Folha de S. Paulo
A ciência e seus avanços são um fenômeno
social
Durante a maior parte da história, a
expectativa de vida do ser humano variou em torno dos 35 anos. A partir
principalmente do final do século 19, assistimos a um decidido incremento
desse indicador,
hoje na casa
dos 73 anos.
Nossa tendência ao ler essa descrição é achar que estamos vivendo mais e que esse é um feito da medicina. Em parte é isso mesmo, mas uma parte bem pequena. Como explica Steven Johnson em “Extra Life”, quase todo o aumento na expectativa de vida, que é uma média, se deve não a um estirão na longevidade, mas à brutal redução da mortalidade infantil, que despencou dos mais de 40% nos períodos mais remotos para menos de 4% hoje.
E a distribuição das causas desse fenômeno
também é desigual. Temos três invenções que pouparam bilhões de vidas
(fertilizantes artificiais, vacinas e saneamento básico), cinco que preservaram
centenas de milhões (antibióticos,
agulha bifurcada, transfusões de sangue, cloração da água e pasteurização do
leite) e depois o resto, que inclui prodígios que salvaram “apenas” milhões,
como cinto de segurança, anestesia, refrigeração e a angioplastia.
A medicina propriamente dita chega tarde à
festa. Suas intervenções só se tornam efetivas a partir da segunda metade do
século 20. Antes disso, a maioria das prescrições —sangrias e drogas à base de
metais pesados— contribuía mais para detonar do que para preservar a saúde de
pacientes.
Johnson também mostra que os
impressionantes resultados que obtivemos se devem a esforços coletivos que vão
muito além do momento “heureca” dos inovadores. Louis Pasteur descobriu o
método que leva seu nome e que fazia com que o leite deixasse de ser veneno
líquido. Mas a pasteurização só foi adotada graças à obstinação de filantropos,
jornalistas e políticos que enfrentaram lobbies poderosos e conseguiram
transformar sua causa em lei. A ciência e seus avanços são um fenômeno social.
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