Folha de S. Paulo / O Globo
Ministro da Saúde condenou o que chama de
'demagogia vacinal' praticando obscurantismo oral em torno da dose de reforço
de imunizantes contra Covid-19
Aos 55 anos, o doutor Marcelo Queiroga
meteu-se numa briga pueril com o governador paulista João Doria. Ambos correram
para anunciar o início da aplicação da terceira dose das vacinas contra a
Covid. É o jogo jogado, caçam-se imunizantes para o bem de todos e felicidade
geral da nação. Nada a ver com Bolsonaro dizendo a um repórter para ir buscar
vacina “na casa da tua mãe”.
Aborrecido porque Doria anunciou que
ofereceria a terceira dose a partir do próximo dia 6, Queiroga deu-se a um
lance de terrorismo sanitário: “Se cada um quiser criar um regime próprio, o
Ministério da Saúde, lamentavelmente, não terá condição de entregar vacinas.
Temos que nos unir aqui para falar a mesma língua. Se for diferente, vai faltar
dose mesmo (...) Juiz não vai assegurar dose que não existe”.
A diferença entre a promessa de Doria e a do Ministério da Saúde é de apenas nove dias. O que Queiroga disputa é a primazia. Para isso, não precisava ameaçar. Até porque Doria oferece as vacinas que contratou e Bolsonaro desdenhou. Ademais, no dia seguinte ao destempero do doutor Queiroga, a repórter Patrícia Campos Mello expôs o vexame que a administração do general Eduardo Pazuello produziu em janeiro, correndo contra o relógio para trazer vacinas federais antes que Doria começasse seu programa em São Paulo. Torraram US$ 500 mil com o frete de um avião para ir à Índia buscar uma encomenda que não estava disponível. Querendo atrapalhar a vacinação de Doria com o gogó, Queiroga seguiu o estilo patético de Bolsonaro, quando disse que o imunizante chinês não seria comprado, e do coronel da reserva Elcio Franco, que acusou o governador de sonhar acordado prometendo vacinação para janeiro. (Ele cumpriu.)
Queiroga condenou o que chamou de
“demagogia vacinal”, praticando uma forma de obscurantismo oral. O doutor pode
não ter percebido, mas entrou para um governo cujo titular já chamou a Covid de
“gripezinha“ e a segunda onda de “conversinha”. Isso, fazendo-se de conta de
que não aconteceram as traficâncias reveladas pela CPI.
Macumba eleitoral
Quem acha que Jair Bolsonaro não terá
fôlego para chegar ao segundo turno da eleição do ano que vem baseia-se numa
projeção do que se denomina de “efeito Covid”.
Nessa conta, cada morte irradiou-se,
afetando cem adultos entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho. Isso
resulta no comprometimento de 57 milhões de votos.
Cenas fantásticas
Um ministro de Bolsonaro imaginou uma cena
catastrófica, ao estilo dos pelotões palacianos:
“Se um mandado de busca contra o presidente
é expedido pelo STF, a Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado
pelo Exército. O que acontece? A PF vai retirar o solados?”
A construção é improvável, mas, ficando-se
no campo da fantasia, pode-se refrasear a questão:
A Polícia Federal vai até o palácio e o
encontra cercado pelo Exército. Ela volta nos dias seguintes. O que acontece? O
Exército ficará cercando o palácio para descumprir uma ordem judicial?
Nem Woody Allen no seu filme Bananas
imaginou uma cena tão ridícula.
Bolsonaro e André Mendonça
Bolsonaro combinou uma rotina de
convivência com André Mendonça, caso ele venha a ser confirmado para ocupar a
vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal: os dois manteriam uma agenda de
almoços semanais, para sincronizar suas posições.
Ao lado da cloroquina, do nióbio, do
grafeno e da soma de -4 com +5 resultando num +9, essa é uma de suas ideias
estapafúrdias.
Primeiro, porque avacalha o ministro do
Supremo, seja ele quem for.
Segundo, porque o capitão desconfiará do
comensal antes do terceiro almoço.
Má ideia
No escurinho de Brasília, circula a lenda
de que Bolsonaro fez chegar ao Supremo Tribunal Federal o desconforto que lhe
causa a possibilidade de sair do Judiciário uma notícia desagradável para seu
círculo familiar.
Se for verdade, errou três vezes.
Primeiro, porque revela vulnerabilidade.
Depois, porque bateu no gabinete errado. Finalmente, porque ele não tem cartas
para jogar baralho com o ministro Alexandre de Moraes.
O capitão e Pacheco
Com um pouco de empenho, Jair Bolsonaro
poderia ter sabido que o senador Rodrigo Pacheco mandaria ao arquivo seu pedido
de impedimento do ministro Alexandre de Moraes.
De duas uma:
A assessoria parlamentar de Bolsonaro não
presta.
Ela presta, e ele queria criar um caso com
o presidente do Senado.
A sombra atrás de Biden
Joe Biden está mais perdido que americano
em Cabul ao lidar com a crise do Afeganistão. Noves fora os fiascos, ele deu
entrevistas na Casa Branca tendo às costas um quadro que retrata um cavaleiro
fardado.
É Theodore Roosevelt, com o uniforme do
regimento de voluntários que formou em 1898 para ir combater em Cuba contra os
espanhóis. A roupa foi cortada na loja Brooks Brothers. Ele já havia ido a
caçadas com uma faca feita pelos prateiros da Tiffany's. Seu desempenho na
guerra de Cuba deu-lhe fama, elegeu-se governador de Nova York e presidiu os
Estados Unidos de 1901 a 1909.
Na quinta-feira, Biden teve a boa ideia de
não falar com Teddy Roosevelt às costas. Para o bem ou para o mal, resoluto,
ele foi tudo o que Biden gostaria de ser.
O quadro, ruinzinho, é de um pintor de
dondocas.
Madame Natasha
Madame Natasha não entende nada que o
doutor Paulo Guedes diz, mas admite que isso se deve à sabedoria que nele
abunda e nela escasseia.
Pela segunda vez em poucas semanas, Guedes
reclamou de que “tudo o que eu falo é tirado do contexto”. Assim foi com as
empregadas domésticas que iam para a Disney e com o filho do porteiro que
entrou para a faculdade. Sua última batatada foi a seguinte: “Qual o problema
agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”
O problema é que a energia, o óleo de soja
e o prato feito ficaram mais caros, e o salário (quando existe) continua o
mesmo.
Natasha sabe que não se pode impedir Guedes
de produzir frases. Mesmo assim, sugere ao doutor que se livre da praga que o
persegue valendo-se de um método simples:
Primeiro, ele avisa qual é o contexto.
Depois, fala o que bem entender.
Bolsonaro acordou
Bolsonaro acordou para a crise hídrica com
pelo menos três meses de atraso.
Em junho, sem se referir a ele, o professor
Adilson de Oliveira, da UFRJ, escreveu um artigo com o seguinte título:
“É a água, estúpido.”
Agora o capitão reconheceu:
“Em grande parte dessas represas já estamos
na casa de 10%, 15% de armazenamento. Estamos no limite do limite. Algumas vão
deixar de funcionar se essa crise hidrológica continuar existindo.”
Para quem assumiu no dia 1º de janeiro de 2019 e duas semanas depois acordou com o desastre de Brumadinho, ele deveria ter procurado uma benzedeira.
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