Blog Horizontes democráticos
O tema eleitoral tomou conta da conjuntura política nacional. O retorno de Lula ao centro da cena colocou, pela primeira vez, uma contraposição à permanente intenção de Bolsonaro em referenciar essa questão exclusivamente a ele, coisa que fez desde o início do mandato. Depois disso foi inevitável que os outros atores se movessem. Como isso não vai parar é preciso dar um sentido positivo ao movimento.
Outros elementos que informavam a
conjuntura ganharam outro peso. O tema do impeachment reduziu seu potencial em
função da ocupação bolsonarista do centro de decisão das pautas da Câmara dos
Deputados. Esse se constituiu no ponto nevrálgico da “guerra de posições”
conduzida por Bolsonaro. Afirmar que o impeachment é a luta pelo impeachment
reduziu-se a um fato agitativo, que mobiliza, mas dificilmente se tornará real.
Por outro lado, a vigência da CPI da Covid, passou a representar um oásis na
dinâmica parlamentar, uma vez que se tornou o único espaço no qual se exercita
verdadeiramente a prática republicana que os brasileiros esperam de seus
representantes. Ela contradita a lógica regressiva que predomina na Câmara dos
Deputados, sob o comando de Arthur Lira, mantendo a imagem negativa do
Parlamento na opinião pública.
Dominado pelo tema eleitoral e marcado por delimitações de campos quase imutáveis, com Bolsonaro e Lula definindo a polarização primária da conjuntura e o centro político ainda buscando sua própria definição – não apenas de nome para suas candidaturas, diga-se –, caímos, sem remissão, no terreno da “pequena política”. Nela, como nos mostra Gramsci, as disputas se dão “no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre diversas frações de uma mesma classe política”.
Nas circunstâncias brasileiras não poderia
ser diferente. Contudo, a polarização primordial, se não for submetida a uma checagem
fundada na “alta política” pode nos condenar a um “regresso ao passado”, coisa que o país não merece. A despeito
de outras inflexões, o movimento de Fernando Henrique Cardoso em direção a Lula
poderia ser compreendido nessa perspectiva, que guarda uma expectativa
positiva. Todavia, pelo andamento da “campanha” de Lula, tudo indica que essa
configuração está ainda bastante distante. Nessas circunstâncias, outras
candidaturas podem jugar um papel importante, politizando o debate eleitoral e
possivelmente apresentando-se como expressões mais realistas da política
democrática.
Diante do regressismo e da ameaça à
democracia que Bolsonaro representa para a política democrática, a eleição
presidencial de 2022 está revestida de imensa dramaticidade. Em primeiro lugar,
é preciso galvanizar todas as forças possíveis, buscando inclusive dividir o
campo bolsonarista, para que estas eleições sejam realizadas dentro da
normalidade, que elas tenham seus resultados respeitados pelo atual poder
Executivo, superando ameaças diversas de convulsão e mesmo de violência. Mas o
desafio diante de nós é maior. Uma eventual vitória de Bolsonaro significará a
possibilidade real (coisa que não havia em 2018) de imposição de um regime
político iliberal que anulará a Constituição de 1988 em sua essência
democrática, republicana e de viés social.
A política democrática está desafiada,
portanto, a acionar a lógica plebiscitária que foi vitoriosa na luta contra a
ditadura de 1964. Essa lógica isolou o regime militar e agregou as oposições a
ele. Toda eleição, de vereador a senador e, depois, a governadores, foram
transformadas em plebiscitos contra a ditadura. Assim, a partir de 1970 e a
cada 2 anos, mais ou menos, os brasileiros exercitaram o voto e se manifestaram
em favor da democracia, que foi conquistada em 1985, mesmo por meio de uma
eleição indireta para a presidência da República. Contraditando o “guevarismo”,
então vigente na maior parte das esquerdas que aderiram à luta armada,
cunhou-se acertadamente a expressão: “a eleição aqui é a forma mais avançada de
luta” [registro aqui que a frase vem à memória da leitura de algum texto de
Luiz Werneck Vianna].
É essa lógica de ação política que deve ser
revisitada e redesenhada para essa nova circunstância. Não se trata de
antecipar o segundo turno, precipitando definições, e se colocar ao lado de
Lula para vencer Bolsonaro. Tampouco se trata de buscar uma alternativa aos
dois polos, entendidos equivocadamente como “extremos”. A fórmula “nem, nem” é
paralisante e desorientadora para a política democrática, além de ser
antipedagógica. A lógica plebiscitária deve resgatar o fundamento da luta pela
democracia. A contradição principal da conjuntura (se quisermos nos orientar
por essa metodologia) é entre Bolsonaro, que representa a regressão e a
supressão da democracia, e a “política da democracia” que deve se afirmar,
desde o primeiro turno, mesmo com mais de um candidato. Trata-se de impedir o
desaparecimento, lento e gradual, da “normalidade democrática” que ainda nos
resta. Enfim, trata-se de um quadro emergencial que exige uma formulação de
urgência: transformar a eleição presidencial numa eleição plebiscitária, pela
democracia, contra o autoritarismo.
Não estamos, portanto, distante do
desejável, que seria buscar uma alternativa que nos levasse a discutir como
superar a “crise da democracia” vivenciada particularmente no Brasil, mas como
expressão do nosso tempo. Esse tema da “alta política” deve e precisa estar no
nosso radar. Entretanto, a ameaça bolsonarista mais a desorientação preocupante
dos democratas, que cederam à antipolítica como narrativa dos tempos que correm
(mesmo no combate à pandemia recusou-se o concurso e a afirmação da política,
taxada como “politização”, em sentido negativo), atestam que não teremos
capacidade de centrar nossa luta imediata no âmbito da “refundação
democrática”, ou seja, nas “questões ligadas à fundação de novos Estados”, para
citar novamente Gramsci.
Transformar as eleições presidenciais de
2022 em plebiscitária, a favor da democracia, e fazer com que essa lógica
invada a seara política, a opinião pública e toda a sociedade, é a função
política que nos reservam os dias que correm.
(Esse artigo está baseado na intervenção para o debate dos Conselheiros da Fundação Astrojildo Pereira – FAP -, feita em 18 de junho de 2021. Ele agrega alguns pontos levantados no debate por alguns dos participantes, embora o entendimento e o tratamento dado a eles é de inteira responsabilidade do autor)
*Professor Titular de História da
UNESP-Franca-SP
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