Correio Braziliense
Reacionários são obcecados
pelo medo das mudanças e se comportam de maneira nostálgica, sonhando com um
passado idealizado, que não é o que a História registra
O analista político e ensaísta Mark Lilla,
professor de História das Ideias na Universidade de Columbia, em Nova York,
ganhou muita notoriedade após a eleição de Donald Trump, ao publicar um artigo
no The New York Times no qual pedia que a esquerda norte-americana abandonasse
a “era do liberalismo identitário” e buscasse a unidade diante da
especificidade das minorias. É autor de O
progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo
pós-políticas identitárias (no original, The Once and Future Liberal: After Identity
Politics) e A Mente
Naufragada, publicados pela Editora Schwarcz e Cia. das Letras,
respectivamente.
Voltou a gerar polêmicas em meados do ano
passado, ao articular uma carta-manifesto assinada por 150 intelectuais, entre
os quais Noam Chomsky, Gloria Steinem, Martin Amis e Margaret Atwood, no qual
reivindicavam o direito de discordar, sem que isso colocasse em risco o emprego
de ninguém, uma reação à patrulha ideológica dos setores progressistas dos
Estados Unidos contra intelectuais conservadores. Esse posicionamento foi
importante para a unidade dos democratas, fundamental para a vitória de Joe
Biden nas eleições presidenciais do ano passado e o racha dos republicanos, ao
isolar a extrema-direita na tentativa de golpe de Estado de Trump.
Lilla é um estudioso dos dramas ideológicos do século XX. No livro A Mente Naufragada, faz uma clara distinção entre o reacionarismo e o pensamento conservador. Segundo ele, “os reacionários da nossa época descobriram que a nostalgia pode ser uma forte motivação política, talvez mais poderosa até do que a esperança. As esperanças podem ser desiludidas. A nostalgia é irrefutável”. Isso tem tudo a ver com o presidente Jair Bolsonaro, o grupo de militares saudosistas do regime militar que o cerca e os grupos de extrema-direita que organizou por meio das redes sociais, que, agora, estão armados até os dentes.
Enquanto velhos revolucionários da geração
1968 ainda alimentam expectativas de uma nova ordem social redentora, os
reacionários são obcecados pelo medo das mudanças em curso no mundo e se
comportam de maneira nostálgica, sonhando com a volta a um passado idealizado,
que não é o que a História registra. “A nostalgia baixou como uma nuvem sobre o
pensamento europeu depois da Revolução Francesa e nunca mais se afastou
totalmente”, lembra Lilla, propósito dos pensadores que, há um século, serviram
de caldo de cultura para o nazismo e o fascismo.
Nostalgia da ditadura
Quando o ministro da defesa, o general
Braga Netto, por exemplo, comparece à Câmara para prestar esclarecimentos e
nega que houve uma ditadura no Brasil, revela uma mente naufragada no passado,
quando Tancredo Neves foi eleito no colégio eleitoral e o regime militar caiu
sem um tiro, em 1985. O regime militar foi, sim, uma ditadura, que durou 20
anos, suprimiu as liberdades, prendeu, sequestrou e matou oposicionistas. Essa
era a narrativa dos generais que se revezaram na Presidência e impuseram um
artificial sistema bipartidário, para disfarçar o regime autoritário, sob o
argumento de que se tratava de uma “democracia relativa”.
A outra face dessa narrativa é a recorrente
interpretação de Bolsonaro sobre o artigo 142 da Constituição, ao atribuir às
Forças Armadas o papel de “poder moderador” nas relações entre o presidente da
República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Busca-se, como em
1937, no golpe do Estado Novo, e em 1964, na deposição de João Goulart, uma
suposta ameaça comunista, no caso representada pelo favoritismo do ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais sobre o pleito de 2022.
Constrói-se uma tese de afronta à
legalidade para justificar uma “intervenção militar”, com base em suposta
insegurança da urna eletrônica e nas medidas tomadas pelo Supremo Tribunal
Federal contra a rede montada para disseminar mentiras e apregoar um golpe de
Estado. “Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o
reacionário enxerga os destroços do paraíso passando à deriva”, explica Lilla.
É mais ou menos o que distingue o presidente Jair Bolsonaro dos setores
conservadores que participam e ainda apoiam o seu governo, mas não sua loucura
golpista.
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