Folha de S. Paulo
Presidente pode empatar jogo no 7 de
Setembro, mas ideais destrutivos seguem vencendo
A pororoca do 7
de Setembro bolsonarista talvez
sirva para Jair Bolsonaro mostrar que uma tentativa de impeachment ou de
torná-lo inelegível de outro modo teriam custos, como tumultos nas ruas ou
motins militares; de resto, quer manter viva a chama infernal de sua seita.
Isto é, a depender do tamanho das manifestações, Bolsonaro poderia em tese
tentar garantir o empate em um jogo que, na verdade, já vinha empatado: mesmo
agora, ninguém com poder quer derrubá-lo.
E depois?
O comportamento ultrajante, a mentira
lunática, o golpeamento
institucional e a destruição do “sistema” são o projeto de
Bolsonaro. Em que nível de estridência vai manter seu programa? Quais medidas
terão de ser adotadas para conter seus próximos avanços, por arranjos e processos
devidos na Justiça, a única oposição de fato? Sem confronto, não há solução.
No mundo real, Bolsonaro tem problemas que não podem ser contidos por meio de
desvario obscurantista.
Há o risco real de racionamento
de eletricidade. A inflação e seu controle (juros) vão ter efeitos
persistentes sobre os rendimentos de pelo menos metade da população. Mesmo que
o IPCA caia da casa dos 8% para a dos 4% no ano que vem, não haverá trabalho ou
alta do rendimento que compensem o que se perdeu com a carestia. O
empobrecimento dos mais pobres será duradouro.
Ainda que contida, a partir de novembro, a
epidemia terá deixado destroços sociais. Em 2022 o crescimento deve voltar à
média dos anos menos piores do desastre que vemos desde 2014, algo perto de
1,5% ao ano, quase estagnação. O centrão pode desembarcar em março.
Porém, com alguma sorte, talvez não venha o
racionamento estrito. A epidemia deve refluir. A economia tende a crescer uns
5% neste ano (se não houver o choque de energia). Sim, trata-se de recuperação
apenas do que se perdeu em 2019, de uma retomada desigual, com mais fome e
pobres, mas que vai beneficiar parte da população.
Além do mais, com o aumento forte da
arrecadação e um provável arranjo no
caso dos precatórios com a ala contemporizadora do STF, o
governo pode ter dinheiro para inventar um programa de transferência de renda
ruim e insustentável, mas que talvez recupere pontos de popularidade.
Há mais. O bolsonarismo
tem bases sociais reais e que precedem Bolsonaro. O agronegócio
mais reacionário (larga maioria), evangélicos, militares e os novos muito ricos
empresários do setor de serviços e do interior agropop se sentiam pouco
representados, em termos de poder e prestígio ideológico. Chegaram lá. Não
querem ser rebaixados.
De resto, boa parte da finança e da cúpula
empresarial não liga para a Grande Involução que é o bolsonarismo. Isto é,
desde que os negócios não sejam muito prejudicados no curto prazo e que se
passem “reformas”, em particular as que esfolam mais o povaréu e não mexam
muito na falta de concorrência e em favores estatais. Bolsonaro ainda tem onde
catar apoio.
Dadas a falta de dinheiro público, a
perspectiva de crescimento baixo, a incerteza política até 2023 (pelo menos) e a economia cronicamente disfuncional, não haverá investimento
bastante para evitar a degradação de infraestrutura e da oferta geral de bens e
serviços; a destruição ambiental e o desastre ainda maior da educação também
são empecilho para dias melhores. Mas a miopia bárbara e contraproducente tem
sido a regra na última quase década. É um obstáculo para a reconstrução e a
desbozificação do país.
Em suma, Bolsonaro tem meios de empatar o jogo, de evitar a queda; o bolsonarismo pode ir muito além.
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