Folha de S. Paulo
Ex-diretor sugeriu que era possível ganhar
dinheiro mesmo que compra não fosse fechada
Um policial, um
reverendo e um empresário chamado John entraram no Ministério da
Saúde. Em conversas separadas, o trio ofereceu à pasta mais de meio bilhão de
doses de vacinas contra a Covid. Nenhum deles representava laboratórios que
fabricam o imunizante, mas o governo topou conversar.
Depois da Davati e de uma ONG religiosa, a Folha mostrou que a equipe do então ministro Eduardo Pazuello discutiu a compra de vacinas com uma importadora de Santa Catarina. A World Brands e o tal John prometiam 30 milhões de doses da Coronavac a US$ 28 por unidade.
O ministério já tinha pagado US$ 10 pela
mesma vacina. O fabricante chinês dizia que não trabalhava com intermediários.
Ninguém viu problema: o secretário-executivo Elcio Franco recebeu os
empresários, e Pazuello gravou um vídeo para anunciar a assinatura de um
memorando de entendimento para a compra.
O episódio prova que uma turma do governo
atuava no negócio das vacinas fantasmas. Depois de se reunir com um PM que
oferecia 400
milhões de doses da AstraZeneca ao valor ínfimo de US$ 3,50 cada, esse time
achou razoável negociar a Coronavac pelo triplo do preço original, com
pagamento antecipado e sem saber se os frascos existiam.
A melhor defesa para quem participou das
conversas seria alegar pura incompetência. Os casos são tão absurdos que a
desculpa não deve colar. Os contratos furados podem ser resultado de uma
corrida por trambiques dos grupos
que disputam espaço no Ministério da Saúde. Ou talvez o negócio não fosse a
vacina, mas a própria negociação.
Na CPI, o ex-diretor Roberto Dias afirmou que o "único interesse" de algumas empresas era obter uma carta que comprovasse interesse do governo nas vacinas. Com o papel, uma firma "se cacifa lá fora para diversas coisas". Ele disse que não podia emitir o documento e sugeriu que essa atribuição era de outros dirigentes da pasta. Mesmo que o negócio fantasioso não fosse fechado, alguém poderia ganhar dinheiro.
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