Estou de pleno acordo com as três
proposições (só evito a sugestão de salvar a política, preferindo o verbo
renovar). O que pretendo acrescentar às reflexões de Marco não se refere a esse
deve ser e sim a como as coisas vem sendo efetivamente conduzidas. Entendo que
o tema da corrupção está sendo, de novo, o destaque principal da agenda
política da mídia (o que é compreensível pelo compromisso e cumplicidade que
ela guarda com o que converge ao senso comum) e da oposição - o que aí já considero
um problema político sério, porque o protagonismo indisputado desse tema
contraria, ou mesmo revoga, cada uma das três proposições acima. Em vez de
nexos, começa-se a ver na corrupção a causa dos outros problemas, inclusive da
tragédia sanitária e social. Em vez de apontar caminhos que associem justiça e
política, a demagogia que transborda, na CPI e fora dela, leva água ao moinho
inclemente da antipolítica, que associa justiça e polícia. E pelo efeito
combinado dessas duas atitudes (a simplificação e a demagogia) acaba
comprometida a eficácia, como arma política, do combate à corrupção. Em vez da
desejável separação entre joio e trigo, instala-se uma guerra entre ratos
pardos, como a que o dispositivo governista trava com os irmãos Miranda e
vários outros ratos de navio, ora em busca de salvação do naufrágio.
O lavajatismo, com outra roupagem, está reassumindo
o centro da agenda, através da CPI. Outros personagens, outros alvos, outras performances
e o mesmo ethos. O trio que comanda a comissão tem distintas
conexões com o ambiente que levou àquele resultado eleitoral de 2018. O senador
Randolfe é um ator de tradição, vivendo um personagem consagrado pela plateia
afeita a esse espetáculo. Renan Calheiros é ainda mais experiente, mas atuava
na companhia rival, interpretando papel de vidraça. No de estilingue, nem
sempre tem feito jus à fama de astuto. Quanto ao senador Aziz, salta aos olhos
o figurante catapultado ao primeiro plano por injunções de bastidor. Às vezes
os três batem cabeça, mas acabam remando na direção comum de ampliar o prazo da
CPI para que o foco também se amplie, mesmo que se perca de vista, contanto que
não se perca a posição.
Estamos indo a bom lugar? O desgaste
eleitoral de Bolsonaro é efeito colateral benfazejo dessa CPI. Mas nem o trio
diretor, nem Lula - o atual líder das pesquisas de intenção de voto e potencial
beneficiário desse script - pode controlar consequências de um processo
desse. Parecem querer manter Bolsonaro no jogo como Geni, para fazer da eleição
de 2022 um plebiscito com resultado antecipado por pesquisas, folgado a ponto
de liquidar a fatura no primeiro turno. Conseguirão? Precisam combinar com
Bolsonaro, não porque ele vá se reabilitar, mas porque detesta purgatório e
compra bilhete para o inferno político.
Atores do establishment tem olhos
para ver, cabeça para raciocinar e meios para intervir. Sabem cuidar da própria
vida. Excluída a hipótese de golpe, buscarão a via eleitoral. Lula pode até ser
plano B, mas por que apostariam as fichas nele desde já? Há uma avenida aberta
para outras saídas democráticas, populistas ou não. Entre algum fardado do bem
e um Ciro Gomes reciclado para conversar à direita, há também quadros no DEM e
no PSDB. A avenida será percorrida e é bom que seja, por dois motivos. Isso pode
tirar Bolsonaro do páreo (e só isso já a justificaria) e pode ainda estabelecer
um pacto entre o establishment e o centro social-democrata para a
disputa eleitoral com o PT. Pluralismo nunca é ruim (é sempre melhor que
hegemonias prévias), não importa em quem cada um de nós votará.
Um bom passo em direção a essa avenida é
fugir do beco lamacento onde pigmeus políticos proliferam como pintos. As
trombetas da caça a corruptos soam, mas, dessa vez, a caravana da política
precisa passar. É bom refletir: denúncias de corrupção ajudam a derreter
Bolsonaro, sim e devem ser processadas, sem dúvida. Mas onde e por quem? Por
uma Curitiba às avessas no Senado? A que serve a mudança de objeto da CPI? O grande
tema da saúde pública é apequenado pelo foco na corrupção. Assim como o da
saída econômica e o da proteção social tendem a ter o mesmo tratamento
subordinado.
A corrupção ter sido ponto lateral da
agenda política foi um diferencial positivo das eleições municipais de 2020 em
comparação com as de 2016. Em parte dependem dessa lateralidade as chances de
2022 fugir à lógica de 2018. Se a reação populista lograr colocar esse tema em
destaque novamente, as chances de solução política vão para o espaço. Derrotar
Bolsonaro por aí é reeditar a lenda de que todo político é ladrão. "Que se
van todos!" é o subtexto de um script assim. Abramos o olho: ele
está se insinuando, de novo, usando, de modo instrumental, as trincheiras
institucionais da demagogia endêmica.
*Cientista político e professor da UFBa. E-mail: pfabio@ufba.br
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