quinta-feira, 19 de agosto de 2021

William Waack - Restou a confusão

O Estado de S. Paulo

Nem ‘aliados’ de Bolsonaro conseguem apaziguá-lo ou contê-lo, num quadro perigoso

Estão diminuindo depressa as opções políticas para Jair Bolsonaro. No momento ele aposta na mais perigosa delas: pôr gente nas ruas. Consciente dos riscos, e agindo como chantagista, mandou mais de um emissário dizer a várias instâncias em Brasília que não sabe se terá controle do que possa acontecer a 7 de setembro quando – dependendo da fonte bolsonarista – fala-se de protesto ou até insurreição.

O problema para Bolsonaro é que ele está sendo levado pouco a sério, pois confundiu blefe com bravata. Revelou-se intutelável, missão na qual fracassaram representantes do PIB (via Paulo Guedes), dos militares (via generais de pijama) e de partidos do Centrão (via caciques fisiológicos). O resultado disso é o fato de operadores políticos “aliados”, como Arthur Lira e Ciro Nogueira, e chefes de poderes, como Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, terem transitado daquilo que em política externa se chama de “appeasement” para “containment”.

“Appeasement” nestas latitudes acaba sendo traduzido como “bater palmas para louco dançar”, que é basicamente o que aconteceu, bastando ver o sorriso amarelo de Arthur Lira quando questionado se Bolsonaro tem palavra. Já o modo “contenção” (cerco, isolamento) tem tido pouco êxito na crise institucional por conta de um cenário abrangente bem mais grave que os desequilíbrios do presidente. É o fato de o governo não ter um rumo, um sentido, uma estratégia, ou um estágio ao qual se pretenda levar o País – além da ambição de Bolsonaro de permanecer no poder e se reeleger.

São vítimas dessa falta de sentido político amplo e capacidade de coordenação as grandes reformas estruturantes, como administrativa, tributária e eleitoral – para não falar no desgoverno irresponsável e criminoso em questões específicas, como ficou claro na CPI da pandemia. É essa geleia geral o grande impedimento bloqueando operadores políticos de notória habilidade e capacidade de negociação, e especialistas em sobrevivência, como os caciques do Centrão (que, diga-se de passagem, por razão existencial defendem interesses setoriais antes dos nacionais).

Assim, fica difícil “trabalhar” isolando Bolsonaro e focando na relevância das várias pautas legislativas – como demonstra pretender o presidente do Senado, por exemplo – se ninguém sabe exatamente em qual direção e com qual objetivo. O descaminho da reforma tributária que o diga. Na essência, os atributos clássicos de poder do Executivo não são os da caneta presidencial, mas, sim, os de ditar o sentido da agenda política.

Bolsonaro é um personagem transparente que não esconde o que vai pela sua cabeça, não importa se habitada por delírios, fantasmas, teorias abjetas, explicações absurdas e imbecilidades –é o que compõe a visão de mundo dele e, consequentemente, o que julga perceber como realidade da política e baliza de suas ações e comportamento. Para ele, o “golpe” já aconteceu e foi dado pela usurpação de poderes por parte do STF (instância cavernosa habitada por esquerdistas, pedófilos, cúmplices de traficantes, corruptos, ateus e oportunistas).

Cabe, então, o “contragolpe”, para o qual Bolsonaro se julga legitimado pelo “apoio do povo”, e suficientemente escorado pela norma legal (a espúria interpretação do artigo 142 da Constituição) e pelos instrumentos clássicos de poder e manutenção da ordem (Forças Armadas). Visto pela ótica de Bolsonaro, é tudo defensivo e garantista: da liberdade e da lei. Mas como aplicar o contragolpe?

Seria demais exigir de uma figura como Bolsonaro que tivesse um plano claro. Ele age por impulso, por arroubo, de supetão, embora tenha um considerável instinto tático. Ao mesmo tempo é hesitante e confuso. Até aqui não conseguiu enfrentar nem superar os limites impostos pelo Judiciário e pelo Legislativo, e percebe seu potencial eleitoral derretendo a um ponto que talvez já seja irreversível. É o que resta de opção: a confusão.

 

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