Folha de S. Paulo
Os bolsonaristas têm quem os teleguie no
sequestro das nossas bandeiras, verbais ou simbólicas
Ouço dizer que, num covil da internet,
lê-se: “Abaixo o Supremo Tribunal Federal! Não passarão!”. Ouvi direito? A
lendária palavra de ordem da Guerra Civil
Espanhola (1936-39), consagrada pela ativista Dolores Ibárruri,
La Pasionaria, comunista de 400 anos, terá sido adotada pelos seguidores de
Jair Bolsonaro? Se sim, seria mais uma prova da ciclópica ignorância dessa
gente. Mas não é só isso. Se os bolsonaristas são broncos ou ingênuos, há uma
minoria que pensa por eles, teleguia-os e os abastece de slogans. E sabe o que
faz.
A estratégia consiste em se apropriar das bandeiras, verbais ou simbólicas, do adversário. Começa pelo sequestro do conceito de democracia, que passa a ser de seu uso exclusivo. Qualquer tentativa de enquadrá-los na lei maior, a Constituição, é chamada de tentativa de ditadura —embora esta lhes sirva muito bem para definir os governos torturadores que defendem. Como a democracia é, por definição, um regime que assiste com notável tolerância a que se trame a sua própria destruição, eles dispõem de tempo e espaço para trabalhar.
A corrupção conceitual se estende à liberdade de
expressão. Abusam do direito de exercê-la, mas processam e ameaçam
quem faz o mesmo com eles e, se chamados a responder por seus excessos, correm
cinicamente para trás do biombo jurídico. Essa é a mais perigosa das
apropriações: a da Justiça —porque costurada por dentro, em silêncio, e, quando
se torna evidente, como agora, já pode ser tarde demais.
Conceitos como “Deus”, “pátria”, “família”,
“povo” e “homem de bem” também se tornam de sua propriedade, para maquiar
práticas sabidamente canalhas.
E há o mais simbólico e ostensivo dos
sequestros: o das cores nacionais. Elas se tornam seu monopólio e são
esfregadas no nosso nariz. O Brasil precisa retomar o verde-amarelo. Mas,
antes, terá de purgá-lo com o preto e o cinza, cores do luto. Por acaso, vem aí
um 7 de Setembro.
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