segunda-feira, 21 de junho de 2021

Alberto Aggio* - Uma eleição plebiscitária

Blog Horizontes democráticos

O tema eleitoral tomou conta da conjuntura política nacional. O retorno de Lula ao centro da cena colocou, pela primeira vez, uma contraposição à permanente intenção de Bolsonaro em referenciar essa questão exclusivamente a ele, coisa que fez desde o início do mandato. Depois disso foi inevitável que os outros atores se movessem. Como isso não vai parar é preciso dar um sentido positivo ao movimento.

Outros elementos que informavam a conjuntura ganharam outro peso. O tema do impeachment reduziu seu potencial em função da ocupação bolsonarista do centro de decisão das pautas da Câmara dos Deputados. Esse se constituiu no ponto nevrálgico da “guerra de posições” conduzida por Bolsonaro. Afirmar que o impeachment é a luta pelo impeachment reduziu-se a um fato agitativo, que mobiliza, mas dificilmente se tornará real. Por outro lado, a vigência da CPI da Covid, passou a representar um oásis na dinâmica parlamentar, uma vez que se tornou o único espaço no qual se exercita verdadeiramente a prática republicana que os brasileiros esperam de seus representantes. Ela contradita a lógica regressiva que predomina na Câmara dos Deputados, sob o comando de Arthur Lira, mantendo a imagem negativa do Parlamento na opinião pública.

Dominado pelo tema eleitoral e marcado por delimitações de campos quase imutáveis, com Bolsonaro e Lula definindo a polarização primária da conjuntura e o centro político ainda buscando sua própria definição – não apenas de nome para suas candidaturas, diga-se –, caímos, sem remissão, no terreno da “pequena política”. Nela, como nos mostra Gramsci, as disputas se dão “no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma mesma classe política”.

Nas circunstâncias brasileiras não poderia ser diferente. Contudo, a polarização primordial, se não for submetida a uma checagem fundada na “alta política” pode nos condenar a um “regresso ao passado”, coisa que o país não merece. A despeito de outras inflexões, o movimento de Fernando Henrique Cardoso em direção a Lula poderia ser compreendido nessa perspectiva, que guarda uma expectativa positiva. Todavia, pelo andamento da “campanha” de Lula, tudo indica que essa configuração está ainda bastante distante. Nessas circunstâncias, outras candidaturas podem jugar um papel importante, politizando o debate eleitoral e possivelmente apresentando-se como expressões mais realistas da política democrática.

Diante do regressismo e da ameaça à democracia que Bolsonaro representa para a política democrática, a eleição presidencial de 2022 está revestida de imensa dramaticidade. Em primeiro lugar, é preciso galvanizar todas as forças possíveis, buscando inclusive dividir o campo bolsonarista, para que estas eleições sejam realizadas dentro da normalidade, que elas tenham seus resultados respeitados pelo atual poder Executivo, superando ameaças diversas de convulsão e mesmo de violência. Mas o desafio diante de nós é maior. Uma eventual vitória de Bolsonaro significará a possibilidade real (coisa que não havia em 2018) de imposição de um regime político iliberal que anulará a Constituição de 1988 em sua essência democrática, republicana e de viés social.

A política democrática está desafiada, portanto, a acionar a lógica plebiscitária que foi vitoriosa na luta contra a ditadura de 1964. Essa lógica isolou o regime militar e agregou as oposições a ele. Toda eleição, de vereador a senador e, depois, a governadores, foram transformadas em plebiscitos contra a ditadura. Assim, a partir de 1970 e a cada 2 anos, mais ou menos, os brasileiros exercitaram o voto e se manifestaram em favor da democracia, que foi conquistada em 1985, mesmo por meio de uma eleição indireta para a presidência da República. Contraditando o “guevarismo”, então vigente na maior parte das esquerdas que aderiram à luta armada, cunhou-se acertadamente a expressão: “a eleição aqui é a forma mais avançada de luta” [registro aqui que a frase vem à memória da leitura de algum texto de Luiz Werneck Vianna].

É essa lógica de ação política que deve ser revisitada e redesenhada para essa nova circunstância. Não se trata de antecipar o segundo turno, precipitando definições, e se colocar ao lado de Lula para vencer Bolsonaro. Tampouco se trata de buscar uma alternativa aos dois polos, entendidos equivocadamente como “extremos”. A fórmula “nem, nem” é paralisante e desorientadora para a política democrática, além de ser antipedagógica. A lógica plebiscitária deve resgatar o fundamento da luta pela democracia. A contradição principal da conjuntura (se quisermos nos orientar por essa metodologia) é entre Bolsonaro, que representa a regressão e a supressão da democracia, e a “política da democracia” que deve se afirmar, desde o primeiro turno, mesmo com mais de um candidato. Trata-se de impedir o desaparecimento, lento e gradual, da “normalidade democrática” que ainda nos resta. Enfim, trata-se de um quadro emergencial que exige uma formulação de urgência: transformar a eleição presidencial numa eleição plebiscitária, pela democracia, contra o autoritarismo.

Não estamos, portanto, distante do desejável, que seria buscar uma alternativa que nos levasse a discutir como superar a “crise da democracia” vivenciada particularmente no Brasil, mas como expressão do nosso tempo. Esse tema da “alta política” deve e precisa estar no nosso radar. Entretanto, a ameaça bolsonarista mais a desorientação preocupante dos democratas, que cederam à antipolítica como narrativa dos tempos que correm (mesmo no combate à pandemia recusou-se o concurso e a afirmação da política, taxada como “politização”, em sentido negativo), atestam que não teremos capacidade de centrar nossa luta imediata no âmbito da “refundação democrática”, ou seja, nas “questões ligadas à fundação de novos Estados”, para citar novamente Gramsci.

Transformar as eleições presidenciais de 2022 em plebiscitária, a favor da democracia, e fazer com que essa lógica invada a seara política, a opinião pública e toda a sociedade, é a função política que nos reservam os dias que correm.

(Esse artigo está baseado na intervenção para o debate dos Conselheiros da Fundação Astrojildo Pereira – FAP -, feita em 18 de junho de 2021. Ele agrega alguns pontos levantados no debate por alguns dos participantes, embora o entendimento e o tratamento dado a eles é de inteira responsabilidade do autor)

*Professor Titular de História da UNESP-Franca-SP

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