EDITORIAIS
Conto
do vigário
O
Estado de S. Paulo
“Uma
CPI se sabe como começa, mas não como termina.” O dito corriqueiro em Brasília,
normalmente associado a grandes esquemas de corrupção que podem detonar crises
institucionais, quedas de ministros ou mesmo de governos, ganhou uma nova
configuração na CPI da Covid. Sem prejuízo dessas consequências, à medida que a
investigação adentra os corredores, claustros e meandros do Ministério da
Saúde, vêm à tona indícios não de sistemas sofisticados de desvio de dinheiro
público, tráfego de influência e lavagem de dinheiro, mas o seu simulacro mais
desclassificado, que não pode ser qualificado senão com termos emprestados à
linguagem popular: trambique, mutreta, picaretagem, tramoia.
Desde
que foi instalada, sabia-se que a CPI teria de revolver a mixórdia das poucas
ações e muitas omissões da gestão federal. Os fatos eram públicos e notórios:
promoção de tratamentos não comprovados, minimização da periculosidade do
vírus, sabotagem de medidas sanitárias, negligência na compra de medicamentos e
vacinas.
A
CPI escancarou um “gabinete paralelo” formado por médicos sem experiência em
gestão, virologia ou epidemiologia, além de empresários e outros palpiteiros,
que influenciaram a queda de dois ministros e a distribuição de medicamentos ineficazes.
Também evidenciou o descaso na compra de vacinas da Pfizer e da Coronavac, que
retardou o início da imunização, causando a perda de milhares de vidas.
No meio do caminho, descobriu-se que o governo não estava propriamente negociando vacinas. Na verdade, negociava intensamente. Mas não com as multinacionais farmacêuticas, e sim com “intermediários” atuando junto a “facilitadores políticos” em troca de “comissionamentos”. São alguns dos eufemismos empregados por representantes de empresas obscuras como a Precisa Medicamentos ou a Belcher Farmacêutica para explicar suas ofertas de imunizantes superfaturados ao Ministério. Agora, surgiu mais uma figura, a do “fiador” de vacinas.
A
CPI recebeu Roberto Pereira Ramos Jr., diretor de um certo FIB Bank, o fiador
da Precisa no Ministério para o compromisso de compra de 20 milhões de doses da
Covaxin. O FIB Bank recebeu R$ 350 mil da Precisa para emitir uma carta de
fiança, mas não é autorizado a agir como instituição financeira.
Ramos
admitiu que, apesar do nome, a empresa não é exatamente um banco, mas uma
sociedade anônima que presta garantias fidejussórias. O diretor disse
desconhecer alguns dos principais personagens da negociação e não soube
informar dados da própria empresa que preside. Declarou ainda receber R$ 4 mil
mensais para dirigir uma empresa de capital social de R$ 7,5 bilhões integrados
a partir de dois imóveis.
Entre
os supostos sócios do FIB Bank estão dois mortos. Outros acionaram a Justiça
alegando não terem participação na empresa. “Falsificaram minhas assinaturas”,
disse Geraldo Rodrigues Machado, que se descobriu sócio de uma companhia
bilionária ao ter seu crédito negado na hora de comprar uma motocicleta.
Com
cheiro de “laranja”, cara de “laranja”, cor de “laranja”, será mais uma das coincidências
extraordinárias trazidas à luz pela CPI se o empresário não for “laranja”.
“Esta
é uma das maiores farsas que eu já vi na minha vida comercial: uma empresa com
capital de R$ 7,5 bilhões, que foram integralizados através de terrenos que não
existem”, apontou o senador Tasso Jereissati. “Com todo o respeito, é muita
cara de pau oferecer ao Ministério da Saúde uma empresa dessas como garantidora
de um capital, de um volume de recursos desse tamanho. Realmente não existe
isso.” Como se vê, no governo Bolsonaro, isso existe.
Seria
só mais um episódio pitoresco da história da vigarice nacional, se não
envolvesse o Ministério da Saúde, na maior crise sanitária de nosso tempo,
negociando a principal arma contra o vírus: a vacina. A essa gestão cabia salvaguardar
mais de 200 milhões de vidas dos brasileiros, e não surpreende que por essa
gestão tenham sido desnecessariamente perdidas dezenas de milhares delas.
O
velho Lula e a ‘regulação da mídia’
O
Estado de S. Paulo
As purgações políticas e criminais não mudaram a natureza do ex-presidente
O
ex-presidente Lula da Silva começou a viajar pelo Brasil para se reapresentar
aos eleitores e construir alianças políticas com vistas à campanha eleitoral de
2022. Neste giro de conversas, entrevistas e negociações, não é difícil para
Lula parecer um estadista digno de ser eternizado em bronze quando seu
principal adversário, até o momento, é Jair Bolsonaro, o mais inepto,
irresponsável e inconsequente dos presidentes que governaram a Nação ao longo
destes quase 132 anos de história republicana.
O
busílis é que a perspectiva de um Lula estadista, ou mesmo genuinamente
democrata, não passa de licença poética que serve apenas para acalmar corações
incautos, talvez por estarem tão exaustos do desabrido desrespeito de Bolsonaro
aos mandamentos mais comezinhos de uma vida civilizada que qualquer um que
demonstre viabilidade eleitoral e não expila ódio pelas ventas dia sim e outro
também passe a ser visto como uma boa alternativa para liderar o País. Não é
com este espírito que se escolhe um bom presidente da República.
A
turnê pré-eleitoral de Lula da Silva tem trazido à tona a sua velha natureza,
autoritária e personalista, da qual é muito difícil escapar, por mais que
tente. Ao que parece, as purgações políticas e criminais pelas quais Lula
passou nos últimos anos não mudaram para melhor a sua essência. Ao contrário,
podem ter feito surgir no ex-presidente um desejo inconfessável de vingança
contra tudo e contra todos que lhe causaram dissabores. O jornalismo
independente é tido por Lula como um destes percalços.
Na
recente passagem pela Região Nordeste, em duas ocasiões o ex-presidente voltou
a falar em “regulação da mídia”, eufemismo para censura e intervenções em
veículos de comunicação que ousem publicar aquilo que o demiurgo de Garanhuns
quer manter ao abrigo da luz. Em discurso no Rio Grande do Norte, no dia 25
passado, Lula alçou a tal “regulação da mídia” ao topo de suas prioridades caso
seja eleito para um novo mandato. No dia seguinte, em entrevista à Rádio
Metrópole, da Bahia, Lula mentiu ao afirmar que “não sabe se será candidato à
Presidência”, mas, caso seja e vença a eleição, reafirmou o compromisso de
levar adiante o acalentado plano de cercear a liberdade de imprensa. A razão
para isto é bastante reveladora de seu desapreço pela democracia. “Estou
ouvindo muito desaforo. Leio muito a imprensa. Tem alguns setores da imprensa
que não querem que eu seja candidato, porque, se eu for eleito, vou regular os
meios de comunicação deste país”, disse Lula. “Vi como a imprensa destruía o (Hugo)
Chávez na Venezuela”, concluiu. Outra mentira: o chavismo está sólido e a
imprensa venezuelana virou fumaça.
A
simpatia pelo falecido ditador venezuelano é mais um elo da corrente do atraso
que liga Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Não se trata de equiparar os desmandos
de um e de outro – cada um pernicioso à sua maneira. Entretanto, é inegável que
ambos não reúnem as credenciais morais, políticas e administrativas para
governar o Brasil e dar cabo de suas renitentes mazelas.
Não
é trivial o desafio posto diante dos democratas que querem ver o Brasil livre
das amarras do populismo iliberal. Lula e Bolsonaro, os dois pré-candidatos à
Presidência mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto atualmente,
são a quintessência do populismo que ampliou a distância que separa o Brasil de
seu futuro auspicioso.
O
Brasil não merece ser governado por qualquer um a partir de 2023, nem tampouco
por alguém “menos pior” do que Bolsonaro. O País precisa de uma liderança
proba, competente, liberal, humana, sensível às necessidades mais prementes da
população e antenada com os desafios globais de um mundo em vertiginosa
transformação.
Felizmente,
as pesquisas de intenção de voto indicam que é enorme o contingente de
brasileiros que também anseiam por esta candidatura entre as duas margens do
abismo. As forças vivas da Nação devem o quanto antes construir, juntas, este
projeto de salvação nacional.
A
omissão de Aras e do Senado
O
Estado de S. Paulo
Aval para a recondução do PGR revela a nefasta faceta da conivência com o abuso
Os
tempos atuais deveriam ser para o Ministério Público, em especial para a
Procuradoria-Geral da República (PGR), período de intenso trabalho. Afinal,
segundo a Constituição, “o Ministério Público é instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”.
Desde
1988, nunca houve tantos ataques e ameaças contra as instituições democráticas
e o sistema eleitoral como os que se veem no governo de Jair Bolsonaro. A
agravar a situação, os ataques recrudesceram depois que ficaram em evidência as
dificuldades para a sua reeleição. Ou seja, tudo é uma descarada manobra do
bolsonarismo para tentar não sair do poder.
Perante
tal quadro, a PGR deveria estar especialmente ativa, trabalhando
incessantemente para defender a ordem jurídica e o regime democrático. Essa é a
sua função, a sua razão de existir. No entanto, nunca se viu uma PGR tão mansa
e quieta – tão solícita aos interesses do Palácio do Planalto.
A
situação é gravíssima, mas em tese existe remédio para ela. Segundo a
Constituição, o mandato de procurador-geral da República tem duração de dois
anos, e a recondução ao cargo exige aprovação da maioria absoluta do Senado.
Caso o chefe da PGR não cumpra sua atribuição de defender a ordem jurídica e o
regime democrático, basta que os senadores não aprovem sua recondução.
No
entanto, apesar de todas as evidências de que Augusto Aras não cumpriu suas
funções institucionais – teve até apresentação no Supremo Tribunal Federal
(STF) de notícia-crime por prevaricação –, o plenário do Senado aprovou, por 55
votos favoráveis e 10 contrários, um novo mandato para o atual procurador-geral
da República.
O
resultado da votação revela a nefasta faceta, presente em toda grave crise, da
conivência com os abusos e omissões. Jair Bolsonaro e seus seguidores vêm testando,
de forma cada vez mais abusada, os limites do Estado Democrático de Direito.
Agora, o bolsonarismo organiza-se para invadir – esta é a ameaça difundida nas
redes sociais – o Supremo e o Congresso no dia 7 de setembro.
O
procurador-geral da República considera tudo isso normal, que não exige nenhuma
atuação especial sua. Não se sabe ao certo qual é a ordem jurídica que diz
defender. Certamente, não é aquela prevista na Constituição de 1988, que
estabelece a separação e a independência dos Poderes.
É
muito estranha a não atuação da PGR em relação a essas ameaças, como também o
foi sua omissão em relação aos ataques contra o sistema eleitoral. De toda
forma, já ficou evidente que este é o modo de proceder de Augusto Aras: seu
compromisso é com os interesses de Jair Bolsonaro. Sem medo do ridículo, o
procurador-geral da República apoiou a pretensão de Flávio Bolsonaro a respeito
do foro competente no caso das rachadinhas e defendeu a possibilidade de o
governo federal divulgar medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid.
O
mais estranho, realmente escandaloso, é que o Senado dê aval à recondução de
Augusto Aras. O bolsonarismo é nefasto, como é nefasta a omissão de quem
deveria defender a ordem jurídica e o regime democrático. Mas ainda mais
perversa é a atitude de quem, por força da Constituição, deveria ser remédio
contra esses abusos e essas omissões. O Senado não deveria ser conivente com
quem não defende, em toda sua plenitude, o funcionamento e as prerrogativas do
próprio Legislativo.
Ignorando
os indícios de crimes relatados pela Polícia Federal, Augusto Aras pediu o
arquivamento do inquérito sobre a organização e o financiamento dos atos
antidemocráticos. Agora, foi reconduzido ao cargo com votos de quem se diz
contrário ao bolsonarismo e defensor da democracia.
É preciso haver, com urgência, defensores da democracia mais efetivos. O Ministério Público não deve fazer política, o Senado, sim, pode e deve fazer política, mas todos devem, acima de tudo, respeitar e defender a Constituição. Os tempos exigem mais altivez dos agentes públicos.
Governo
precisa agir com urgência para evitar apagão
O Globo
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou na quarta-feira: “Não
trabalhamos com a hipótese de um racionamento”. Albuquerque parece ter
esquecido que não pode descartar nenhuma possibilidade capaz de afetar a oferta
de energia. Dar essa declaração no momento atual é irresponsabilidade. O volume
dos reservatórios das hidrelétricas na região Sudeste/Centro-Oeste está em
22,5% da capacidade máxima, percentual inferior ao registrado no mesmo período
em 2001, ano do racionamento.
O
ministro da Economia, Paulo Guedes, diz, um dia, estar “muito confiante” em que
o país passará pela crise hídrica e que “tudo bem” a conta de luz ficar mais
cara. No dia seguinte, põe a culpa na imprensa e afirma estar preocupado. Para
completar, o presidente Jair Bolsonaro afirmou numa live que “estamos no limite
do limite” e pediu que todos apagassem um ponto de luz em suas casas.
A
situação fica a cada dia mais crítica, e o desafio é gigantesco, segundo nota
técnica do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). É preciso aumentar a
oferta de energia em 5,5 GW para garantir o suprimento de eletricidade. Isso é
mais do que Itaipu produz hoje. O próprio Albuquerque reconhece que os meses de
julho e agosto foram os piores na série histórica do sistema elétrico. Sabe que
as perspectivas para o período de chuvas não são boas na maior parte do país.
Em
relatório divulgado na segunda-feira, a Administração Nacional Oceânica e
Atmosférica (NOAA), do governo americano, diz que a chance de o fenômeno
conhecido como La Niña ocorrer entre outubro e janeiro é de cerca de 70%.
Quando as águas do Oceano Pacífico Equatorial estão mais frias que a média, uma
das possíveis consequências são períodos de estiagem na Região Sul e em partes
do Centro-Oeste e Sudeste. O maior medo é que as chuvas não sejam abundantes em
Minas Gerais, estado conhecido como a caixa-d’água do Brasil, por reunir rios
que se estendem por outros e, em alguns casos, passam por diferentes usinas
hidrelétricas.
Algumas
medidas anunciadas até agora têm efeito pífio, como reduzir o consumo de
energia em órgãos públicos federais. Outras são arriscadas, como transferir
energia gerada no Nordeste para o Centro-Sul. Não está descartada a hipótese de
que, mais à frente, os reservatórios nordestinos também fiquem em situação
crítica.
Mais
acertada foi a decisão de incentivar grandes consumidores, como a indústria, a
reduzir o consumo em horários de pico de demanda. O mesmo deve ser feito logo
para residências, responsáveis por 30% do consumo de energia do país.
Barbeiragens
na gestão do sistema elétrico podem comprometer a recuperação de parte das
perdas econômicas provocadas pela pandemia. É por isso que o governo federal
deveria estudar com mais atenção as ações tomadas pela administração Fernando
Henrique Cardoso durante o segundo mandato, na virada do século. Na ocasião,
Pedro Parente, então ministro da Casa Civil, assumiu com amplos poderes uma
equipe responsável por gerir a crise hídrica. Em evento público na semana
passada, Parente deu um recado: “Tem de deixar clara a situação. É fundamental
a comunicação e a transparência. As autoridades e os políticos não podem achar
que sua audiência não é inteligente”.
Concessão
da Rio-Santos é chance para estimular turismo na região
O Globo
Litoral recortado, águas cristalinas, centenas de ilhas e paisagens dignas de
moldura fazem do trecho costeiro entre Rio e Santos um cobiçado pedaço do
paraíso. Para chegar a esse éden por via terrestre, o motorista tem de passar
pela provação da Rodovia Rio-Santos (BR-101 Sul). Aberta no início dos anos
1970 para ser uma aprazível via turística, a estrada se deteriorou ao longo de
décadas sob administração do governo federal. Por isso, a bem-vinda concessão
do trecho de cerca de 500 quilômetros, marcada para 29 de outubro, é uma
oportunidade para recuperar e desenvolver uma das principais rotas turísticas
do país, hoje totalmente degradada.
O
leilão da Rio-Santos foi incluído no mesmo pacote de renovação da concessão da
Rodovia Presidente Dutra (Rio-São Paulo). Isso significa que a concessionária
vencedora administrará as duas vias. O edital aprovado pela Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) estipula uma série de obras para a Rio-Santos,
entre elas a melhoria da pavimentação e a duplicação do trecho entre Mangaratiba
e Angra dos Reis. A concessionária terá de fazer 80 quilômetros de duplicações,
2,2 quilômetros de túneis e eliminar gargalos que hoje causam prejuízos à
economia dos municípios. O contrato, de 30 anos, prevê investimentos de R$ 14,5
bilhões nas duas estradas.
Durante
muito tempo, a Rio-Santos ficou à margem dos programas de concessão de rodovias
federais sob um argumento estapafúrdio: a estrada não poderia ser concedida por
ser rota de fuga em caso de acidente nas usinas nucleares de Angra dos Reis. Nada
mais patético. Quanto mais bem conservada, mais eficiente ela será como rota de
escape. Curioso que o mesmo pretexto não serviu para que ela recebesse os
investimentos necessários.
O
resultado do equívoco é uma rodovia deteriorada. O que era para ser uma
experiência agradável para o motorista se tornou motivo de tensão, devido à
buraqueira, à sinalização precária, aos túneis malconservados e escuros, aos
constantes deslizamentos de encostas e ao grande número de acidentes graves,
principalmente no trecho fluminense de mão dupla e sem acostamento. A
degradação é visível também no trecho paulista, onde o fluxo de acesso ao
Litoral Norte há décadas é superior à capacidade da estrada, transformada numa
espécie de avenida de circulação entre as diversas praias.
Evidentemente,
a concessão não atenderá a todas as demandas. Um dos motivos de controvérsia é
a instalação de três praças de pedágio em território fluminense (Itaguaí,
Mangaratiba e Paraty). Outra polêmica é Paraty não ter sido incluída no trecho
que será duplicado. Mas não há dúvida de que novos caminhos se abrem para a
rodovia que atravessa um dos mais belos trechos do litoral brasileiro,
concebida para ser uma das vias turísticas mais importantes do país. Os
municípios cortados pela estrada — que têm no turismo importante fonte de
receita — e os usuários só têm a ganhar com a privatização. A estrada nunca
esteve à altura da paisagem exuberante que proporciona a quem nela trafega.
Mais agir que falar
Folha de S. Paulo
Rejeitar Mendonça seria um passo no cerco
silente ao autoritarismo bolsonarista
Barulho, confusão e cacofonia interessam, e
cada vez mais, só ao presidente Jair Bolsonaro. Antepor-se a seus esbirros
golpistas exige firmeza, mas dispensa espalhafato.
O método revelou-se eficaz na apreciação,
pelo plenário da Câmara, da proposta
do voto impresso. Em vez de deixar o assunto pendente e fornecer
combustível às bravatas, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pôs o tema
em escrutínio. O bolsonarismo, que fala muito mas entrega pouco, não pôde
evitar o malogro.
Também agiu discreta, célere e tenazmente o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ao rejeitar o
estapafúrdio pedido de impeachment do ministro Alexandre de
Moraes requisitado por Bolsonaro. Do protocolo ao enterro, a peça sobreviveu
apenas cinco dias.
No Judiciário, a cartilha antiboçalidades
foi seguida pelo ministro Edson Fachin, ao negar, também
em ato expedito, a tentativa do presidente da República de anular o inquérito
das fake news,
em que é investigado. O argumento, de que o Supremo Tribunal Federal não pode
abrir apurações sem requisição da Procuradoria, já havia sido vencido no
plenário da corte.
Os cães ladram, mas a caravana passa também
no Tribunal Superior Eleitoral. A corte ultima ações que podem redundar, em
caso extremo, na cassação da chapa vencedora do pleito presidencial de 2018.
O TSE conduz, além disso, um inquérito para
investigar indícios de abuso de poder e outras irregularidades nos ataques de
Bolsonaro ao sistema eleitoral. As oitivas se sucedem, e o final dessa história
poderá custar ao assaltante de instituições a inelegibilidade em 2022.
O cordão de isolamento em torno de Jair
Bolsonaro penetra a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, cujo
presidente, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resiste a colocar em pauta a avaliação do
nome de André Mendonça, indicado pelo chefe do Executivo para o STF.
Embora as razões egoístas de Alcolumbre
—como a de ter um outro juiz no Supremo— possam configurar um daqueles casos de
vícios que prestam homenagem à virtude, protelar indefinidamente a indicação
não é a melhor forma de responder à ousadia bolsonarista.
O recomendável é desengavetar o processo e
vetar a indicação do ex-advogado-geral e ex-ministro da Justiça. André Mendonça
cruzou a linha da submissão a um projeto cesarista e deveria ser rechaçado por
suas próprias deficiências.
Pela primeira vez desde o tumultuado
governo do marechal Floriano Peixoto (1891-94), o Senado diria não a um nome
indicado para a corte mais alta. A analogia com uma administração marcada pelo
militarismo autoritário e pelo desrespeito ao texto constitucional não seria de
todo aleatória.
Sem saída simples
Folha de S. Paulo
Apenas contornar o problema dos precatórios
resultará em descrédito do Tesouro
O impasse em torno da conta exorbitante de
precatórios no Orçamento federal de 2022 mobilizou
também o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux.
É bem-vindo o envolvimento da instituição no debate complexo, mas a proposta
inicial do magistrado não deixa de suscitar preocupação.
Há pagamentos previstos de R$ 89,1 bilhões
no próximo ano decorrentes de derrotas sofridas pela União em processos
judiciais. O montante supera em cerca de R$ 33 bilhões o calculado para este
2021. A questão é como acomodar essa despesa adicional sem desrespeitar o teto
para o gasto total inscrito na Constituição em 2016.
O governo Jair Bolsonaro saiu-se com a
ideia de um calote —parcelar o pagamento dos precatórios mais elevados, o que
equivale a jogar os encargos para as administrações futuras. Assim se manteria
a possibilidade de criar o programa Auxílio Brasil, versão ampliada e do Bolsa
Família que é peça-chave do plano eleitoral do presidente.
A proposta de emenda constitucional enviada
ao Congresso teve péssima repercussão e agravou o pessimismo quanto às
perspectivas de recuperação econômica no pós-pandemia. Foi nesse contexto que
Fux apresentou sua alternativa.
Pelo que se pôde entender de uma exposição
ainda preliminar, o ministro sugere que se pague em 2022 o mesmo valor dos
precatórios em 2016, ano de referência para o teto de gastos —o que, a depender
dos critérios utilizados, poderia reduzir a conta em mais de 50%. O restante
seria pago depois.
Ora, não é difícil perceber que tal
procedimento cria uma bola de neve. A menos que haja uma repentina queda dos
precatórios nos próximos anos, o saldo das dívidas a pagar crescerá
ininterruptamente.
Não há solução óbvia para o problema, mas é
necessário indicar que a escolha não será simplesmente contorná-lo. De imediato,
há que buscar reduzir outras despesas menos prioritárias —com emendas
parlamentares, por exemplo.
Dos precatórios de 2022, R$ 16 bilhões
destinam-se a estados, referentes a repasses do antigo Fundef, antecessor do
atual fundo do ensino básico. Esses pagamentos poderiam, talvez, ser excluídos
do teto, como são os gastos do Fundeb.
Desde já, ademais, é preciso fazer diagnóstico minucioso das causas do aumento vertiginoso dessa rubrica e estabelecer uma estratégia para o futuro. Arranjos temporários e improvisos vão corroer a credibilidade do Tesouro Nacional.
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