O Estado de S. Paulo
Nem ‘aliados’ de Bolsonaro conseguem apaziguá-lo ou contê-lo, num quadro perigoso
Estão diminuindo depressa as opções políticas para Jair Bolsonaro. No momento ele aposta na mais perigosa delas: pôr gente nas ruas. Consciente dos riscos, e agindo como chantagista, mandou mais de um emissário dizer a várias instâncias em Brasília que não sabe se terá controle do que possa acontecer a 7 de setembro quando – dependendo da fonte bolsonarista – fala-se de protesto ou até insurreição.
O problema para Bolsonaro é que ele está sendo levado pouco a sério, pois confundiu blefe com bravata. Revelou-se intutelável, missão na qual fracassaram representantes do PIB (via Paulo Guedes), dos militares (via generais de pijama) e de partidos do Centrão (via caciques fisiológicos). O resultado disso é o fato de operadores políticos “aliados”, como Arthur Lira e Ciro Nogueira, e chefes de poderes, como Rodrigo Pacheco e Luiz Fux, terem transitado daquilo que em política externa se chama de “appeasement” para “containment”.
“Appeasement” nestas latitudes acaba sendo
traduzido como “bater palmas para louco dançar”, que é basicamente o que
aconteceu, bastando ver o sorriso amarelo de Arthur Lira quando questionado se
Bolsonaro tem palavra. Já o modo “contenção” (cerco, isolamento) tem tido pouco
êxito na crise institucional por conta de um cenário abrangente bem mais grave
que os desequilíbrios do presidente. É o fato de o governo não ter um rumo, um
sentido, uma estratégia, ou um estágio ao qual se pretenda levar o País – além
da ambição de Bolsonaro de permanecer no poder e se reeleger.
São vítimas dessa falta de sentido político
amplo e capacidade de coordenação as grandes reformas estruturantes, como
administrativa, tributária e eleitoral – para não falar no desgoverno irresponsável
e criminoso em questões específicas, como ficou claro na CPI da pandemia. É
essa geleia geral o grande impedimento bloqueando operadores políticos de
notória habilidade e capacidade de negociação, e especialistas em
sobrevivência, como os caciques do Centrão (que, diga-se de passagem, por razão
existencial defendem interesses setoriais antes dos nacionais).
Assim, fica difícil “trabalhar” isolando
Bolsonaro e focando na relevância das várias pautas legislativas – como
demonstra pretender o presidente do Senado, por exemplo – se ninguém sabe
exatamente em qual direção e com qual objetivo. O descaminho da reforma
tributária que o diga. Na essência, os atributos clássicos de poder do
Executivo não são os da caneta presidencial, mas, sim, os de ditar o sentido da
agenda política.
Bolsonaro é um personagem transparente que
não esconde o que vai pela sua cabeça, não importa se habitada por delírios,
fantasmas, teorias abjetas, explicações absurdas e imbecilidades –é o que
compõe a visão de mundo dele e, consequentemente, o que julga perceber como
realidade da política e baliza de suas ações e comportamento. Para ele, o
“golpe” já aconteceu e foi dado pela usurpação de poderes por parte do STF
(instância cavernosa habitada por esquerdistas, pedófilos, cúmplices de
traficantes, corruptos, ateus e oportunistas).
Cabe, então, o “contragolpe”, para o qual
Bolsonaro se julga legitimado pelo “apoio do povo”, e suficientemente escorado
pela norma legal (a espúria interpretação do artigo 142 da Constituição) e
pelos instrumentos clássicos de poder e manutenção da ordem (Forças Armadas).
Visto pela ótica de Bolsonaro, é tudo defensivo e garantista: da liberdade e da
lei. Mas como aplicar o contragolpe?
Seria demais exigir de uma figura como
Bolsonaro que tivesse um plano claro. Ele age por impulso, por arroubo, de
supetão, embora tenha um considerável instinto tático. Ao mesmo tempo é
hesitante e confuso. Até aqui não conseguiu enfrentar nem superar os limites
impostos pelo Judiciário e pelo Legislativo, e percebe seu potencial eleitoral
derretendo a um ponto que talvez já seja irreversível. É o que resta de opção:
a confusão.
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