Folha de S. Paulo
O governo dos piores e as oposições
empenhadas em impedir o pior afundam o país num dia a dia crispado e medíocre
Na semana passada, o relatório do Grupo 1
do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) reafirmou a
responsabilidade humana pelo aquecimento do planeta e o consequente aumento da
frequência e intensidade de eventos naturais extremos. Como era de prever, o
assunto foi ignorado no Planalto, onde o presidente se entretia disparando
ameaças a ministros do STF e açulando suas milícias nas redes sociais.
Embora os 103 cientistas que subscreveram o
estudo tenham advertido que nenhum país escapará à catástrofe já em curso se a
temperatura do globo subir 1,5º C a 2º C, o site do Ministério do
Meio Ambiente ignorou o alerta, e seu titular perdeu a
oportunidade de sair do anonimato com uma declaração à altura da importância do
problema —para o país, quanto mais não seja.
Os riscos aqui são muitos: desertificação de porções do Nordeste ocupadas pela agricultura familiar; degradação do bioma do sul da floresta amazônica; estiagens fortes e repetidas no Centro-Oeste ocupado pelo agronegócio; tempestades mais comuns no Sul e Sudeste, ampliando o perigo de enchentes e deslizamento de encostas; cidades litorâneas ameaçadas pela elevação do nível do mar.
Não menos eloquente é o silêncio das
lideranças políticas da oposição, ocupadas, de um lado, com a contenção do
autoritarismo bolsonarista e, de outro, com a articulação de apoios e a
mobilização de bases que lhes proporcionem uma boa posição de largada na
disputa eleitoral de 2022.
O governo exercido pelos piores e as
oposições políticas empenhadas em impedir o pior terminam por afundar a vida
pública num dia a dia tão crispado quanto medíocre; incapaz de pensar nosso
futuro num mundo que está discutindo novas formas de se relacionar com a
natureza, de produzir e organizar a vida em sociedade.
Por isso, é mais do que bem-vindo o
recém-lançado relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina).
"Construir um
novo futuro - uma recuperação transformadora com igualdade e
sustentabilidade" é um texto programático que situa a redução das
desigualdades e a sustentabilidade ambiental no centro das estratégias de
modernização e retomada do crescimento econômico pós-pandemia na região.
Mais preocupado com o que fazer do que como
fazer, oferece sugestões valiosas de setores prioritários —energias renováveis,
mobilidade e adaptação urbanas, inclusão digital, indústria da saúde,
bioeconomia, ecoturismo—, instrumentos tributários e fiscais, concepção
ambiciosa de proteção social, um papel regulador e indutor para o Estado.
Ideias inspiradoras para pensar o país sem Bolsonaro.
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