O Globo
O primeiro tiro foi dado num tuíte. O
presidente Jair Bolsonaro acordou no sábado e, antes mesmo das 9 da manhã, já
teclou: “Todos sabem das consequências, internas e externas, de uma ruptura
institucional, a qual não provocamos ou desejamos. De há muito, os ministros
Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal,
extrapolam com atos os limites constitucionais. Na próxima semana, levarei ao
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, um pedido para que instaure um processo
sobre ambos, de acordo com o art. 52 da Constituição Federal”.
Pronto. Daí em diante, as maiores
autoridades da República foram instadas a se manifestar para garantir que a
democracia brasileira e suas instituições estão funcionando.
Poucas horas depois, viralizou o áudio de WhatsApp em que o sertanejo Sérgio Reis dizia ter almoçado com o presidente da República e mais “os grandes do Brasil” e combinado de encher os acessos a Brasília de caminhões em 7 de setembro.
O objetivo seria levar um recado a Pacheco:
se em 72 horas ele não aprovasse o voto impresso e retirasse dos cargos todos
os ministros do Supremo, caminhoneiros e plantadores de soja parariam o país.
Quase ao mesmo tempo, pipocou a notícia de
que o presidente estava espalhando mensagens sobre um ato “gigante” também no
dia 7 de setembro, para demonstrar que a população brasileira “autoriza” as
Forças Armadas a tomar as “decisões cabíveis” para preservar o “Estado
Democrático de Direito”.
E tudo isso por quê? Porque o STF mandara prender na sexta-feira o ex-deputado Roberto Jefferson, ex-tropa
de choque de Fernando Collor, denunciado no escândalo dos Anões do Orçamento e
denunciante do mensalão, autor da lei do desarmamento e bolsonarista tardio,
por ameaça às instituições e incitação à violência.
Quando a semana começou, a bolha minion
estava a toda, prevendo a tomada do poder a qualquer momento pelas Forças
Armadas.
Pelo aviso dado no mundo virtual, era de
supor que o Bolsonaro real começasse a semana atravessando a rua que o separa
do Senado com o pedido de impeachment dos ministros do Supremo em punho. Mas
não.
O presidente da República preferiu se
mandar para Formosa, a 80 quilômetros da capital federal, para acompanhar um
exercício militar. Levou cinco ministros, incluindo Marcelo Queiroga, da Saúde.
A certa altura, Bolsonaro e o titular da Casa Civil, Ciro Nogueira, foram
convidados a dar tiros de canhão.
Num ponto alto das manobras, transmitidas
ao vivo pela TV Brasil, soldados camuflados explodiram uma casinha de cachorro
ao som da trilha sonora do filme “Missão impossível”.
Enquanto Bolsonaro brincava de guerra, na
arena real da política os operadores do Congresso trabalhavam para desarmar bem
mais que a bomba do golpe.
Só no Senado, era preciso municiar a tropa
de choque na CPI da Covid para o depoimento do auditor que acusava o presidente
de falsificar um documento do Tribunal de Contas da União, administrar a
insatisfação dos parlamentares que tentavam em vão liberar sua cota de emendas
do “orçamento secreto” e, ainda, implodir a barreira erguida por Davi Alcolumbre.
O ex-presidente do Senado, insatisfeito com
o quinhão que lhe coube na divisão de poder da Esplanada dos Ministérios, se recusa a convocar a Comissão de Constituição e Justiça e marcar a
sabatina de André Mendonça para a vaga aberta no Supremo
Tribunal Federal.
Alcolumbre espalha por aí que não o faz por
causa das ameaças golpistas do presidente, mas essa justificativa é tão real
quanto as ameaças combatidas nas manobras de Formosa. Como a CCJ não se reúne,
outros assuntos importantes para o governo, como a privatização dos Correios e
a reforma tributária, não avançam.
Como se fosse pouco, ainda é preciso
descontaminar a emenda constitucional dos precatórios, que oficializa o
parcelamento ou o adiamento do pagamento de dívidas judiciais do governo.
Criar folga no Orçamento é fundamental para
pagar o Bolsa Família turbinado, mas até agora não se vislumbrou uma forma de
fazer isso sem despertar o medo de calote nos investidores. Para completar, é
preciso decidir o valor final a destinar ao fundo eleitoral e o modelo de
escolha dos deputados em 2022.
Assim chegamos à quinta-feira. Embora os
chefes do Legislativo e do Judiciário continuem às voltas com reuniões
apressadas e declarações apaziguadoras sobre a força da nossa democracia,
Bolsonaro não pediu o impeachment de nenhum ministro do Supremo.
Tampouco tomou alguma providência real para
resolver os problemas que de fato afligem os brasileiros. Mas está feliz,
porque ganhou a batalha de Formosa. Deu tiros de canhão, foi bajulado por uns
fardados e alimentou seus seguidores com bravatas em redes sociais.
Quanto ao Brasil, ainda se espera que tenha um destino melhor que a casinha de cachorro.
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