O Globo
O general Braga Netto mentiu sobre a
História do país, ao dizer que não houve ditadura no Brasil. Ontem foi a vez de
o general Ramos ofender os fatos. O ministro da Defesa disse que se tivesse
havido ditadura “muitos não estariam aqui”. Ele está querendo dizer que as mortes
foram poucas, e isso é odioso. Mas está também usando o mesmo método
identificado pela Polícia Federal nos disseminadores de fake news, que é o de
dissolver a fronteira entre a mentira e a verdade. Essa técnica de Steve Banon
serve para o assalto ao poder, mas tem tido também como consequência trágica a
morte de centenas de milhares de brasileiros pela Covid.
Muitos não estão aqui porque foram assassinados pela ditadura que o general Braga Netto nega ter existido. Para o general Ramos, segundo disse ontem, tudo é apenas uma questão semântica. Nesse raciocínio, basta usar algum eufemismo que o problema desaparece. Generais, muitos brasileiros foram assassinados dentro de quartéis militares e por ordem de seus comandantes. Por isso não estão aqui. A técnica da negação faz vítimas ainda hoje. Milhares de vítimas desta pandemia poderiam estar aqui. Teriam sido protegidos da morte se mentiras sobre a Covid-19 e sobre as medidas de proteção, o uso de máscara, a cloroquina e as vacinas, não tivessem sido divulgadas com tanta insistência pelo presidente da República e pelos bolsonaristas.
A mentira do general Braga Netto tenta
matar os fatos de ontem. As mentiras do presidente Bolsonaro e de seus
apoiadores matam pessoas no presente. A mentira colocada em documento oficial
pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo é uma colaboração à morte
de brasileiros e um flagrante de desvio de função. Em vez de proteger a
sociedade, a Procuradoria-Geral da República (PGR) nega a ciência, rasga o
princípio da precaução e desmoraliza a máscara.
Lindôra Araújo tenta desmentir o que a
ciência já provou. Disse que não “é possível realizar testes rigorosos” sobre a
eficácia da máscara. Segundo ela, os estudos que existem são “somente
observacionais e epidemiológicos”. E ela continua com seu insulto à ciência
afirmando que o presidente não foi notificado de que deveria usar máscaras em
eventos públicos e chega ao cúmulo de afirmar que na ocasião dos fatos
Bolsonaro “não estava doente, nem apresentava sintomas de Covid-19”, como se só
os pacientes devessem usar a medida de proteção. O presidente fora questionado
em ação pelo seu comportamento delinquente de promover aglomerações, em geral
com recursos públicos, e nelas não usar máscaras, e ainda ter tirado a proteção
de duas crianças. Lindôra acha que “inexistem elementos mínimos” para uma ação
contra o presidente.
A mentira é terrível. A mentira histórica
dos generais, a da subprocuradora, e a dos influenciadores bolsonaristas. E é
terrível porque atinge a vida e a democracia.
Quando procuram se esconder na semântica ou
na falsificação histórica, os generais Braga Netto e Ramos mostram que essa
geração militar é cúmplice dos que naquele tempo fecharam o Congresso,
aposentaram ministros do Supremo, censuraram, torturaram e mataram. Braga Netto
parecia querer se referir até aos próprios parlamentares. A fala dele na Câmara
foi assim: “Se houvesse ditadura, talvez muitos dos… muitas pessoas não
estariam aqui.”
Muitos não estão aqui, general Braga Netto.
Stuart Angel não está aqui. Tinha 25 anos quando foi assassinado, seu corpo
jamais foi entregue à família, teria hoje 75 anos. Sua mãe Zuzu também foi
morta. Vladimir Herzog não viu os filhos crescerem, morreu aos 38. Rubens Paiva
não esteve com a mulher Eunice na criação dos filhos. O que o general quis
dizer? Que aquele horror precisava ter matado mais para que fosse chamado de
ditadura? O ministro da Defesa pode gostar da ditadura, mas negar que ela
existiu é mentir.
A técnica dos sites bolsonaristas é mentir
também. A Polícia Federal explicou ao TSE que eles tentam “diminuir a fronteira
entre o que é verdade e o que é mentira”. Usaram isso nas postagens sobre as
urnas eletrônicas, nas divulgações falsas sobre a pandemia, nos ataques ao
Judiciário e ao Congresso. Eles usam fragmentos de verdade para construir suas
mentiras. Os bolsonaristas tentam enfraquecer a democracia e, nas fake news
sobre a pandemia, atentam contra a vida humana.
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