domingo, 18 de julho de 2021

Bernardo Mello Franco - Aperitivo do golpe

O Globo

O bolsonarismo serviu um aperitivo do plano para tumultuar a eleição de 2022. A tropa do governo tentou mudar a Constituição e torrar R$ 2 bilhões para ressuscitar o voto impresso. Ao constatar que seria derrotada, rasgou o regimento da Câmara e melou a votação.

A emenda do voto impresso é examinada por uma comissão especial. O presidente e o relator da proposta são bolsonaristas de carteirinha. Os dois se elegeram com apoio de movimentos de ultradireita do Paraná. São investigados por ataques à democracia e disseminação de fake news.

Até meados de junho, o governo controlava 23 das 34 cadeiras da comissão. O cenário começou a mudar quando Jair Bolsonaro radicalizou as ameaças de golpe e a cúpula das Forças Armadas atacou a CPI da Covid.

Assustados com a escalada autoritária, dirigentes de 11 partidos montaram um cordão sanitário em defesa do sistema eleitoral. O movimento acabou com o domínio bolsonarista na comissão. A emenda do voto impresso seria derrotada na sexta, mas os governistas viraram a mesa.

O presidente da comissão, Paulo Eduardo Martins, inventou um novo prazo para o relator alterar a proposta. A oposição protestou, mas ele desligou os microfones do plenário e declarou que a sessão estava encerrada.

A transmissão da TV Câmara terminou com um grito de “picareta”. A manobra também foi chamada de “banditismo” e “molecagem”. Antes do fim abrupto, o sinal da sessão foi interrompido ao menos três vezes. Martins culpou uma invasão de hackers, mas não convenceu ninguém.

Com o adiamento, a votação ficou para agosto. O governo tentará usar o tempo extra para pressionar deputados e estimular novas manifestações golpistas.

A cruzada contra o sistema eleitoral não deve se esgotar com a provável rejeição da emenda. Bolsonaro continuará a repetir que só perde se as urnas forem fraudadas. O capitão sabe que não precisa de maioria para promover uma baderna em 2022. Basta contar com uma minoria radicalizada e armada. Se possível, com a cumplicidade de generais.

Novilíngua bolsonarista

O capitão não está sozinho nas agressões ao idioma. Seus aliados também gostam de torturar palavras para torcer seu significado. Alguns exemplos em voga na capital:

Narrativa. Novo sinônimo de mentira. “Mais uma narrativa!”, resmunga o senador Flávio Bolsonaro a cada denúncia contra o governo do pai.

Comissionamento. Eufemismo para propina no Ministério da Saúde sob intervenção militar.

Kit Covid. Conjunto de medicamentos que não curam a Covid.

Voto auditável. Voto impresso, instrumento de fraudes eleitorais desde os tempos do Império. O voto eletrônico é mais seguro e já passa por dez etapas de auditoria.

Fala de internet. Toda bobagem dita pelo Mito, segundo a definição do general Pazuello. “Se tirarmos da figura do presidente da República o que ele chama de falas de internet, não sobra nada”, resumiu o professor Eugênio Bucci ao podcast O Assunto.

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