EDITORIAIS
Sombra nos mercados
O Estado de S. Paulo
A baderna fiscal, as brigas e desvarios do
presidente Jair Bolsonaro estão influenciando a bolsa e o câmbio mais do que os
lucros e as perspectivas de empresas com ações no mercado. Bons balanços e
expectativas otimistas levaram o Ibovespa a 130.776,27 pontos, nível recorde,
em 4 de junho. A festa durou pouco. Depois de alguma oscilação, o indicador
despencou e no dia 17 de agosto chegou a 117.903,81 pontos, cerca de 10% abaixo
do pico alcançado no meio do ano. O presidente e sua equipe eliminaram o
contraste entre a bolsa vigorosa e a economia em recuperação lenta, desigual e
com alto desemprego.
A confusão, os erros e a insegurança da política econômica também se refletem no mercado, afetam os preços das ações e mexem com o câmbio. Com exportações em alta e boas cotações internacionais, o comércio exterior brasileiro continua superavitário, mas o dólar oscila, diante do real, como se houvesse muita insegurança nas contas externas.
Ainda no dia 17 o dólar chegou a R$ 5,30 e
caiu para R$ 5,27 no fechamento, mas no dia seguinte, no fim da manhã, bateu em
R$ 5,34. Em Brasília, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Fabiano
Contarato (Rede-ES) haviam protocolado notícia-crime contra o procurador-geral
da República, Augusto Aras, acusando-o de omissão diante de “crimes e
arbitrariedades” do presidente Bolsonaro.
Fatos externos também afetam as ações, os
juros e o câmbio. Investidores acompanham o tempo todo a economia americana, a
evolução da pandemia, os indicadores da China, choques políticos, como a
vitória do Taleban, e, é claro, as oscilações de preços das commodities. Não há
como desconhecer as variações da cotação do petróleo e seus efeitos no lucro e
nas perspectivas da Petrobras.
No Brasil, como em outras grandes
economias, o mercado financeiro reflete, no dia a dia, uma enorme combinação de
informações nacionais e internacionais. As notícias de Brasília têm enorme peso
entre as informações nacionais e isso pode parecer perfeitamente normal. É
normal, de fato, exceto por um detalhe sinistro. Os mercados de ações, de juros
e de câmbio têm sido afetados principalmente por trapalhadas econômicas, por
crises políticas provocadas pelo presidente da República e, de modo especial,
pela ampla incerteza quanto à evolução das contas de governo e, obviamente, da
dívida pública.
Concentrada em atender aos interesses
político-eleitorais do presidente, a equipe econômica maneja as finanças
oficiais de forma confusa, inventando fórmulas para ampliar os gastos sem furar
o teto e sem violar a regra de ouro e misturando questões estruturais, como a
ordem tributária, com problemas de curto e de médio prazos, como o
financiamento de despesas impostas pelas conveniências presidenciais.
Uma reforma tributária limitada, sem
planejamento, improvisada, contestada por empresários de vários setores,
sindicalistas, governadores, prefeitos e políticos de vários partidos, é um dos
produtos mais típicos dessa forma confusa e sem rumo de administrar as finanças
federais.
Para tocar a reforma do Imposto de Renda, o
relator do projeto, ajudado pelo ministro da Economia, conduz negociações e
acertos com diferentes grupos, fazendo concessões e costurando remendos. Até o
critério de reajuste salarial para os professores virou objeto de troca nessas
combinações. Nessa baderna, o efeito da reforma nas finanças do governo
continua incerto e muito preocupante. O risco de novas perdas acaba reforçando
a incerteza fiscal e a insegurança dos investidores.
Instabilidade cambial, imprevisibilidade
nos negócios e inflação em alta são alguns dos efeitos dessas confusões e das
ameaças do presidente à ordem institucional. Tentando manter-se fora da
baderna, o Banco Central aperta a política monetária, elevando os juros, para
conter os preços e restabelecer alguma segurança. A terapia pode prejudicar a
recuperação dos negócios e do emprego e atrapalhar o endividado setor público.
Não é a solução ideal, mas há pouca escolha quando o País carece de um governo
de fato.
Aceno à moderação
O Estado de S. Paulo
É difícil imaginar um Taleban moderado; resta torcer para que não governe pela violência
É muito difícil imaginar um Taleban
moderado. O passado de reiteradas violações dos direitos humanos, sobretudo as
atrocidades cometidas contra mulheres e meninas afegãs, condena a milícia de
radicais islâmicos do Afeganistão. Portanto, o enorme esforço de relações
públicas do Taleban após a tomada de Cabul, no domingo passado, deve ser
recebido com desconfiança. “Os talebans serão julgados por suas ações, e não
por suas palavras”, afirmou o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.
No dia 17 passado, representantes do grupo
deram entrevista coletiva, divulgaram diversas mensagens pelo Twitter e foram à
rede de TV BBC com o objetivo de transmitir ao mundo a imagem de um “novo”
Taleban, uma espécie de versão “evoluída” daquele Taleban que entre 1996 e 2001
governou o Afeganistão se refestelando em sangue. “Dê-nos tempo”, pediu o
porta-voz do grupo, Zabihullah Mujahid, durante a coletiva de imprensa. Em tom
conciliador, Mujahid afirmou que o povo afegão “não tem com o que se preocupar”,
que propriedades serão “respeitadas” e, principalmente, a integridade física
dos afegãos que colaboraram com as forças de ocupação lideradas pelos Estados
Unidos estará assegura. Anunciou-se uma espécie de anistia.
O porta-voz do grupo disse ainda que as mulheres
estarão a salvo de violência e “nenhum preconceito contra elas será permitido”,
pois, prosseguiu Mujahid, “os valores islâmicos são a nossa estrutura”. Aqui
mora o perigo. Este “novo” Taleban anunciou que integrará as mulheres à
sociedade, permitindo que elas estudem e trabalhem, “mas sempre dentro dos
limites da lei islâmica”. Isto valerá para os jornalistas, que terão
“permissão” para “criticar e apontar erros” do novo governo, contudo, também
dentro das balizas que são definidas pelo próprio Taleban.
O grupo é mundialmente conhecido pela
interpretação extremada que faz do Alcorão. Ao fim e ao cabo, a garantia
das liberdades mais comezinhas dos cidadãos afegãos estará sempre condicionada
a esta exegese muito particular do texto sagrado do islã.
Por outro lado, o que resta ao chamado
mundo civilizado a não ser torcer para que este aceno à moderação, de fato,
seja acompanhado de ações que tragam ao menos um fiapo de esperança para um
povo alquebrado por séculos de guerras e ocupações estrangeiras? A julgar pelas
recentes declarações do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não se cogita
voltar atrás da decisão de retirar os soldados americanos do Afeganistão após
quase duas décadas de ocupação militar. O que significa dizer que, para o bem
ou para o mal, os afegãos terão de encontrar alguma forma de reconstruir o país
por si mesmos.
Por ora, as promessas do Taleban não foram
suficientes para aplacar a angústia de milhões de afegãos. Ondas migratórias já
são dadas como certas por autoridades da União Europeia, o que poderá
desencadear uma crise humanitária tão ou mais dramática do que a de 2014-2015,
quando milhares de refugiados chegaram ao continente europeu em condições
subumanas tentando escapar de conflitos no norte da África e no Oriente Médio, em
especial da guerra civil na Síria.
Em muitas regiões do Afeganistão, sobretudo
em cidades do interior, mulheres deixaram de realizar suas atividades laborais
ou acadêmicas e até mesmo evitam circular nas ruas. A situação é especialmente
preocupante para as muitas viúvas do país, que nem sequer podem ir ao mercado
comprar alimentos por não terem a companhia de um homem, como manda o Taleban.
O secretário-geral da Organização das
Nações Unidas (ONU), António Guterres, disse estar “particularmente preocupado”
com a situação das mulheres afegãs após ter recebido relatos “assustadores” de
violências praticadas pelo Taleban no caminho até Cabul. Guterres exortou as
lideranças do grupo a respeitar os direitos humanos.
É o que resta esperar agora, que o Taleban
cumpra a promessa de não governar pela violência desmedida, como outrora. É
ocioso esperar que um país islâmico se converta em uma democracia nos moldes
das democracias ocidentais.
A matemática e os vestibulares
O Estado de S. Paulo
Ao mudar prova para seleção de 2022, Unicamp mostrou ter consciência do problema
As perdas do nível de aprendizagem esperado
para os alunos da última série do ensino médio, especialmente em matemática,
por causa das dificuldades decorrentes do fechamento das escolas durante a
pandemia, trouxeram problemas graves para o próximo vestibular das
universidades públicas. De que modo elas podem exigir dos vestibulandos
conhecimentos que não tiveram condições de aprender?
Uma das instituições que estão enfrentando
esse problema é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujas inscrições
para o processo seletivo de 2022 acabam de ser abertas. Ao todo, serão
oferecidas 2.540 vagas em 69 cursos. Após constatar que os candidatos ao
vestibular de 2021 não haviam conseguido aprender todo o conteúdo da disciplina
de matemática do ensino médio, a instituição adotou duas decisões. Mudou a
prova dessa disciplina para os candidatos aos cursos de graduação em ciências
humanas e reduziu o número de questões de 90 para 72.
Ao justificar essas decisões, o diretor da
Comissão Permanente para Vestibulares da Unicamp, professor José Alves Freitas
Neto, que também coordena o curso de graduação em história da instituição,
afirmou que os problemas causados pela pandemia desmotivaram os concluintes do
ensino médio e comprometeram a capacidade de planejar seu futuro. Por isso,
muitos desistiram de ingressar numa faculdade, o que foi evidenciado pela queda
significativa do número de participantes do último Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), que é a principal porta de entrada das universidades federais e
de muitas universidades confessionais ou privadas. No vestibular de 2021, a
própria Unicamp já havia registrado a abstenção de 13,8% dos inscritos na
primeira fase do processo seletivo – a maior taxa nos últimos 18 anos. Também
constatou que, no mesmo vestibular, as notas de matemática foram as que mais
baixaram, quando comparadas com as notas dos vestibulares anteriores.
O maior desafio é mobilizar e engajar esses
estudantes, que passaram dois dos três anos do ensino médio assistindo a aulas
pelo sistema de ensino a distância, afirma o professor Freitas Neto. No ano
passado, 80% dos alunos da rede pública do ensino médio do Estado de São Paulo
não conseguiram passar mais do que duas horas assistindo a aulas por
computador, tablet ou celular. O mesmo problema detectado pela Unicamp vem
ocorrendo em outras universidades, mas elas ainda não anunciaram as mudanças
que poderão promover em seus processos seletivos.
A matemática não é apenas uma ferramenta
para desenvolver o raciocínio e habilidades cognitivas. É, também, decisiva
para estimular a reflexão abstrata, o potencial crítico, a criatividade e a
capacidade de argumentação dos alunos. Isso mostra o impacto da perda do nível
de aprendizado dessa disciplina na formação das novas gerações.
Antes da pandemia e da substituição das
aulas presenciais por aulas virtuais, o aproveitamento dos alunos do ensino
básico em matemática já era insatisfatório, como apontam os mecanismos
nacionais de avaliação escolar e o Programa Internacional de Avaliação de
Estudantes (Pisa), promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Os últimos números do Pisa revelaram que dois terços dos
estudantes brasileiros na faixa etária de 15 anos apresentaram níveis de
proficiência em matemática muito mais baixos do que os considerados básicos
pela entidade.
O agravamento do problema de aprendizagem
da matemática terá consequências dramáticas. Entre outras consequências,
limitará o acesso das novas gerações a empregos qualificados. Também impedirá a
formação de capital humano de que o País tanto precisa para se desenvolver e
passar a níveis mais sofisticados de produção. E ainda perpetuará as condições
do atraso, da desigualdade e da pobreza na sociedade brasileira.
Ao mudar a prova de matemática para não
prejudicar os candidatos aos cursos de ciências humanas em seu próximo
vestibular, a Unicamp mostrou ter consciência da gravidade desse problema.
Resta solvê-lo.
Se insistir, piora
Folha de S. Paulo
Reforma do IR se distancia de seus
objetivos, e correção parece improvável
A resultante de um governo fraco, de um
presidente da Câmara obcecado por votar o que quer que seja e da alta
penetração de interesses particulares no Parlamento está produzindo um monstro
na reforma do Imposto de Renda.
A boa notícia da terça (17) foi o adiamento da
votação do relatório do deputado Celso Sabino (PSDB-PI). A
motivação do impasse concentrou-se mais no temor de perda de arrecadação por
estados e municípios do que no distanciamento da proposta em relação aos
objetivos que a deveriam nortear.
O IR brasileiro falha ao deixar de
assegurar dois princípios básicos: os indivíduos mais ricos precisam recolher
proporcionalmente mais; as rendas de mesma origem —do trabalho, por exemplo—
precisam ser taxadas de modo similar.
No Brasil, uma classe de trabalhadores, os
contratados pela CLT, paga sobre o salário as alíquotas cheias do IR da pessoa
física, ao passo que outro grupo, no regime de lucro presumido em pequenas
empresas, recolhe muito menos.
Por essa brecha muitos milionários escapam
da tributação que seria a mais justa e progressiva do IR, pois nesse modelo
podem atuar empresas individuais que faturam até R$ 4,8 milhões anuais.
Taxar os dividendos —que são a forma
jurídica pela qual a renda é transferida aos indivíduos nessas empresas— de forma
análoga à que se tributa o salário sob a CLT seria portanto uma necessidade de
qualquer reforma dedicada a corrigir desigualdades no Brasil.
A proposta na Câmara, porém, mantém a
isenção tributária na distribuição dos dividendos nessas firmas. Nem sequer a
intenção de limitar a regalia a quem retire até R$ 20 mil mensais sobreviveu à
sanha regressista de que tem sido presa fácil a Casa desgovernada.
Como alertou
o secretário da Receita Federal à Folha, se essa reforma for
aprovada, pode haver incentivo à “pejotização”, a distorção que leva
trabalhadores a atuar sob o manto de empresas individuais.
Também no capítulo dos sinais equivocados,
a proposta desestimula que as empresas ganhem escala e eficiência e, apesar de
reduzir alíquotas de IR, ainda exige das corporações sob o regime do lucro real
—as maiores— uma carga total mais elevada do que a de outros países que
competem com o Brasil.
Tributação, quanto mais da renda, não é um
tema que deva ser tratado com açodamento. Há implicações para a justiça social,
o equilíbrio fiscal e a competitividade econômica que precisam ser sopesadas,
estudadas e amadurecidas.
Sem uma profunda correção de rumos, que a
esta altura parece improvável, a melhor decisão será abandonar a reforma e
retomar o debate do tema no futuro, em outras circunstâncias políticas.
Alerta Cantareira
Folha de S. Paulo
Chuvas escassas podem ser nova norma do
clima; é prudente repensar o consumo
Sete anos depois da crise hídrica na Grande
São Paulo, que forçou um racionamento não declarado no abastecimento de água,
seu maior sistema de distribuição entra em situação preocupante. O nível dos
reservatórios do Cantareira, como noticiou O Estado de S. Paulo, caiu abaixo de
40%.
Isso caracteriza estado de alerta, segundo
normas operacionais da Agência Nacional de Águas (ANA). O ideal neste período
seria contar com reservas de 60%.
Na mesma época em 2020, o complexo de
represas estocava água em 50% de sua capacidade. Hoje, como há um ano, a região
metropolitana ainda fica distante da emergência configurada quando a Sabesp,
companhia estadual de saneamento básico, precisou captar o recurso abaixo das
tubulações usuais, no volume morto.
Houve avanços significativos nos meios para
enfrentar a escassez. O sistema São Lourenço entrou em linha, agregando 5.000
litros por segundo (5 m³/s) à vazão disponível. A interligação com a bacia do
Paraíba garantiu mais 7 m³/s para desafogar o Cantareira.
Com isso, o contingente populacional
dependente do sistema encolheu de 9 milhões de pessoas para 7,2 milhões.
Tornou-se possível reduzir a captação autorizada no Cantareira de 33 m³/s para
27 m³/s.
Mesmo assim, o armazenamento continuou
caindo. As previsões mais drásticas indicam que o volume poderá despencar a 20%
em dezembro, quando aí sim haveria razão para alarme.
Por trás da insegurança hídrica está uma
década com precipitação abaixo da média na região. A presente estiagem em cinco
estados brasileiros (MG e SP, onde estão os mananciais do Cantareira, mais GO,
MS e PR) é a pior em 91 anos.
Crescem indicações da ciência para a
possibilidade de que a retração de chuvas seja resultante da crise climática
mundial e do desmatamento na Amazônia, no cerrado e na mata atlântica.
Secas e estiagens prolongadas se encaixam
predições de eventos extremos formuladas pelo Painel Intergovernamental de
Mudança Climática, da ONU. Não será surpresa se a tendência perdurar.
Nesse cenário, obras para buscar água cada
vez mais longe da metrópole não serão sustentáveis, além de drenar bilhões da
sociedade. É preciso repensar o padrão de consumo, e o poder público deveria
tornar permanentes as campanhas de conscientização, não reciclá-las só quando
seca a fonte.
Governo enfia os pés pelas mãos com IR e
precatórios
Valor Econômico
O padrão da atuação legislativa diante de
um governo que não dirige é previsível: os projetos saem irreconhecíveis
Sem um norte que não seja a reeleição do
presidente Jair Bolsonaro, o governo age como aprendiz de feiticeiro em um
Congresso dominado pelo Centrão. Dois projetos que se tornaram essenciais para
esse objetivo - a reforma do imposto de renda e o calote dos precatórios -
racharam o Congresso, empresários, tributaristas etc. O presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), que tem pressa na aprovação, intuiu que um consenso na
matéria é quase impossível. O governo jogou a toalha na sessão de quarta e
aceitou adiar a discussão do IR para data não determinada. Na questão da PEC
dos precatórios, há chances de derrota.
O governo tirou da cartola os projetos. O
do IR busca cumprir uma promessa de campanha de 2018 ainda ignorada, a de aumentar
o limite de isenção para as faixas menores de renda, e, ao mesmo tempo, buscar
alguns recursos extras para robustecer o Bolsa Família, que seria transformado
em Auxílio Emergencial com renda maior e novas atribuições.
A PEC dos precatórios foi a forma
encontrada de empurrar dívidas já transitadas pela Justiça, adiando seu
pagamento para os maiores valores. Com a postergação, abre-se um espaço no
orçamento de R$ 30 bilhões que seriam destinados ao Auxílio Emergencial. Neste
caminho, criou-se um fundo, fora do teto de gastos, constituído por
privatizações, receitas de concessões e dividendos líquidos recebidos pela
União, para quitar eventualmente precatórios e inicialmente, engrossar os
recursos para o novo Bolsa Família. Este último objetivo foi logo abandonado.
As mudanças no imposto de renda mostraram
falhas de dois tipos. Primeiro, com dois projetos de reforma tributária no
Congresso, mais um pedaço enviado pelo Executivo, não faz sentido criar um
remendo mal costurado e não tentar a remodelagem do sistema todo, sobre a qual
a discussão estava avançada no parlamento, à espera de projetos adicionais
prometidos pelo governo, que nunca vieram. Depois, a calibragem das mudanças
desagradou não apenas aos setores que acham que nunca devem pagar mais como aos
que efetivamente já o fazem.
A troca da tributação dos dividendos pela
redução do IRPJ e o fim dos juros sobre capital próprio provocaram um
monumental imbróglio, resolvido de forma singela pelo relator, o deputado Celso
Sabino. O governo pretendia obter receita adicional modesta, de R$ 2 bilhões
com as modificações, que consistiam no corte de 5 pontos percentuais do IRPJ,
em duas parcelas, e a instituição de 20% sobre os dividendos, com um refresco
de isenção sobre dividendos até R$ 20 mil mensais. O relator mudou tudo e, em
sua primeira versão, o superávit se transformou em um déficit de R$ 30 bilhões,
com um corte forte de 10 pontos percentuais no IR. A saída provocou a revolta
de Estados e municípios, que perderão dinheiro no fundo de participação, que
conta com a distribuição do IR e de outros impostos.
Mesmo com sua forma atual - não definitiva
- corta-se 6,5% do IR e 1,5% da CSLL - a ira dos Estados não foi aplacada.
Então entrou em cena a pura criatividade. Como compensação, Lira prometeu
aumento da fatia do IR nos fundos de participação de 1,37 ponto percentual (R$
5 bilhões) sem que se saiba de onde sairá o dinheiro. Em seguida, tentou-se
mudar o piso salarial dos professores, acabando com o reajuste real embutido no
Fundeb. A cizânia aumentou.
No caso dos precatórios, há risco certo de
judicialização e outro, mais grave, de rompimento do teto de gastos, pela
criação de um fundo cujas despesas não estarão nele inscritas. O ministro Paulo
Guedes saiu-se com a ameaça de “shutdown” se os precatórios não forem
parcelados, quando é possível pagar essas dívidas com emissão de títulos do
Tesouro. A trajetória ascendente dos montantes dos precatórios era sabida,
assim como a compressão que trará às despesas obrigatórias pela lei do teto. O
mesmo governo que patrocina o calote foi o que sacramentou uma regra
inexequível para que o gatilho de contenção de despesas para assegurar o teto
disparasse - quando as despesas atingissem 95% dos gastos obrigatórios, isto é,
quando o governo praticamente já estivesse em “shutdown”, com as despesas
discricionárias a 5% (Felipe Salto, O Estado de S. Paulo).
A percepção de risco fiscal recrudesceu,
com novos saltos do dólar, queda na bolsa e mais pressão inflacionária. O
padrão da atuação legislativa diante de um governo que não dirige é previsível:
os projetos saem irreconhecíveis, com mais despesas penduradas nos cofres
públicos. Um bom motivo para não fazê-los de forma amadora e eleitoreira.
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