Para economista, ministro não tem ‘firmeza’ para resistir ao ‘impulso populista’ do presidente Jair Bolsonaro
Luciana Dyniewicz / O Estado de S. Paulo
“Paulo Guedes já se
desmoralizou por completo e vai se desmoralizar ainda mais se continuar
(atuando do modo atual)”, avalia Eduardo Giannetti. Segundo o economista, a
presença de Guedes no governo não garante mais uma condução parcimoniosa da
política fiscal. “Parece que o apego dele ao cargo é bem maior do que se
imaginava e ele não teria grande restrição ou mesmo firmeza para resistir aos
impulsos populistas do presidente.”
Giannetti destaca que não há “nenhuma perspectiva” de um crescimento econômico robusto no ano que vem, dado que as reformas prometidas por Guedes não foram feitas e o clima de incerteza política promovido pelo presidente Jair Bolsonaro afasta o investidor.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Houve uma mudança no humor do mercado neste
mês. Isso se deve a fatores internos ou o cenário global também dificulta?
Predominantemente à deterioração da
situação doméstica. Já está bastante claro que o governo não tem proposta
sequer para as reformas tributária e administrativa. Quase não há mais
perspectiva de que alguma coisa relevante aconteça. Estamos com um cenário de
inflação preocupante, que tem obrigado o Banco Central a
conduzir um aperto da política monetária. Isso vai frear o nível de atividade
no ano que vem. Por fim, há uma ameaça cada vez mais concreta de uma guinada
populista fiscal por parte do governo Jair Bolsonaro, à medida que ele fica
acuado e que os hormônios eleitorais começam a funcionar de maneira mais
exacerbada.
Como avalia a atuação do ministro Paulo
Guedes diante desse cenário?
A presença do Paulo Guedes no Ministério da Economia, que até pouco tempo atrás parecia uma salvaguarda em relação a uma aventura fiscal, já não dá mais essa confiança. Parece que o apego dele ao cargo é bem maior do que se imaginava e ele não teria grande restrição ou mesmo firmeza para resistir – como aliás não tem resistido – aos impulsos populistas do presidente. As atitudes do presidente, aliás, não são novidade nenhuma, porque ele está mostrando o que sempre foi. Só quem acreditou nele foi o ministro quando aceitou entrar nessa aventura. Na época da campanha, eu dizia que os economistas podem ser mais ingênuos sobre a política do que os políticos são ingênuos sobre a economia. E isso o tempo está confirmando.
O ministro deveria deixar o governo ou
ele ainda pode fazer alguma coisa?
O último resquício que talvez justificasse
a presença dele no governo seria manter o mínimo de responsabilidade na
política fiscal. Se ele continuar cedendo – como vem cedendo até aqui – a todas
as pressões e exigências, que são crescentes, do governo e do Centrão em
relação à política econômica, não vejo mais nenhum sentido. Aliás, já não vejo
nenhum sentido na continuidade dele há um bom tempo. Ele já se desmoralizou por
completo e vai se desmoralizar ainda mais se continuar.
Em algum momento o sr. viu comprometimento
do ministro com a agenda liberal que ele propagou?
Ele dizia que ia zerar o déficit primário
no primeiro ano do mandato, que ia privatizar R$ 1 trilhão, que ia fazer reforma
tributária e reforma
administrativa. Não fez nada disso. Foi quase tudo ao contrário.
A privatização praticamente
não andou. A aprovação da reforma da Previdência ocorreu muito mais por causa
do protagonismo do Congresso. O que se montou no Brasil foi quase um
estelionato eleitoral, e pode se chamar assim sem exagero. É lamentável que boa
parte do empresariado, em nome de evitar Lula a
qualquer preço, mais uma vez tenha embarcado em uma aventura que está custando
muito caro para o Brasil e que põe em risco a nossa democracia. Não é a
primeira vez que vejo esse enredo de que, contra Lula, vale qualquer coisa.
Vimos isso na eleição do Collor também.
Recentemente, houve manifestações de
empresários contra posicionamentos do presidente. Acha que o empresariado está
desembarcando do governo?
Aí tem havido uma certa injustiça, porque
os empresários minimamente lúcidos e informados nunca acreditaram nesse engodo
chamado Jair Bolsonaro. Outra parte do empresariado que sempre foi chapa branca
e oportunista, agora, muito tardiamente, está começando a se dar conta de que
nós estamos indo por um caminho muito ruim e que estamos vivendo um enorme
retrocesso nas mais diferentes dimensões, que vão da fiscal à ambiental,
passando pelo crescimento econômico, pelo ambiente de negócios e praticamente
por qualquer outro tema.
O presidente vem perdendo popularidade e
querendo ampliar gastos para reverter essa tendência...
Esse ponto talvez valha a pena analisar um
pouco. Você tem de um lado a questão da sobrevivência política de curto prazo,
que levou Bolsonaro a ficar de joelhos em relação ao Centrão. De outro, tem os
hormônios eleitorais e a questão de viabilizar uma campanha de reeleição em
2022. Essas duas forças convergem para uma guinada populista fiscal - a
política já aconteceu há um bom tempo. O próximo capítulo é a tradução disso em
ações de política econômica: gastos, cargos, preferências, favores que atendam
às demandas crescentes desse grupo (o Centrão) que desde sempre faz o jogo da
chantagem em relação ao Executivo.
Tenho usado um modelo de biologia política:
você tem na estrutura do governo federal brasileiro uma relação entre
hospedeiro e parasita. O Executivo federal é o hospedeiro, e o Congresso
fisiológico é o parasita. Quando o Executivo é eleito e está com seu capital
político intocado, o parasita fica adormecido. Quando há uma crise política e o
Executivo começa a perder capital político, o parasita começa a mostrar vida e
apresentar suas demandas. Quando o Executivo está acuado, o parasita manda. Ao
fim do mandato, se inverteu aquela relação entre hospedeiro e parasita. Agora,
um dos requisitos disso é que o parasita não pode matar o hospedeiro. Então,
ele vai aumentando as demandas.
Estamos vendo essa dinâmica se repetir no
Brasil desde o início da redemocratização. A pergunta para todos nós
brasileiros que queremos aprimorar nossa democracia é como é que nós saímos
disso para que não se repita novamente esse enredo que é terrível, porque a
partir da segunda metade do mandato o Executivo passa a governar com o que a de
mais fisiológico e sinistro na política brasileira.
Qual é a saída?
Tem de haver uma reforma política. Não dá
para governar com um Congresso tão fragmentado. Nenhum sistema político vai
funcionar se nós não tivermos uma estrutura partidária mais enxuta que permita
ao Executivo federal governar com base em negociação, porque isso é parte da
democracia, mas negociação de programa, e não negociação de troca de favores.
Se a gente não tiver apenas quatro ou cinco partidos apenas no Congresso, com
posições razoavelmente definidas em relação aos grandes temas da nação e isso
não constituir uma base de sustentação programática, vamos ter um sistema
político que já estava em xeque antes do descalabro representado pelo desafio
institucional do Bolsonaro.
Com o governo com a popularidade em baixa e
em meio a uma pandemia, a campanha eleitoral foi antecipada? Qual o risco para
a economia?
Esse panorama antecipa a campanha eleitoral
e ameaça a ordem institucional da democracia brasileira por dois canais. Um é o
enfrentamento entre Poderes. Se você tiver uma situação em que uma decisão de
um poder soberano, o Judiciário ou o Legislativo, não for acatada pelo
Executivo, você estará no meio de uma crise institucional gravíssima. E nós já
caminhamos para a vizinhança de situações desse tipo. O outro canal é o
desespero de um poder que está derretendo a olhos vistos levar o presidente a
uma tentativa de excitar a opinião pública de modo a provocar uma situação
muito anárquica e conflituosa, que lhe dê meios e legitimidade para algum tipo
de Estado de emergência, para algum tipo de demanda de poderes extraordinários
para estabelecer a ordem. É muito perigoso excitar uma população que está
claramente polarizada, porque ela pode descambar para algum tipo de
enfrentamento e descontrole da ordem pública, que cairia como uma luva para
alguém que tem um impulso autoritário, que nem o esconde.
Qual cenário o sr. está vendo para a
economia em 2022?
Não há nenhuma perspectiva de o País ter um
crescimento satisfatório no ano que vem. O nível de investimento continua no
piso histórico. A capacidade de investimento do setor público está
comprometida. Não criamos um ambiente de negócios institucional para
infraestrutura. Com essa incerteza política e econômica, nenhum empresário vai
querer comprometer recursos em investimento de longo prazo. Então, a gente está
caminhando para, depois de uma pequena recuperação cíclica (em 2021), um ano de
crescimento baixo, que talvez mal alcance 2%.
E no panorama político?
O presidente já declarou que não aceita outro resultado que não seja sua vitória eleitoral. Ele questiona a legitimidade do sistema eleitoral de antemão, sem nenhuma evidência e não muito diferente do que Trump tentou fazer nos EUA quando, ao ser derrotado, entrou com aquele discurso de que a eleição tinha sido fraudada, sem nenhuma base ou evidência. Isso levou à invasão do Capitólio, e o que se desenha por aqui é um enredo não muito diferente. Espero que tenha o mesmo desfecho de lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário