisa a admissibilidade - são necessárias as assinaturas de pelo menos
171 deputados.
O texto é ponderado. A PEC determina que
militares - das Forças Armadas ou da polícia - que quiserem ocupar cargos de
indicação políticas, como ministérios, terão que se licenciar, caso tenham
menos de dez anos de serviço, ou passar para a reserva, se tiverem mais de dez
anos. Segundo a deputada Perpétua Almeida, ainda seria possível discutir também
a ampliação para outras carreiras que tampouco deveriam exercer atividades de
caráter político-partidário.
“Busca-se resguardar as Forças Armadas
(FFAA) dos conflitos normais e inerentes à política, e fortalecer o caráter da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica como instituições permanentes do Estado e
não de governos”, destaca a parlamentar na justificativa que fundamenta a
apresentação da PEC. “As Forças Armadas, e suas altas e dignificantes funções
de defesa permanente da Pátria, não devem ser submetidas a interesses
partidários, mas também não podem se desviar de sua função constitucional para
participar da gestão de políticas de governos, estes, por definição
democrática, transitórios. A história do Brasil e a própria Constituição nos
trazem a certeza de que a presença de militares da ativa, servindo a governos e
participando da luta política partidária, pode contaminar a tropa com a politização
e a partidarização do seu corpo, fenômeno nefasto para a democracia”.
Se lamentavelmente a PEC não avançar, a
estratégia da oposição será tentar introduzir esse debate nas discussões a
respeito da reforma administrativa. Conforme revelou o Valor na semana passada,
aliás, esse tema já chegou à mesa do relator da reforma, o deputado Arthur Maia
(DEM-BA). No entanto, misturar os dois assuntos pode criar uma grande
oportunidade para aqueles contrários a ambas as iniciativas. O Brasil sairia
perdendo duplamente.
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